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18/11/2011

Brasil torna-se referência para a OMS em resistência do vírus HIV

Marcelo Garcia


Um dos problemas encontrados no tratamento da Aids é a resistência do vírus aos medicamentos existentes. Para monitorar e buscar soluções para esse desafio, a Organização Mundial da Saúde (OMS) conta com a rede Global HIV Drug Resistance Network (HIVResnet), que o Brasil passa a integrar a partir de agora, com a certificação do Laboratório de Aids e Imunologia Molecular do IOC como Centro de Referência nacional no monitoramento da resistência do HIV junto à HIVResnet, da OMS, desenvolvendo também ações horizontais com outros países vizinhos. Assim, o Brasil passa a ser o primeiro da América do Sul e o segundo da América Latina credenciado na Rede. Além de atuar no monitoramento de variantes resistentes do HIV, o Laboratório pretende intensificar seu trabalho de estudo e monitoramento da resistência do vírus no Brasil.


 Para monitorar e buscar soluções para esse desafio, a OMS conta com a rede HIVResnet, que o Brasil passa a integrar, com a certificação do Laboratório de Aids e Imunologia Molecular do IOC como Centro de Referência no monitoramento da resistência do HIV junto à entidade internacional. Foto: Virginia Damas

Para monitorar e buscar soluções para esse desafio, a OMS conta com a rede HIVResnet, que o Brasil passa a integrar, com a certificação do Laboratório de Aids e Imunologia Molecular do IOC como Centro de Referência no monitoramento da resistência do HIV junto à entidade internacional. Foto: Virginia Damas

 


O Laboratório foi selecionado como Centro de Referência entre cerca de 30 candidatos da América Latina. “O processo de certificação levou em consideração aspectos como a capacitação da equipe, a relevância e o volume de publicações em pesquisa clínica com o HIV, a infraestrutura e a biossegurança das instalações, além da experiência e da atuação do laboratório em redes e serviços nacionais de isolamento, caracterização, genotipagem e avaliação da resistência do vírus”, explica o coordenador do novo Serviço de Referência da OMS e pesquisador titular do Laboratório do IOC, José Carlos Fernandez.


Como Centro de Referência da OMS, o Instituto vai atuar no fortalecimento das redes de laboratórios dos outros países sul-americanos. “Seremos responsáveis por atividades como suporte e referência na identificação de casos de resistência primária do HIV, treinamento e capacitação de equipes, avaliação e adequação de laboratórios e transferência de tecnologia para sistemas de saúde dos demais países da América Latina, além de atendermos demandas diretas da OMS, como a análise da resistência de amostras referentes a populações específicas”, afirma José Carlos. “Mesmo antes da certificação oficial, integramos uma comissão internacional para realizar avaliação periódica do laboratório do Panamá, que atua como Referência regional da OMS na América Central, além das instalações de laboratórios de outros países da região, como Costa Rica, El Salvador, Honduras, Guatemala e Nicarágua”, conta.


No Brasil, o novo Centro de Referência também irá intensificar sua atuação na coordenação dos esforços para o monitoramento da resistência primária do HIV aos medicamentos, aproveitando as redes já existentes no país. “É cada vez mais comum que a OMS aposte na otimização de estratégias de vigilância internacional de doenças apoiadas nas redes já existentes dentro dos países”, ressalta o coordenador do Centro. “Nosso Laboratório já participa de forma destacada da Rede Nacional de Isolamento e Caracterização do HIV e da Rede Nacional de Genotipagem do HIV, realizando, por exemplo, a contagem das células-T CD4 e quantificação da carga viral plasmática do HIV nas amostras de parte dos pacientes atendidos no Sistema Único de Saúde (SUS), indicando a necessidade de começar ou não o uso de remédios para controlar o HIV. As atividades do Centro de Referência serão integradas na rotina dessas redes, o que vai otimizar nossa atuação”, avalia


Oficialização


O credenciamento foi reconhecido oficialmente pela OMS em reunião no dia 10 de novembro, quando a documentação oficial foi entregue ao IOC por Giovanni Ravasi, assessor regional da Organização Panamericana da Saúde (OPAS) para a vigilância da farmaco-resistência do HIV. Na ocasião, ele apresentou a Rede Global de Laboratórios para Vigilância da Resistência do HIV-1 (HIV-1 ResNet) da OMS. “Hoje, 21 países na America Latina e Caribe implementam atividades de prevenção e avaliação da resistência a fármacos do HIV”, informou. Estiveram presentes Elizabeth Rangel, vice-diretora de Serviços de Referência e Coleções Científicas do IOC, Helene Barbosa, vice-diretora de Ensino, Informação e Comunicação do IOC, Mariza Morgado, vice-diretora de Pesquisa, Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do IOC e Else Gribel, assessora da vice-presidência de Pesquisa e Laboratórios de Referência da Fiocruz.


Ele também detalhou as etapas do processo de credenciamento de laboratórios, que começa com a aplicação de candidatura de um Laboratório, que é avaliado pela OMS em diversos aspectos, como aspectos de infra-estrutura, equipamentos e produção científica acumulada. Além de ser submetido a visitas de comitês especializados, o Laboratório candidato deve obter, no mínimo, 85 pontos no processo de avaliação. O IOC, que iniciou o processo junto à OPAS/OMS em novembro de 2009, obteve 96 pontos, registrando um dos melhores escores dentre os laboratórios credenciados na Rede. Ravasi destacou também a relevância do processo de credenciamento como oportunidade de participação em projetos em rede em vigilância, pesquisa, cooperação horizontal, capacitação e transferência de tecnologia.


Reconhecimento e Investimento


Vice-diretora de Pesquisa, Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do IOC, Mariza Morgado destaca a importância do credenciamento do Laboratório para a saúde pública brasileira e mundial. “Nossos pesquisadores há muito tempo realizam pesquisa e serviço de excelência no monitoramento da resistência do HIV aos antirretrovirais, participando dos comitês do Ministério da Saúde sobre o tema”, afirma. “O credenciamento como Centro de Referência integrado à HIVResnet reconhece a atuação do IOC e da Fiocruz e vai valorizar e dar mais visibilidade à pesquisa nacional relacionada ao tema, além de estimular uma atuação ainda mais destacada de nosso laboratório na capacitação e pesquisa de interesse para o país e para a saúde pública global em Aids"


José Carlos também esclarece que este credenciamento é como um grande reconhecimento da dedicação do Instituto ao tema, mas ressalta que é apenas o início de um período ainda mais desafiador para o IOC. “Nosso Laboratório foi um dos responsáveis pelo isolamento pioneiro do HIV no Brasil, em 1985. Desde então, nos dedicamos ao estudo de diversos aspectos da doença, em áreas como virologia, epidemiologia, imunologia e resistência, o que fundamentou nosso credenciamento pela OMS”, argumenta. “Além de refletir o compromisso institucional com a pesquisa em Aids, este reconhecimento reforça a necessidade de continuarmos realizando pesquisa e monitoramento com alta qualidade, integrando e fortalecendo os sistemas nacionais de vigilância de toda a região”, avalia o coordenador do Centro.


Resistência, bioinformática e capacitação de médicos


O pesquisador destaca que é fundamental entender melhor os perfis de resistência do vírus aos medicamentos e como isso afeta a estratégia terapêutica adotada, de forma a aprimorar a qualidade de vida dos pacientes. Hoje, existem 25 drogas para combater o HIV, das quais o Brasil distribuiu gratuitamente 21. De forma geral, eles são divididos como de primeira ou segunda linha. As primeiras foram desenvolvidas na década de 1990 e são utilizadas no início do tratamento, enquanto as outras são drogas mais modernas, utilizadas substituindo ou complementando a ação dos medicamentos de primeira linha, para combater infecções mais avançadas ou quando o vírus apresenta resistência a alguns dos medicamentos.


Um dos maiores problemas associados ao desenvolvimento da resistência do vírus é que elas precisam ser adequadamente combinadas e consumidas com muita regularidade, conforme destaca José Carlos. “O HIV é muito mutável. A utilização incorreta dos medicamentos pelo paciente favorece o surgimento de mutações, que tornam o vírus resistente às drogas utilizadas, processo que chamamos de resistência secundária. Quando o vírus é transmitido, o novo paciente já será infectado por vírus apresentando mutações de resistência a certos medicamentos, caracterizando o que se conhece como resistência primária ou transmitida”, esclarece o pesquisador.


Um dos recursos que vêm auxiliando o estudo da resistência é o desenvolvimento da bioinformática. No entanto, José Carlos pondera que o crescente complexidade dos perfis mutacionais do HIV representa uma barreira importante para a interpretação dos laudos de genotipagem. Existem mais de 350 mutações conhecidas do HIV, muitas delas podendo ocorrer simultaneamente. Para cada situação, é preciso determinar a melhor forma de combinar os medicamentos existentes visando a controlar a replicação viral”, argumenta. Por isso, é preciso investir na capacitação dos médicos, de forma a otimizar a prescrição dos medicamentos disponíveis e a adesão dos pacientes ao tratamento. Temos participado, nos últimos anos, de programas nacionais que têm este objetivo, trabalho que poderá agora ser expandido para os sistemas de saúde de toda região da América do Sul, no contexto da criação do Centro de Referência para a OMS.”


Segundo dados da Organização Mundial da Saúde e do Ministério da Saúde, o Brasil possui um índice de resistência primária do HIV entre 5 %e 15%, situação classificada pela OMS como intermediária. Em países europeus e nos Estados Unidos, onde o acesso e a utilização dos medicamentos é mais antiga, o índice de resistência do vírus aos antirretrovirais supera os 15%.


Publicado em 18/11/2011.

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