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09/08/2006

Caminhos da vacinação contra o vírus influenza no Brasil

Catarina Chagas


Embora a gripe seja uma síndrome causada por diversos fatores, os casos mais preocupantes para a saúde pública são os desencadeados pela infecção do paciente com o vírus influenza, sobretudo em relação à população idosa do país, que, segundo o site do Ministério da Saúde, abrange cerca de 90% das mortes causadas pela doença. Para minimizar o problema, a vacinação contra o influenza vem sendo realizada desde 1999 e, atualmente, todos os maiores de 60 anos são convidados a receber a imunização. Em artigo publicado na Revista de Saúde Pública da Universidade de São Paulo em janeiro deste ano, o médico Luiz Antonio Camacho, do Departamento de Epidemiologia da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp) da Fiocruz, analisa as implicações dessas campanhas. A pesquisa foi desenvolvida em parceria com especialistas Instituto de Saúde Coletiva. Em entrevista à Agência Fiocruz de Notícias, Camacho comenta as dificuldades encontradas nessa caminhada.


Agência Fiocruz de Notícias: Como surgiu a necessidade de implementar a vacinação contra a gripe no Brasil e por que somente os idosos foram escolhidos para recebê-la?


Luiz Antonio Camacho: A Coordenação do Programa Nacional de Imunizações (PNI) da Secretaria de Vigilância em Saúde é responsável por definir estratégias e normas técnicas para a utilização de imunobiológicos, com base na vigilância epidemiológica das doenças. Há mais de 25 anos, dá as diretrizes para o calendário básico de imunizações, voltado sobretudo às crianças. Com o tempo e o sucesso alcançado em suas campanhas, o PNI decidiu incorporar outras áreas de atuação, selecionando novas doenças e grupos etários para programas de vacinação em massa.


Para fazer essa seleção, muitos critérios foram considerados. Inicialmente, pensou-se a respeito das prioridades que se tem em termos de saúde pública considerando, entre outros elementos, a vulnerabilidade de uma doença a programas de imunização. Foi preciso também considerar que as ações de imunização em massa requerem uma vacina eficaz e que se preste à aplicação em massa. Além disso, é preciso levar em conta uma série de dados epidemiológicos e a relação entre o custo e a efetividade da vacina.


Naquele momento, a coordenação do PNI verificou o grande número de internações de idosos por casos graves ou complicações da gripe causada pelo vírus da influenza. Então, em 1999, teve início a campanha de vacinação contra a gripe de pessoas com mais de 65 anos, porque esse foi o grupo entendido como o que receberia maiores benefícios com a vacinação. Em 2000, a campanha foi estendida aos maiores de 60 anos. Embora outros grupos pudessem ser beneficiados com a imunização, optou-se apenas pelos mais fragilizados devido ao alto custo da vacina, a mais cara fornecida pelo PNI (cerca de R$ 30 a dose).


AFN: Quais as expectativas em relação à campanha de vacinação e quais, de fato, foram os resultados obtidos?

LAC: A eficácia da vacina já era conhecida: ela pode evitar entre 70 e 80% dos casos graves de gripe. Portanto, o objetivo principal da vacinação de idosos era diminuir as internações por casos graves e complicações da influenza, que são aquelas que têm maior impacto sobre a saúde pública.


Por outro lado, é muito difícil precisar dados sobre a ocorrência da gripe no Brasil. Como não é uma doença de notificação compulsória, ou seja, não conta com um registro regular que nos permita acompanhar seu comportamento epidemiológico, existem somente dados secundários. Esses dados indicavam a necessidade de vacinar, mas, como não eram dados muito precisos, também criaram uma dificuldade para acompanhar o impacto da vacina. Sem um quadro epidemiológico muito preciso, como o que existe para a meningite, por exemplo, é muito difícil objetivar as modificações que podem ser geradas pela vacinação.


Para tentar resolver o problema, o Secretaria de Vigilância em Saúde instalou o que chamamos de vigilância virológica. Foram selecionados alguns serviços de saúde onde seria esperado encontrar a maior parte dos casos de influenza. A partir daí, é feita a colheita de material como a secreção dos indivíduos com síndrome gripal, de onde os especialistas procuram isolar o vírus da gripe, confirmando, então, o diagnóstico.


AFN: Segundo o artigo, uma das razões do encarecimento da vacina antigripal é que ela precisa ser renovada todos os anos por causa das mutações sofridas pelo vírus da influenza. Como é feita essa atualização?

LAC: Anualmente, os dados sobre o tipo de vírus da influenza predominante nas temporadas de gripe de cada hemisfério são usados para informar os fabricantes sobre a composição da vacina da temporada seguinte.


Essa vacina será mais eficaz se for produzida para o vírus que está circulando naquela região e estação do ano. Para reduzir a margem de erro, o Ministério da Saúde mantém centros de referência em diferentes regiões do país, compondo uma rede da Organização Mundial da Saúde (OMS) para o isolamento do vírus. Assim, é possível monitorar o vírus circulante e verificar sua semelhança com aquele presente na vacina.


AFN: Além das mutações no vírus, uma das dificuldades encontradas na implantação da vacina contra a influenza é a mudança de comportamento da doença de acordo com a região do Brasil onde ocorre. Por que isso acontece e como o PNI pode abranger a imunização em todos os Estados?

LAC: Como a gripe é uma doença de forte influência climática, apresenta variações cíclicas diferentes nas regiões Norte e Sul, porque as duas têm regimes de chuvas e temperaturas diferentes. Nas regiões do país em que as estações do ano são mais marcadas, a doença ocorre, geralmente, no inverno. Já no Norte essa periodicidade ainda é mal conhecida, mas a ocorrência da doença não parece ter uma distribuição sazonal tão marcada como no Sul e Sudeste.


Atualmente, a campanha de vacinação é feita antes do inverno em todas as partes do país. O período foi escolhido com base nas regiões Sul e Sudeste, onde a doença segue uma variação cíclica e climática que permite determinar que aquela época é a melhor. Como a maior parte da população do país está concentrada nessas áreas, a decisão foi tomada de acordo com aquilo que é conveniente para a maior parte dos brasileiros.


Por enquanto, a lógica da campanha é se fazer num mesmo momento em todo o país, até porque, se não existe uma sazonalidade muito marcada no Norte, mas existe a necessidade da campanha em alguma parte do ano, que seja na mesma época em todo país. Assim será feito até que os dados que começam a ser obtidos pela vigilância virológica indiquem que aquela época não é a melhor.


AFN: O senhor tem conhecimento da experiência de outros países em relação à imunização contra a gripe? Quais as semelhanças e diferenças entre os seus programas e o método adotado no Brasil?

LAC: Dos países que a gente sabe que vacinam contra a influenza não consta que nenhum tenha a abrangência que nós temos aqui, um país com dimensões continentais cuja população tem cerca de 20 milhões de idosos. Não conheço um paralelo, pelas dimensões e pela abrangência. Nos outros países, como os EUA, por exemplo, o sistema de vacinação é bem diferente do nosso. Embora a vacina seja estimulada, as campanhas não são aplicadas com a mesma ênfase que as nossas. Além disso, a vacina americana não é gratuita, mas paga por planos de saúde.


Eu desconheço um país que tenha uma cobertura vacinal como a nossa, mas não nego a possibilidade de que isso exista, porque esses dados se modificam a cada ano, com novos países aderindo a programas ou mudando seus sistemas de vacinação. Enfim, embora vários países tenham a recomendação de vacinar sua população sazonalmente contra a gripe, não tenho conhecimento de nenhum que faça exatamente como a gente faz aqui, sobretudo países em desenvolvimento, porque, sendo uma vacina cara, é necessário uma decisão política para que se gaste tantos recursos com um programa de imunização.




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