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19/01/2017

Bióloga da Fiocruz investiga relação entre ambiente e febre amarela

Gustavo Mendelsohn de Carvalho (CCS/Fiocruz)


O aumento do número de casos de febre amarela está sendo acompanhado com atenção por autoridades e especialistas em Saúde do país. No esforço para esclarecer a população sobre a atual dimensão do problema, a bióloga Marcia Chame atribui particular importância à questão da degradação do ambiente. De acordo com a coordenadora do Centro de Informação em Saúde Silvestre e do Programa Institucional Biodiversidade & Saúde da Fundação Oswaldo Cruz, os casos atuais ocorrem em áreas onde os fragmentos florestais são muito pequenos e poucas espécies animais são preservadas. “Isso é um dado a ser estudado com muita cautela”, explica.

Na entrevista abaixo, a bióloga também fala do histórico recente da doença no país e das medidas necessárias para o seu enfrentamento. Marcia Chame defende a necessidade da manutenção de áreas florestadas grandes e com a maior riqueza de espécies possível, de modo a contribuir para a saúde das pessoas e animais. “Os novos surtos, infelizmente, podem ser uma oportunidade para que as pessoas entendam a importância das florestas e das espécies que elas abrigam”, diz ela.

Além de Minas Gerais, quais regiões brasileiras têm apresentado aumento de casos de febre amarela? Quais são as áreas de maior risco?

Não sabemos com exatidão. Já tivemos casos anteriores recentes (outubro/novembro de 2016) em Ribeirão Preto (SP), Distrito Federal, Goiás e Minas. Em 2009, tivemos um grande surto também em Goiás e depois no Rio Grande do Sul. O Ministério da Saúde (MS) tem o fluxo de vigilância muito bem estabelecido que está disponível no Portal da Saúde, além do Guia Epidemiológico para a Febre Amarela, em que estão as recomendações sobre o que se fazer com os primatas. O que se observa recentemente é que desde 1999 vêm ocorrendo novos surtos em diferentes regiões do Brasil. O Ministério da Saúde disponibiliza, a partir de estudos clínicos e epidemiológicos, o mapa da febre amarela no Brasil, indicando a área afetada e, a partir de 2003, a área ampliada de vigilância, dentre estas, aquelas nas quais a vacina é ou não recomendada. Desta forma, nas áreas onde não há febre amarela endêmica, as secretarias de vigilância dos estados e municípios são responsáveis pelo monitoramento, e devem estar atentas. Nos estados onde os surtos já ocorreram, o fluxo de notificação e coleta de amostras biológicas que seguem para análise e confirmação dos casos está bem estabelecido e as equipes estão preparadas. O problema é quando novos casos acontecem em áreas sem registro anterior ou ainda naquelas nas quais os registros são antigos, como é o caso de Minas. É importante lembrar que muitas pessoas das secretarias de saúde saem com as mudanças de governo, então, se aquele não é um problema continuado, o grupo novo muitas vezes perde a continuidade dos trabalhos e, numa emergência, precisa se reorganizar rapidamente.

O que está ocorrendo nessas regiões? A degradação do ambiente e as condições climáticas influenciam de que forma neste quadro?

O que se vê, fora da região amazônica, é que estes surtos estão nas regiões onde os fragmentos florestais são muito pequenos. Isso é um dado a ser estudado com muita cautela, porque sabemos que quanto menor o fragmento florestal mais espécies são perdidas, e as espécies que permanecem ali têm alta capacidade de adaptação a ambientes desestruturados. Obviamente, estas espécies também são boas mantenedoras e transmissoras de agentes infecciosos, porque esta é uma estratégia destes organismos, vírus ou qualquer outro, perpetuarem-se. Desta forma, a inter-relação entre as espécies e os espaços que elas ocupam e a qualidade destes espaços são fatores, além de outros, importantes para a ecologia das doenças. Por isso, é importante mantermos reservas naturais grandes e suficientes, para que os animais possam viver e viver com qualidade, mantendo os ciclos naturais de agentes infecciosos nos seus lugares de origem e, com isso, diminuir o fluxo de doenças entre animais e pessoas, e também entre pessoas e animais.  Além dos diversos benefícios da manutenção das áreas naturais, é importante compreender que manter áreas florestadas grandes o suficiente, com a maior riqueza de espécies possível, contribui para a saúde das pessoas e animais. Só agora o mundo começa a compreender a relação da biodiversidade com a saúde. Até então falava-se somente da questão da água e da manutenção do clima, que também é de suma importância para isso. A Organização Mundial de Saúde (OMS), junto com a Convenção da Diversidade Biológica, há dois anos, publicou o primeiro documento sobre essa relação. A Fiocruz ajudou nessa construção, colocando os diversos benefícios que a biodiversidade traz para saúde. Mas essa é uma questão difícil, pois vai de encontro ao modelo econômico em curso. Os novos surtos, infelizmente, podem ser uma oportunidade para que as pessoas entendam a importância das florestas e das espécies que elas abrigam.

Que ações estão sendo tomadas para o combate à febre amarela?

O Ministério da Saúde tem especialistas experientes e excelentes no seu Grupo de Arboviroses e eles estão em atuação com as equipes locais nos municípios nos quais os casos estão ocorrendo. A vacina é eficaz e a Fiocruz tem disponibilizado as doses solicitadas pelo Ministério da Saúde para distribuição aos estados, além de apoio médico. É importante que a população destas áreas se vacine e também os viajantes. A informação de qualidade é ferramenta relevante para a vigilância, controle e prevenção de doenças. Por isso, é importante guardar a caderneta de vacinação e informar ao serviço de saúde local a observação de macacos mortos ou com comportamento estranho ou doentes. Os casos já ocorridos no Brasil mostram que o surto em macacos antecede os casos humanos. A morte de macacos é, portanto, a evidência precoce de que há a circulação do vírus na região e o risco que o vírus, transmitido por mosquitos, possa infectar as pessoas que entram na mata ou vivem ou trabalham nas suas áreas vizinhas. No surto que ocorreu no Rio Grande do Sul, em 2009, algumas pessoas mataram os macacos, com a ideia de que eles estavam transmitindo a doença. No entanto, a febre amarela é somente transmitida por mosquitos e o encontro e a informação de que macacos estão morrendo numa determinada área é o melhor indício, mas que precisa ser confirmado por exames laboratoriais, de que a febre amarela pode estar circulando na região. Por isso, há no Brasil a vigilância de febre amarela em primatas não humanos. 

De que maneira a população pode ajudar as autoridades de Saúde?

O Brasil tem controlado os surtos de febre amarela desde Oswaldo Cruz, então o país vem mostrando que tem capacidade para isso. Não falta experiência e os fluxos existem. Fundamental, no entanto, é ressaltar a importância de haver recursos suficientes para que os estados e municípios possam garantir a infraestrutura e agilidade para o monitoramento e atendimento da população. A população pode ajudar, buscando a vacinação nas áreas indicadas e a ajuda às pessoas doentes antes que os casos se agravem e, principalmente, precisa informar quando os macacos estiverem morrendo. A Fiocruz desenvolveu, justamente com essa preocupação, o Sistema de Informação em Saúde Silvestre (SISS-Geo) que recebe informação de animais sadios, doentes e mortos de qualquer pessoa em qualquer lugar do Brasil. Basta baixar o aplicativo Android, de graça, no celular ou na web. A foto do animal, georreferenciada, mesmo sem sinal de internet ou telefonia, além de informações do animal e do local são enviadas assim que qualquer rede de dados estiver ao alcance e estas informações são disponibilizadas em tempo real no site. Os registros de animais mortos ou doentes geram alertas automatizados para a equipe da Plataforma. Com essas informações, notificamos os serviços de saúde também em tempo real, para que sejam tomadas as providências necessárias. O SISS-Geo é mais uma ferramenta, além das oficiais dos serviços de saúde, que a população pode usar para se informar sobre a possibilidade de novas doenças nos animais que podem acometer as pessoas.

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