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06/08/2006

Cadernos de Saúde Pública Volume 20, suplemento 1, 2004

por Antonio Fuchs













Cadernos de Saúde Pública

Volume 20, suplemento 1, 2004

Analisar a saúde perinatal do município do Rio de Janeiro foi o tema principal de um estudo feito pelas pesquisadoras da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp) Maria do Carmo Leal e Silvana Granado N. Gama com a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (SMS). Desse estudo, que entrevistou 10.072 mulheres, foi publicado um número especial da revista Cadernos de Saúde Pública, lançado em 16 de junho. O estudo começou em meados de 1999, quando a SMS procurou a Ensp para fazer uma avaliação do atendimento perinatal que estava sendo prestado nas maternidades do município do Rio de Janeiro. Com a descentralização do SUS, diversas instituições federais passaram para o controle do município e foram feitas melhorias de infra-estrutura e pessoal, com ênfase na humanização no atendimento ao parto. De acordo com a pesquisa, dos cerca de 90 mil partos hospitalares com nascimentos vivos no Rio, aproximadamente 70% ocorrem em instituições do SUS. Desse total 47% se dão nas redes públicas federal, estadual e municipal, 23% em hospitais prestadores de serviços e 30% em rede particular. As mudanças ocorridas na atenção ao parto colaboraram com a redução nas taxas de mortalidade infantil da cidade.


O estudo entrevistou as gestantes na maternidade no momento do parto. Elas foram selecionadas em três diferentes estratos. O primeiro estrato engloba os estabelecimentos de saúde públicos que dispõem de serviços de alta tecnologia para a atenção perinatal, em sua grande maioria, serviços de referência para gestações de alto risco. O segundo, formado por instituições filantrópicas e privadas conveniadas com o SUS, acrescido dos hospitais estaduais e militares, mas que não oferecem atendimento especializado para gestantes e recém-natos de risco. O terceiro reúne hospitais privados que tornam disponíveis serviços de variável complexidade, diferenciando-se dos demais pelas características sociais da clientela que atende.


O estudo mostra que a taxa de mortalidade perinatal no Rio é ainda alta, aproximadamente de 16 mortes para cada mil nascidos vivos (1,6%). Segundo Maria do Carmo, o município tem como baixar esse número de óbitos evitando que um grande número de crianças que morrem por nascerem com prematuridade ou baixo peso, através de uma atenção pré-natal adequada. Da mesma forma é necessário melhorar a qualidade de atendimento nas instituições que atendem ao parto. Um outro problema é a falta de conexão entre o atendimento na gravidez, o pré-natal, feito pelos postos de saúde e as maternidades. No momento do parto verificou-se que 25% das gestantes do município se locomovem para as maternidades à busca de uma vaga sem encontrar. Isso faz com que elas necessitem buscar outra maternidade, retardando o atendimento aos seus bebês e contribuindo assim para o aumento de complicações e óbitos, principalmente porque uma parte das mulheres que foram recusadas pelos serviços de saúde o foram porque tinham algum fator de risco para o parto e procuraram uma maternidade inadequada, que não podia recebê-la por não dispor de equipamentos e pessoal qualificados para as necessidades daquela gestante.




Atendimento pré-natal


Cerca de 50% das gestantes fazem o atendimento pré-natal em postos de saúde do município. Entretanto, isso não assegura a elas uma vaga na hora do parto, diferente do que ocorre em países desenvolvidos. Nesses locais a futura mãe já sabe em que maternidade irá dar à luz, qual a equipe médica e o profissional que a acompanharão nessa hora. Bem diferente do que ocorre em nossa cidade. Nas mulheres que utilizaram as maternidades do SUS quase um terço tiveram que procurar mais de uma maternidade na hora do parto o que não se verificou para as mães que deram à luz em maternidades particulares.


Com relação às taxas de mortalidade perinatal, as mais altas são encontradas nas maternidades do primeiro estrato - as municipais e federais. Cerca de 29 crianças mortas em cada mil nascidas. Já nas maternidades conveniadas com o SUS (segundo estrato), esse número fica em torno de 13 crianças. Para os nascidos em maternidades particulares, o número cai para quatro em cada mil nascidos. Essas taxas mais altas nas maternidades municipais são assim porque elas atendem a faixa da população de um nível sócio-econômico mais baixo e é justamente nessa faixa da população que se encontram os índices de prematuridade e baixo peso ao nascer mais altas. O sistema municipal de saúde recebe essas gestantes de alto risco porque está mais preparado para atendê-las. E é justamente por isso que as taxas de mortalidade são mais altas. Entretanto, no estrato dois, que tem 1,3% de mortes ao nascer, esse número deveria ser menor, uma vez que essas maternidades não recebem gestantes de alto risco e sempre as transferem para as maternidades municipais mais preparadas, deixando de atender também as grávidas adolescentes.




Gravidez na adolescência


Uma taxa que alarmou as pesquisadoras durante esse trabalho foi o alto índice de gravidez na adolescência. Cerca de 20% dos partos no município foram em adolescentes na faixa de 12 a 19 anos. E há uma diferença entre as meninas das classes média e baixa. Enquanto nas classes mais desfavorecidas da sociedade a taxa de nascimento fica em torno de 25%, nas meninas de classe média cai para quase 6%. "É necessário se ter uma atenção especial para as adolescentes. Elas podem até começar a sexualidade cedo, mas não precisam engravidar. Devem é ter acesso às formas de contracepção", afirma Maria do Carmo.


Essas meninas ainda não têm o corpo preparado para ter filhos e isso pode contribuir para a prematuridade e o baixo peso ao nascer dos seus filhos. Por isso a gravidez na adolescência é considerada de alto risco. Outro dado que a pesquisa apontou é que essas adolescentes demoram mais para procurar a assistência pré-natal, e isso pode ser devido ao medo de contar a família ou ao pai do bebê sobre a gravidez. Diante desse quadro, a SMS criou em algumas maternidades o atendimento pré-natal específico para adolescentes, com grupos de gestantes da mesma idade e uma forma diferenciada de atendimento.


Outro fato importante que a pesquisa chama a atenção é sobre a necessidade de expandir os programas de contracepção para prevenção de aborto. Cerca de 5.2% das mulheres que foram entrevistadas no momento do parto confessou ter tentado fazer o aborto dessa criança que nasceu e esse valor foi ainda maior no grupo que pertence ao SUS (cerca de 7,4%).


Com relação ao acompanhamento pré-natal dessas gestantes, cerca de 60% das mulheres chegaram a fazer sete ou mais consultas, o que é o ideal para um bom acompanhamento da gestação, sendo que 71% das mulheres começaram o atendimento ainda no primeiro trimestre da gravidez. Entretanto, se considerarmos as duas recomendações juntas, iniciar o pré-natal cedo e fazer seis ou mais consultas, apenas 38,6% do total das mulheres da cidade fez um pré-natal adequado.


A maioria dos partos que ocorrem no Rio são de mulheres que têm filho pela primeira vez (40%). Só que quando analisado os dados das mulheres que têm três ou mais filhos ocorre aqui uma inversão de valores. Cerca de 10% das mulheres de mais baixa renda já tiveram três ou mais filhos, contra apenas 4,5% das de classe média. Isso é fruto de um mau planejamento da gravidez. As mulheres das classes mais baixas não planejam engravidar, mas como elas não têm acesso aos sistemas de contracepção, a gravidez ocorre. São elas e as adolescentes quem mais confessaram a tentativa de aborto. Segundo Maria do Carmo, "o município do Rio até tem um bom programa de contracepção, entretanto, não consegue a cobertura adequada para chegar a essa faixa de mulheres".




As doenças na gravidez


Com relação as doenças encontradas durante a gravidez, os números também são preocupantes. Cerca de 10% das gestantes tiveram ou desenvolveram hipertensão arterial durante a gravidez. A Diabetes mellitus foi encontrada em 1,7% das gestantes. Aproximadamente 37% das mulheres tiveram anemia, 19,2% infecção urinária e 1,5% delas referiram sífilis. Todos esses problemas encontradas nessas mulheres aumentam, e muito, o risco de prematuridade ou mesmo de óbito. Necessita-se fornecer um melhor atendimento para elas durante o período da gravidez.


A SMS tem um completo conhecimento dos resultados da pesquisa e atualmente vem fazendo uma investigação sistemática de todos os óbitos perinatais que ocorrem na cidade, identificando assim as causas das mortes e possibilidades de evitá-las. O que se sabe é que os dois principais percussores das mortes são a prematuridade e o baixo peso. Necessita-se promover uma melhor atenção no atendimento pré-natal dessas gestantes, melhorar o contato da atenção básica com a hospitalar, para encaminhamento adequado no momento do parto e a própria qualidade da atenção hospitalar. Se essas questões forem resolvidas, certamente as taxas de mortalidade cairão no município do Rio.


Além de trazer um amplo estudo dos índices de natalidade no município do Rio de Janeiro, abordando as questões sociais e econômica das gestantes, esse número especial do Cadernos de Saúde Pública apresenta ainda um balanço da gravidez na adolescência, contando, para isso, com uma série de 12 artigos.

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