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16/09/2011

Ciência e tecnologia em prol de um novo padrão civilizatório

Informe Ensp


Para comemorar seus 57 anos, a Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz) promoveu uma semana de atividades com o tema Rio+20: desenvolvimento sustentável, economia verde e erradicação da pobreza, engajando-se na discussão planetária sobre a transição necessária para uma economia inclusiva, verde e responsável, em que o Brasil e as áreas de saúde e meio ambiente têm papel estratégico e decisivo. Com o objetivo de compreender melhor a importância do tema e ampliar os debates, a Ensp convidou o sociólogo e cientista político Sérgio Abranches para a palestra de abertura da semana de aniversário. Durante a exposição Mundo em mudança: desafios da sustentabilidade, Abrantes ressaltou a necessidade dos governos globais construírem uma economia de baixo carbono para o século 21, adotando um modelo econômico e social diferente do vivenciado ao longo do século 20. Para se aprofundar mais no tema da exposição, o Informe Ensp conversou com o sociólogo e o resultado está abaixo.


Em sua apresentação, o senhor disse que estamos vivendo várias transformações no mundo neste século 21. Quais são elas?


Sérgio Abranches: Realmente, estamos passando por várias transformações no mundo de hoje, talvez sejam até mais dramáticas e radicais que a transição da Idade Média para o Renascimento. Isso porque estão mudando a ciência, a demografia, a sociedade, a economia e, em breve, a política. A política sempre anda mais devagar que o restante. Na verdade, estamos vivendo o início da construção de uma nova ordem global e local, de uma nova ordem científica, de um novo padrão tecnológico e, certamente, de um novo padrão societário, que eu espero que seja também um novo padrão civilizatório.


Vivemos hoje uma mudança de paradigmas em diversas áreas, como a tecnológica, cultural, social e muitas outras. Com essa nova tecnologia, surgiu a sociedade tecnológica, ao mesmo tempo em que começaram as mudanças climáticas. Existe alguma relação entre esse crescimento tecnológico e as mudanças climáticas?


Abranches: Essa relação tem duplo sentido. No século 20, o grande avanço tecnológico produziu o acúmulo de gases do efeito estufa, que levou à aceleração da mudança climática. No século 21, a minha aposta é que a tecnologia vai caminhar na direção da resolução dos problemas que a tecnologia do século 20 não conseguir, mexendo mais com o clima e com a economia, eliminando os fatores que levam à acumulação de gases de efeito estufa na atmosfera. Eu diria que, pela metade do século, essas novas tecnologias serão responsáveis pelo desenvolvimento de maneiras de se retirar gás carbono e outros causadores do efeito estufa da atmosfera de uma forma não agressiva.


A Rio 92 criou as bases desse movimento ambientalista brasileiro e até mundial. Quais são as expectativas a respeito da Rio+20?


Abranches: Na Rio 92, o movimento ambientalista global estava perplexo e em declínio, e acabou se revigorando com a Cúpula da Terra. Foi quando surgiu o movimento ambientalista brasileiro. O que vamos encontrar na Rio+20 é um movimento ambientalista mais poderoso, com organizações que hoje têm uma capacidade enorme de pesquisa para sustentar sua militância e com conexões com a área acadêmica. Temos, então, uma ciência do clima muito mais avançada e um consenso mais sólido sobre a ameaça climática. Certamente, o conteúdo das discussões será maior. Eu estou descrente da pauta oficial da Rio+20. Penso que os governos vão ser pouco decisivos na conferência do próximo ano, como foram em Copenhagen e em Cancun.


O que o senhor pode falar acerca dos vetores das mudanças do século 21?


Abranches: Um dos vetores é a mudança demográfica radical que estamos vivendo. O mundo está ficando mais maduro, a longevidade das pessoas está aumentando em todos os países e classes, embora desigualmente, pois acabou de se ultrapassar a metade da população que vive nas cidades. O mundo desenvolvido e emergente é radicalmente urbano, com os problemas e as promessas que a urbanização traz do ponto de vista de solução concentrada para os problemas graves. Nós temos uma mudança científica e tecnológica grande e radical. Um reordenamento geopolítico com uma mudança na correlação de forças internacionais, que vai produzir mudanças políticas e o esgotamento do modelo econômico e da democracia do século 20. Isso tudo terá de ser reinventado no século 21, com maior conteúdo de participação e cidadania, inclusive por causa da revolução digital, que é também outro vetor da mudança.


Atualmente, fala-se muito na necessidade de padrões demográficos, de fome no mundo, do uso de agrotóxicos, da busca por uma sustentabilidade e de um padrão de agricultura vulnerável às mudanças climáticas. São vários os aspectos que precisam ser repensados nesse novo momento que estamos vivendo, correto?


Abranches: Exatamente. Na verdade, é preciso entender que, de um lado, temos a agricultura ameaçando a água, a própria qualidade da terra e do ar fazendo emissões. Esse padrão tem de mudar. Mas, ao mesmo tempo, essa mudança climática se manifesta primeiramente na agricultura, porque é a atividade econômica humana mais dependente do clima.


A mudança climática trouxe sete anos de eventos climáticos extremos, destruindo safras, produzindo escassez de alimentos, aumentando os preços. Hoje, temos uma inflação de alimentos que é de origem climática. Não vemos nem imprensa, nem governantes tratando disso. Eles ainda não se deram conta de que não é um acidente isolado, ou seja, sete anos seguidos de safras quebradas por eventos climáticos extremos - enchentes, secas, tufões, vendavais, tornados etc. É evidente que se trata de uma manifestação importante da vulnerabilidade dessa parte da economia e da própria existência da mudança climática em curso.


Qual o papel da Ensp/Fiocruz e das pesquisas na área de saúde e ambiente para a Rio+20 e na questão ambiental?


Abranches: Eu penso que é fundamental não apenas pelas várias coisas importantes e substantivas que a escola produz, mas por ser uma escola rigorosamente interdisciplinar. E a mudança científica e o conhecimento científico hoje progridem nas fronteiras, e não no miolo das ciências. Então, as instituições científicas são capazes de dialogar entre si, fazendo uma ciência de qualidade. Hoje, são as instituições de ponta que mais têm a oferecer nesse avanço necessário para o século 21 e certamente enriquecerão, e muito, as discussões para a Rio+20.


Publicado em 16/9/2011.

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