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15/08/2011

Casamento entre ciência médica e arquitetura na Bahia inaugura coleção

Fernanda Marques


 A arquitetura de um prédio construído para abrigar uma instituição de saúde tem muito a dizer sobre o pensamento médico-científico da sociedade que o ergueu. Compreender essa relação entre ciência médica e arquitetura, em perspectiva histórica, é um dos objetivos centrais do livro História da Saúde na Bahia: instituições e patrimônio arquitetônico (1808-1958), lançamento das Editoras Fiocruz e Manole. Organizada pelas historiadoras Christiane Maria Cruz de Souza e Maria Renilda Nery Barreto, a obra é uma cartografia que revela aos leitores como a Bahia construiu sua rede de assistência à saúde da população, materializada em instituições públicas, privadas, de caridade, filantrópicas, de investigação e de difusão científica.



Produto de um projeto desenvolvido pela Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz) e pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA), a publicação apresenta o estudo e a identificação do patrimônio arquitetônico e documental de hospitais e outros institutos de assistência médica e pesquisa científica da cidade de Salvador. Acompanha o livro um CD-ROM com dados de 37 dessas instituições ainda existentes na capital baiana. Para cada uma delas constam informações como histórico, localização, descrição arquitetônica e uso atual. O Abrigo D. Pedro II, o Centro de Pesquisa Gonçalo Moniz, a Faculdade de Medicina da Bahia, o Hospital Universitário Professor Edgard Santos e o Instituto Médico Legal Nina Rodrigues são alguns exemplos de instituições incluídas no CD-ROM.


O recorte temporal do estudo (1808-1958) não foi aleatório. Muito pelo contrário: dois marcos importantes para os rumos da história da saúde no Brasil delimitam o período pesquisado. O início do século 19 assistiu à “abertura das primeiras escolas médico-cirúrgicas na Bahia e no Rio de Janeiro, deflagrando um processo irreversível de institucionalização das ciências no Brasil e, em especial, da ciência médica, visto que a criação desses espaços possibilitou a formação de profissionais de saúde protagonistas de projetos (alguns vitoriosos, outros rejeitados) que alteraram os rumos da saúde pública no país”. Já na década de 1950, na política, criou-se o Ministério da Saúde como uma pasta autônoma e, na arquitetura, consolidaram-se os preceitos do modernismo. Nesse sentido, um dos capítulos do livro traz uma abordagem inédita do papel das instituições de saúde na consolidação e na difusão da arquitetura moderna na Bahia.


O período pesquisado também engloba a transição entre dois modelos de assistência à saúde no estado. No primeiro, que se estendeu do início do século 19 até as primeiras décadas do 20, predominava a concepção da saúde como um dever da família, com o suporte da caridade e da filantropia. Para ilustrar esse cenário, um dos capítulos enfoca o caso da Santa Casa da Misericórdia da Bahia, cujo “estudo demonstra como o modelo de assistência à saúde da população, implantado pelo Estado português durante a colonização, enraizou-se no Brasil e manteve sua espinha dorsal praticamente inalterada até meados do século 20”.


Entretanto, com os altos índices de febre amarela, peste bubônica, varíola, gripe e malária registrados na Bahia nas duas primeiras décadas do século 20, os efeitos da pobreza afetavam também as classes mais abastadas. As doenças não só causavam baixas na mão-de-obra como afastavam comerciantes e investidores estrangeiros, com prejuízos para a economia. Nesse contexto das epidemias, a segregação de pobres e doentes e o assistencialismo não resolviam o problema.


Os governadores, portanto, buscaram construir uma estrutura mínima de saúde para fazer frente às epidemias. Assim, começou a ganhar força o outro modelo de assistência, baseado na intervenção do poder público na saúde, o que não anulou, contudo, a importante contribuição da filantropia. Um dos capítulos do livro, então, analisa justamente essas “transformações pelas quais passou a assistência à saúde na cidade de Salvador ao longo da Primeira República (1889-1930), período considerado de transição entre o modelo de assistência eminentemente liberal, característico do período imperial, e a crescente atuação dos poderes públicos constituídos (Estado da Bahia e Governo Federal) na organização e na manutenção de uma rede pública de saúde”. Compõe, ainda, a publicação um capítulo sobre a assistência às crianças e como ela adquiriu um caráter político, com repercussões na agenda republicana.


O livro faz parte da coleção História e Patrimônio da Saúde, com coordenação da COC/Fiocruz e apoio da Pfizer Brasil. A coleção, cujos editores científicos responsáveis são Gisele Sanglard e Renato Gama-Rosa Costa, busca apresentar aos leitores as instituições que fizeram e continuam fazendo a história da saúde no Brasil, com a vocação de estimular políticas públicas e ações de preservação do patrimônio cultural.


Publicado em 15/8/2011.

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