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20/10/2008

Bolsa Família: polêmicas não invalidam sucesso do programa


Em entrevista, o diretor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), Francisco Menezes, aprofunda discussões a partir dos resultados da pesquisa Repercussões do Programa Bolsa Família na Segurança Alimentar e Nutricional das Famílias Beneficiadas. Membro do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), do qual já foi presidente, e fundador e coordenador do Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar e Nutricional (FBSAN), Menezes trata da questão das condicionalidades do Bolsa Família e da forma polêmica como o programa é tratado pela grande imprensa, entre outros assuntos.


Qual a importância de se discutir esse tema na Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp) da Fiocruz?

Francisco (Chico) Menezes:
A Ensp, além de tudo que ela significa para a área de saúde pública do país, desempenhou um papel fundamental na própria construção do conceito de segurança alimentar e nutricional com o qual trabalhamos. Antes se falava apenas em segurança alimentar e não se falava nada sobre o nutricional. Havia uma separação aparentemente irreconciliável entre a questão da segurança alimentar, pensada do ponto de vista da produção e, portanto, ligada à FAO, e da questão nutricional, afeita à área da saúde e, portanto, à OMS. As partes mal se falavam e, nesse sentido, a contribuição do centro de referência da Ensp, que respondia pelo Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan), foi fundamental. Muitos de nós, que trabalhávamos com essa questão, fomos convidados para participar das discussões que eram realizadas nesta Escola, trazendo o ponto de vista da segurança alimentar pelo lado da agricultura, da oferta e do acesso. Por outro lado, isso nos possibilitou um grande aprendizado a respeito da segurança nutricional, do ponto de vista da saúde, o que foi primordial para a construção do conceito na década de 90. Hoje, o Brasil tem o reconhecimento mundial por ter conseguido unir essas duas visões, que antes estavam separadas, algo extremamente importante de ser feito, principalmente quando se trata da questão de políticas públicas, onde devemos parar de trabalhar tão setorialmente.


Além disso, há outro aspecto ligado diretamente à pesquisa, na qual utilizamos uma metodologia que conjugava aspectos quantitativos e qualitativos. Nesse sentido, foram fundamentais alguns textos de pesquisadores da Ensp, que nos mostraram como estabelecer o diálogo entre diferentes metodologias numa mesma análise, sem que uma esteja subordinada à outra. Por fim, eu citaria o banco de dados gerado pela pesquisa, que se encontra disponível no Ibase para todos que queriam utilizá-lo em outros estudos e que pode ser muito útil para pesquisadores e alunos desta Escola.


Sobre as condicionalidades do Bolsa Famíla, há dados favoráveis à existência delas? Será que os benefícios que elas trazem não seriam uma conseqüência natural do programa?

Chico Menezes:
Por definição, o Bolsa Famíliaé um programa de transferência direta de renda com condicionalidades, ou seja, para receber o recurso, os beneficiados devem se comprometer a manter as crianças e adolescentes em idade escolar freqüentando a escola e a cumprir os cuidados básicos em saúde - calendário de vacinação, para as crianças entre 0 e 6 anos, e a agenda pré e pós-natal, para as gestantes e mães em amamentação. Na pesquisa, 64% dos titulares entrevistados concordaram que as famílias sejam obrigadas a cumprir essas condicionalidades, alegando, sobretudo no que diz respeito à educação, que muitas crianças, geralmente os filhos dos outros, acabariam não indo à escola. Há, no entanto, uma grande polêmica sobre isso. Uma das contradições, por exemplo, é que um direito não pode impor condições: ou é direito ou não é. A própria aprovação dos beneficiados da cobrança dessas condicionalidades pode ser resultado de uma cultura na qual, para se receber alguma coisa, deve-se dar algo em troca.


Para mim, o termo não deveria ser condicionalidade, mas compromisso, principalmente dos órgãos públicos responsáveis por esses aspectos. Também acho que, na maioria dos casos, a cobrança, por parte do governo, é desnecessária e que a procura por esses serviços aconteceria naturalmente. Se bem que vários gestores entrevistados acusaram um aumento da procura, queixando-se, inclusive, das dificuldades para acolher o aumento da demanda.


Bolsa Família e mobilidade social: é possível dizer que o programa promove efetivamente a inserção social dos beneficiados e o fortalecimento da cidadania?

Chico Menezes:
Essa é uma discussão que precisa ser aprofundada. Os dados mostram que não é só o Bolsa Família, mas existem outros fatores, como o aumento do salário mínimo e a extensão das aposentadorias, que vêm possibilitando alguma mobilidade social no país, como apontam algumas pesquisas recentes sobre o tema, cujos resultados mostram o crescimento da classe média baixa. No caso do Bolsa Família, eu penso que essa mobilidade é possível para aqueles que estão no topo da pirâmide dos beneficiados e que são empurrados para cima por aquele pequeno incremento de renda que passam a receber. A minha maior preocupação, portanto, é com o grupo que está mais abaixo, em situação de extrema pobreza. Eu me pergunto, freqüentemente, o que podemos fazer para essas pessoas, uma vez que não adianta criarmos políticas públicas genéricas para grupos tão diversos. Eu sinto, entre outras coisas, uma dificuldade muito grande de um determinado estrato no que se refere, por exemplo, à qualificação para o mercado de trabalho. O tempo de absorção de qualquer tipo de capacitação é muito mais lento para determinados grupos. Para essas pessoas, quando se pensa na questão dos direitos fundamentais do homem, os programas de transferência de renda fazem muito sentido, salvo alguns casos excepcionais e bastante específicos, como o dos povos indígenas aldeados.


Uma ressalva que acho importante fazer é que, por conta da desinformação da sociedade, o Bolsa Família acaba sendo considerado o único programa capaz de resolver os problemas sociais que o país enfrenta. Isso fica muito claro nos depoimentos colhidos na pesquisa e quem tiver interesse pode ver nos diversos artigos publicados na revista Democracia Viva (Ibase, 06/2008), mas não é por aí. O Bolsa Família é apenas um programa de transferência de renda para aqueles que vivem em condição de extrema pobreza. Existem outros programas nos quais se deve injetar recursos e que precisam ser fortalecidos.


E como o senhor avalia a atividade da imprensa na cobertura desse assunto?

Chico Menezes:
Eu não vejo de uma forma muito elogiosa o papel da grande imprensa no que diz respeito a informar bem. Eu penso que, no Brasil, a grande imprensa está reduzida a um oligopólio de grandes famílias que, de maneira generalizada, trabalha em função de seus interesses econômicos. Um dos jornais fez uma cobertura em que a matéria sobre a pesquisa estava correta, mas o título, em letras garrafais, tinha o objetivo específico de desgastar o programa. No longo prazo, no entanto, eu creio que os jornais acabam perdendo com essa postura, que acaba desacreditando o veículo. Há pessoas que lêem a matéria e percebem as contradições.


Como fica o aspecto da segurança nutricional no Bolsa Família? Houve alguma perda desse aspecto em relação aos programas anteriores, como o Bolsa Alimentação e o Cartão da Alimentação?

Chico Menezes:
Eu penso que sim, mas tendo a acreditar que a unificação desses programas, em termos de transferência de renda, era fundamental. Contudo, reconheço que algumas ações no campo da saúde e, mais especificamente, da nutrição acabaram ficando fragilizadas. O papel que os outros programas representavam nesse aspecto, no entanto, ainda precisa ser suprido de alguma forma.


Fonte: Informe Ensp


Publicado em 15/08/2008.

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