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23/07/2018

Caso raro de zika é associado à Guillain-Barré e aborto

Lucas Rocha (IOC/Fiocruz)


Desde a emergência sanitária relacionada ao vírus zika na América Latina, entre 2015 e 2016, cientistas investigam possíveis correlações entre a infecção pelo vírus e o desenvolvimento de manifestações neurológicas, como a síndrome de Guillain-Barré, e da síndrome congênita do zika, que inclui diversos distúrbios, como a microcefalia. Pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e do Centro de Referência de Doenças Imuno-infecciosas de Campos dos Goytacazes investigaram um caso raro de zika associado, simultaneamente, à síndrome de Guillain-Barré e à ocorrência de aborto. O estudo publicado no periódico científico Frontiers in Microbiology contribui para a compreensão dos processos patológicos e de imunidade relacionados ao vírus.

Os pesquisadores investigaram os impactos da infecção pelo vírus zika em uma gestante, de 28 anos, no estado do Rio de Janeiro. Durante o período gestacional, a paciente começou a apresentar fraqueza nas pernas e incapacidade persistente para andar – sintomas característicos da síndrome de Guillain-Barré. A manifestação clínica incluía, ainda, erupções na pele, coceira e vômito. A partir da realização de exames obstétricos, foi constatada a morte do feto, com cerca de 15 semanas de gestação. 

Em um primeiro momento, amostras do sangue e do fluido cérebro-espinhal da paciente foram submetidas a testes sorológicos para identificação de anticorpos. Os resultados foram negativos para zika, dengue, chikungunya, Epstein Barr e citomegalovírus – microrganismos já identificados como possíveis causadores de quadros de Guillain-Barré. Com isso, foi necessária a realização de análises complementares. Participaram da investigação os pesquisadores Marciano Viana Paes, do Laboratório Interdisciplinar de Pesquisas Médicas do IOC, e Jorge José de Carvalho, do Laboratório de Ultraestrutura e Biologia Tecidual da Uerj, e as estudantes Kíssila Rabelo, da Pós-graduação em Fisiopatologia Clínica e Experimental da Uerj, e Natália Salomão, da Pós-graduação em Medicina Tropical do IOC. A equipe do Laboratório do IOC, que integra a Rede Dengue, Zika e Chikungunya, e possui histórico de parcerias com o serviço de saúde que realizou o acompanhamento do caso, recebeu amostras do tecido placentário e de diversos órgãos do feto.

Por meio da técnica de imunohistoquímica, que permite detectar o antígeno viral em células desses tecidos, os pesquisadores conseguiram identificar a presença do vírus zika na placenta e em diferentes órgãos fetais, incluindo cérebro, pulmões, rins, pele e fígado. A análise do tecido placentário apontou infecções e inflamações graves, com sinais de hemorragia, inchaço e necrose pela ação viral. 

Zika versus imunidade materna

Um dos autores do estudo, o pesquisador Marciano Viana Paes, do Laboratório Interdisciplinar de Pesquisas Médicas do IOC, explica que a disfunção placentária está relacionada à falha da ativação da resposta imune materna à infecção. Segundo ele, o vírus foi capaz de afetar células que compõem o sistema imune da placenta, conhecidas como ‘Células de Hofbauer’. “A infecção do órgão materno-fetal pelo zika foi evidenciada pela produção exacerbada de citocinas e mediadores relacionados à alteração de permeabilidade vascular, como VEGFR2 e RANTES, e da resposta linfocitária, como os linfócitos TCD8+ que, embora importantes para o combate à infecção, contribuíram para exacerbar a inflamação”, explica Paes. Apesar de ser uma resposta imunológica importante do organismo à invasão pelos mais variados microrganismos, a reação inflamatória quando exacerbada pode acarretar efeitos danosos como os apontados no estudo. 

Os resultados acrescentaram, ainda, mais uma peça às evidências descritas em outros estudos: a existência de um mecanismo, ainda desconhecido, que confere ao vírus zika uma capacidade única de contornar a ativação imunológica materna (AIM). Ao invadir a placenta, o vírus provocou diversas alterações no desenvolvimento do feto que levaram ao aborto. As análises revelaram danos às estruturas dos tecidos do cérebro, incluindo áreas difusas de edema, desorganização do córtex cerebral e degeneração de fibras nervosas. A degeneração celular provocou impactos em outros órgãos em formação, como o fígado, os pulmões e rins. 

O estudo sugere que os múltiplos efeitos foram resultado da persistência de alta viremia, ou seja, uma grande quantidade de vírus no sangue da paciente, e uma resposta viral exacerbada pelas manifestações neurológicas decorrentes da síndrome de Guillain-Barré. “A síndrome de Guillain-Barré potencializou a infecção pelo zika. O comprometimento da placenta associado aos danos sofridos pelo feto ressalta a importância do aprofundamento da investigação sobre a influência da imunidade materna, diante de uma infecção pelo zika, em relação ao desenvolvimento do feto”, ressaltou Paes. 

O acompanhamento clínico mostrou que, pouco mais de um mês após a alta, a paciente ainda precisava de auxílio para caminhar e apresentava dores nos membros inferiores. Após cinco meses, ainda havia sequelas residuais e dificuldade de locomoção. Pouco mais de um ano depois, a paciente retornou às suas atividades diárias.

O estudo, que faz parte de um projeto de pesquisa da Rede 4 - Dengue, Zika e Chikungunya, financiado pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), também contou com a colaboração dos especialistas Luiz José de Souza, do Centro de Referência de Doenças Imuno-infecciosas de Campos dos Goytacazes, Fernando Rosman, do Hospital Municipal Jesus e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e Carlos Basílio-de-Oliveira e Rodrigo Basílio-de-Oliveira, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio).

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