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23/03/2007

Cães apresentam alta incidência de leishmaniose em município pernambucano

Bruna Cruz


A população de Paulista, município que fica no litoral norte da Região Metropolitana do Recife (RMR), deve ter cuidado redobrado com seus cães. É que o melhor amigo do homem pode se tornar o principal responsável por surtos de leishmaniose visceral (LV) na localidade, de acordo com uma pesquisa desenvolvida pelo Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães (CPqAM), unidade da Fiocruz em Pernambuco. O estudo detectou a presença de anticorpos contra o parasito causador da doença, a Leishmania infantum chagasi, em 40,3% dos animais submetidos a testes sorológicos, a mais elevada taxa já relatada no estado. Desses, 11,5% apresentaram os sintomas clínicos característicos da infecção pela LV, como perda de peso, dermatite, úlceras na pele e conjuntivite. O cão é principal reservatório do ciclo doméstico de transmissão da doença.


 O estudo foi o primeiro que caracterizou a leishmaniose visceral na Região Metropolitana do Recife

O estudo foi o primeiro que caracterizou a leishmaniose visceral na Região Metropolitana do Recife


“Quando comparados aos dados das autoridades locais, que mostram que a prevalência de cães infectados é de 3,2%, os resultados do estudo indicam que o índice havia sido subestimado. O valor que encontramos é o mais alto relatado no estado, onde a taxa de prevalência média é de 2,5%”, explicou o veterinário Filipe Dantas Torres, que fez a pesquisa como trabalho do mestrado em saúde pública do CPqAM. Para chegar a esta conclusão, foram selecionados, aleatoriamente, 322 cães da cidade. A análise de amostras sanguíneas dos animais detectou a presença de anticorpos anti-Leishmania em 130 cães. Desses, 111 não apresentavam sintomas da doença, o que faz com que sejam apontados como os principais reservatórios do parasito que é transmitido ao homem pela picada do mosquito-palha, chamado cientificamente de Lutzomyia longipalpis.


De acordo com o chefe do Departamento de Imunologia do CPqAM, Sinval Brandão Filho, orientador de Dantas Torres, o município foi escolhido por ter importantes registros de casos da doença. Brandão afirma que, no futuro, a pesquisa também poderá ser feita, com a mesma abordagem, em outros municípios do litoral pernambucano, como Ipojuca, onde fica a praia de Porto de Galinhas, para verificar se a prevalência de Paulista também se repete em cidades com casos locais de LV. O trabalho já rendeu três artigos e foi a primeira dissertação do mestrado em saúde pública do CPqAM defendida com papers já publicados. Mais dois artigos devem ser lançados em breve.


Embora seja uma doença originalmente de áreas rurais no Brasil, a leishmaniose visceral vem sendo detectada em áreas urbanas, como é o caso de Paulista. De acordo com Sinval Brandão Filho, os processos migratórios e o poder de adaptação do mosquito-palha contribuem para a urbanização da LV. Os resultados da pesquisa podem ajudar as autoridades do município a elaborarem novas estratégias para prevenção e controle da doença no município e em outras cidades do Nordeste. O trabalho contou com o apoio da Secretaria Estadual de Saúde e da Secretaria de Saúde de Paulista.


A população de Paulista pode tomar alguns cuidados para que seus cães não fiquem doentes. Podem procurar imunizá-los com uma vacina específica, a leishmune, e fazer com que eles usem colares impregnados com inseticidas que repelem os flebotomíneos e reduzem o risco de infecção. Quando possível, podem evitar que os cães desenvolvam atividades no horário de maior atividade dos vetores, isto é, no entardecer.


Caracterização é pioneira


O estudo do CPqAM em Paulista foi o primeiro que caracterizou a leishmaniose visceral (LV) na Região Metropolitana do Recife (RMR) sobre os aspectos relacionados à prevalência da infecção entre cães e entre os mosquitos que transmitem a doença. Além de tentar caracterizar as espécies de Leishmania nos animais, a pesquisa buscou verificar se a espécie encontrada no mosquito-palha, vetor da leishmaniose visceral, era a mesma detectada nos cães. A única espécie de mosquitos encontrada foi a Lutzomyia longipalpis. Entretanto, em nenhum dos insetos capturados o parasito foi encontrado.


A equipe da pesquisa capturou, de outubro de 2005 a janeiro de 2006, exemplares do mosquito-palha nas proximidades de cinco casas de Paulista. Todas ficavam próximas a áreas com resquícios de Mata Atlântica, contavam com a presença de animais nos quintais e estavam situadas perto de residências onde foram descritos casos humanos de LV.


Os insetos foram capturados manualmente e com o auxílio de armadilhas luminosas. Os machos predominaram em relação às fêmeas. Nas coletas manuais, a maioria dos exemplares capturados estava sobre cavalos e em galinheiros. Observou-se, também, que as casas apresentavam o solo do seu entorno rico em matéria orgânica (lixo e fezes de animais) e com pouca capacidade de drenagem, o que favorece a retenção de umidade durante boa parte do ano, favorecendo a perpetuação dos insetos vetores.


Crianças são as mais atingidas


Além de investigar a prevalência da leishmaniose visceral (LV) entre os cães, a pesquisa do CPqAM identificou o padrão epidemiológico dos pacientes humanos em Paulista. Entre 1990 e 2006, foram registrados 32 casos de LV, uma média de dois casos por ano.


Analisando os 15 casos registrados nos últimos dez anos os pesquisadores observaram que, em relação ao sexo e a idade, 86,6% dos pacientes (13 de 15) eram do sexo masculino e 80% eram crianças menores de dez anos (12 de 15). Os dados foram extraídos do no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) e fornecidos pela Secretaria de Saúde de Paulista.


A idade dos pacientes variou de dez meses a 20 anos. A maioria das notificações (oito) originou-se no bairro de Pau Amarelo, seguido por Janga (dois) e Centro (dois). Os outros casos foram registrados na Muribeca, Torres Galvão e Nossa Senhora do Ó. As notificações preocupam porque a doença é letal em 10% dos casos em crianças no Brasil. Em Pernambuco, são registrados, em média, mais de 170 casos de LV por ano.


No Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde, a leishmaniose visceral é uma doença endêmica com registro de surtos freqüentes. Inicialmente, sua ocorrência era limitada a áreas rurais, mas, atualmente, atinge grandes centros urbanos.

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