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13/12/2007

Biografia sobre Sergio Arouca recupera a trajetória do médico e humanista

Ricardo Valverde


“Pela primeira vez as portas do centenário palácio se abriram para um velório. Por algumas horas seu corpo franzino ficou exposto no saguão, o rosto pálido, a careca assomando no topo da cabeça, os cabelos e a barba quase totalmente brancos, só que agora bem aparados”. Assim começa a biografia Sergio Arouca – Um cara sedutor, escrito com emoção pela médica e professora Marília Bernardes Marques, que manteve uma amizade com o personagem por cerca de 40 anos. A obra, lançada nesta terça-feira (10/12), no Rio de Janeiro, faz parte da coleção Encanto Radical, da Editora Brasiliense.


 Arouca toma posse como presidente da Fiocruz em 3 de maio de 1985 (Foto: Arquivo CCS) 

Arouca toma posse como presidente da Fiocruz em 3 de maio de 1985 (Foto: Arquivo CCS) 


Nascido em Ribeirão Preto em 1941, Arouca morreu em 2003 – e, com o seu falecimento, pela primeira vez na história centenária da Fiocruz um corpo foi velado no Castelo de Manguinhos, que simboliza a instituição. O velório, ocorrido em um domingo, atraiu centenas de amigos, admiradores, ex-alunos e autoridades que reconhecem em Arouca um dos grandes pensadores e líderes da Reforma Sanitária brasileira. Professor, pesquisador, político, homem de múltiplas funções e atividades, era como sanitarista que Arouca preferia ser conhecido. No livro, dividido em 14 capítulos e um epílogo, Marília disseca a trajetória do homem que foi visto por muitos que o conheceram como um exemplo de correção, honestidade e generosidade. Para Marília, Arouca, mesmo vivendo em meios extremamente competitivos, conservou a afabilidade e a delicadeza.


No decorrer do livro, que é um relato bastante pessoal de fatos acompanhados de perto por Marilia, muitos deles com a sua participação direta, a autora lembra que ela e Arouca pertenceram ao que chama de Geração dos Sonhos Coletivos, aquela que imaginou um mundo mais solidário, fraterno e igualitário, movido pelos ideais de esquerda. A conquista da liberdade sexual e corporal, o enfrentamento e abandono de velhos comportamentos e hábitos,a luta contra uma medicina ainda presa a conceitos ultrapassados, muitas vezes de costas para a população – em especial a mais pobre – são descritos nos primeiros capítulos do livro, que recuperam o início da formação profissional e acadêmica de Arouca e os embates que o então jovem médico teve.


Marilia discorre sobre o Arouca comunista – e que entrou para a militância do antigo Partidão ainda na adolescência, em 1956. Embora nunca tenha pegado em armas ou participado de qualquer ato violento contra a ditadura, Arouca combateu o regime militar com atitudes e palavras, deixando claro seu compromisso com a liberdade. A postura libertária foi uma característica que marcou o seu comportamento nos lugares onde trabalhou: na Unicamp, na Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp) da Fiocruz, nas secretarias estadual e municipal de Saúde do Rio de Janeiro, no Ministério da Saúde.


A biografia recupera com detalhes o momento em que Arouca se tornou presidente da Fiocruz, em 1985, depois de nove anos atuando como professor da Ensp. Começava ali um amplo processo de revitalização da instituição, que Marilia chama de “resgate da alma da Fiocruz”. Arouca, em entrevista concedida ao Pasquim em 2002, disse que ao assumir a Fundação pegara “uma instituição que estava falida”. Ao se cercar de lideranças emergentes, com mentalidade inovadora, na área da saúde pública, ele conseguiu pôr novamente a instituição de Oswaldo Cruz e Carlos Chagas na posição de destaque que ela ocupou desde a sua fundação.


Depois da Presidência da Fiocruz Arouca disputou a Vice-Presidência da República na chapa do senador Roberto Freire, em 1989. Embora derrotados, os dois conseguiram inserir o tema da ciência e tecnologia na corrida presidencial ao fazerem uma campanha limpa, propositiva e com ênfase nos direitos humanos, no meio ambiente, na educação, na saúde e na radicalização da experiência democrática no Brasil. Uma proposta socialista mas em ruptura com a esquerda do passado, ainda presa a dogmas.


A pregação pelo país e a seriedade de seu projeto político levaram Arouca a ser eleito deputado federal pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB) em 1990. Ele viveu novamente a derrota em 1992, ao concorrer ao cargo de vice-prefeito do Rio de Janeiro na chapa de Benedita da Silva (PT), e em 1996, quando disputou a prefeitura carioca já pelo Partido Popular Socialista (PPS) – agremiação da qual foi um dos fundadores ao sair do PCB. Arouca voltou a saborear o gosto da vitória (a última) em uma eleição em 1998, quando voltou ao Congresso Nacional como deputado federal pelo Rio de Janeiro. Em 2003, Arouca assumiu aquele que foi seu último cargo público: o de secretário de Gestão Participativa do Ministério da Saúde, cargo no qual convocou a 12ª Conferência Nacional de Saúde – que ele não viu ser realizada por ter morrido alguns meses antes.


Marilia encerra o livro fazendo um apelo para que Antonio Sergio da Silva Arouca não seja esquecido. A trajetória pessoal e profissional, os muitos exemplos de vida que ele deixou e a biografia agora publicada contribuem bastante para que o pedido seja atendido.


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