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30/07/2010

Boaventura: 'sociedade precisa recuperar valores da convivência humana'

Informe Ensp


A presença do sociólogo e diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Boaventura Souza Santos (CES), na abertura do 5º Seminário Internacional Direito e Saúde e 9º Seminário Nacional Direito e Saúde movimentou a Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) na última terça-feira (27/7). Foram mais de três horas de palestra, dois auditórios lotados e mais de uma hora de autógrafos no lançamento de seu livro Epistemologias do Sul. Em meio a todas as atividades, Boaventura recebeu a equipe do Informe Ensp e falou a respeito do meio ambiente, ética e saúde do trabalhador. Como já havia feito em sua conferência, o sociólogo demonstrou preocupação com as distinções visíveis e invisíveis que dividem a realidade social em dois universos ontologicamente diferentes e falou da situação de vulnerabilidade desses excluídos. Abaixo, a entrevista:


 Boaventura: o direito do trabalho está sendo atacado, inclusive no Brasil, por aqueles que pensam que ele pertence ao passado e que não deve haver continuação no futuro. Isso aumenta a vulnerabilidade

Boaventura: o direito do trabalho está sendo atacado, inclusive no Brasil, por aqueles que pensam que ele pertence ao passado e que não deve haver continuação no futuro. Isso aumenta a vulnerabilidade


A questão ambiental foi um dos temas citados pelo senhor na conferência de abertura do Seminário Direito e Saúde, cujo tema foi Saúde, Justiça e Democracia. Seria a sustentabilidade um ponto de equilíbrio ou interseção entre os três campos?

Boaventura Souza Santos:
A questão ambiental hoje é fundamental em relação aos novos modelos de desenvolvimento. Esse tema, inclusive, faz parte de uma discussão que estamos travando aqui nas Américas, Europa, África e Ásia sobre como essa questão deve ser entendida. Ela não é um luxo dos países desenvolvidos, nem deve ser uma obrigação dos países subdesenvolvidos.


No entanto, há outra lógica de sustentabilidade em pauta uma vez que se reflete na vida da sociedade e na saúde das pessoas. Vivemos, atualmente, uma crise financeira, energética, ambiental, e novas concessões estão surgindo em razão da centralidade desse tema, sobretudo dos movimentos indígenas, que estão trazendo a questão ambiental para a agenda política de vários países.


Em sua palestra, o senhor se referiu ao risco e aos acidentes de trabalho como formas de exemplificar uma teoria pós-colonial a partir de uma epistemologia do sul sobre as questões de saúde, direito e poder. No entanto, nessa relação, está implícita uma discussão sobre ética, que coloca tanto o corpo do indivíduo como a sociedade na condição de mercadoria. Há saídas para a emancipação dessa sociedade mercadológica para uma sociedade solidária, como aquela a que o senhor se referiu no final da palestra?

Boaventura:
Este, em particular, é um aspecto que subjaz meu trabalho: o de uma ética de cuidado, que procura fundamentalmente resgatar todos os valores que não têm preço e são os valores da sociedade, da convivência humana. Trata-se de uma ética de cuidado de nós e dos outros, como sendo um conjunto de obrigações políticas.


É uma proposta epistemológica, política, mas que está sustentada em uma base ética - a ética do cuidado. São as possibilidades reais que o homem tem para construir uma sociedade menos violenta e mais solidária, mais responsável. O reconhecimento pela sociedade da condição básica da dignidade, e não da cidadania como mero direito ao consumo.


O senhor comentou sobre a situação de vulnerabilidade em que os trabalhadores se encontram em diversas frentes. Diante das empresas, das seguradoras e da falta de assistência, como o senhor vê o papel do trabalhador nessa situação? É possível revertê-la?

Boaventura:
A situação é complicada, pois o trabalhador sempre foi considerado um ator social que individualmente é vulnerável. Vulnerável perante o patrão e diante das condições de insalubridade da fábrica. Mas é necessário que eles se organizem e, para isso, foram criados os sindicatos.


Contudo, hoje vivemos uma política neoliberal de ataque sistemático aos sindicatos, os quais, atualmente, se encontram em crise, também. E, para proteger o trabalhador, além das organizações sindicais, foi criado todo um corpo jurídico autônomo, denominado direito do trabalho, que busca exatamente compensar essa vulnerabilidade do trabalhador. No entanto, o direito do trabalho está sendo atacado, inclusive no Brasil, por aqueles que pensam que ele pertence ao passado e que não deve haver continuação no futuro. Isso aumenta a vulnerabilidade do trabalhador.


Para ela, a vulnerabilidade, ser diminuída precisamos manter o direito laboral, precisamos de uma justiça muito solidária com a vida e a situação dos mais vulneráveis. É preciso um processo de poder político que tenha vontade de neutralizar esse grande poder, que, nesse caso concreto do ocidente, são os patrões e as seguradoras.


O que o senhor espera do convênio assinado entre Fiocruz e CES? Quais são os objetivos?

Boaventura: Esta é uma parceria que não começa do nada, pois já temos algumas colaborações com a Fiocruz. No entanto, queremos aprofundá-la em dois níveis: colaboração institucional na área da pesquisa, pois temos projetos que podem ser trabalhados em comum a nível internacional, inclusive na cooperação com a África. E também podemos ter programas de doutorado com dupla titulação do Centro e da Fiocruz.


Publicado em 30/7/2010.

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