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29/08/2008

Cientistas anunciam resultados de substâncias candidatas a anti-retroviral


A Fundação Ataulpho de Paiva (FAP), a Universidade Federal Fluminense (UFF) e o Instituto Oswaldo Cruz (IOC) da Fiocruz anunciaram nesta sexta-feira (29/8) a descoberta de três substâncias candidatas a anti-retrovirais para a Aids. Os resultados dos testes pré-clínicos são promissores. A iniciativa conta com o apoio do Programa Nacional de DST/Aids. O grupo de pesquisadores da FAP, da UFF e do IOC avaliou 22 compostos naturais obtidos a partir de algas marinhas encontradas no litoral brasileiro. Três substâncias candidatas ao desenvolvimento de anti-retrovirais foram selecionadas. Em testes in vitro, as substâncias foram capazes de inibir a replicação do HIV em macrófagos e linfócitos, células envolvidas na resposta imunológica do organismo humano frente à infecção pelo vírus da Aids, apresentando desempenho equivalente a fármacos já em uso clínico. Resultados preliminares de testes in vivo comprovaram a baixa toxicidade das substâncias.


 Castello Branco: Se tudo correr bem, a fase com testes em pacientes começará em 2010 (Foto: Peter Ilicciev)

Castello Branco: Se tudo correr bem, a fase com testes em pacientes começará em 2010 (Foto: Peter Ilicciev)


As três substâncias anti-retrovirais sob estudo, que têm os nomes guardados em sigilo, apresentam atividades bastante diferentes. Uma das substâncias apresenta resultados preliminares excepcionalmente positivos, com até 98% de replicação do HIV-1 em testes in vitro, mesmo em baixas concentrações. Isso garante que a substância seja eficaz mesmo quando aplicada em quantidades extremamente reduzidas. Não foi observada toxicidade.


“O grande diferencial das substâncias estudadas é a baixa toxicidade, uma vez que os medicamentos disponíveis são eficazes, porém tóxicos”, apresenta o líder da pesquisa, o imunologista Luiz Roberto Castello Branco, chefe do Laboratório de Imunologia Clínica do IOC e diretor-científico da FAP. “Neste momento, estamos investigando o mecanismo de ação específica de cada substância candidata, para compreender de que forma elas impedem a replicação viral demonstrada nos testes”, detalha.


As substâncias em estudo podem ser utilizadas tanto para medicamentos destinados ao tratamento de pessoas vivendo com o HIV-1 quanto para a prevenção da contaminação, através do desenvolvimento de um microbicida de aplicação local. O microbicida é voltado para uso vaginal, permitindo às mulheres a prevenção mesmo sem o consentimento dos parceiros.


Os testes para o uso microbicida das substâncias incluem, além dos testes celulares in vitro e in vivo, a testagem em explantes (fragmentos de cérvix uterino humano infectados pelo HIV-1, retirados por biópsia e mantidos vivos em cultura em laboratório). A técnica foi desenvolvida no Saint George’s University of London, na Inglaterra, um dos principais centros de estudo de microbicidas para HIV no mundo, e foi transferida para o laboratório do IOC.



Uma das substâncias investigadas pela iniciativa brasileira já foi testada em explantes no centro de pesquisa inglês, por uma pesquisadora do Laboratório de Imunologia Clínica, e obteve sucesso. Esta substância está entre os 30 candidatos aceitos pela Aliança para o Desenvolvimento de Microbicidas, organização internacional apoiada pela Fundação Bill & Melinda Gates, sendo a única substância desenvolvida por um grupo latino-americano.


“A iniciativa é resultado da convergência de diferentes interesses científicos na investigação de produtos nacionais que possam combater o HIV e poderá representar uma grande economia para o país, que gasta mais de R$ 1 bilhão por ano com o pagamento de royalties e a compra de medicamentos desenvolvidos no exterior", considera Castello Branco. Envolvido nos estudos da Aids desde o surgimento dos primeiros casos no país, o líder da equipe é incisivo em afirmar a relevância estratégica do desenvolvimento de um anti-retroviral nacional. “Os ganhos envolvem a independência no desenvolvimento tecnológico, o fortalecimento da indústria nacional, a formação de profissionais altamente qualificados e a economia de recursos, sem contar a possibilidade de exportação do produto”, avalia o imunologista. Com exceção do AZT, todos os medicamentos usados hoje na terapia anti-retroviral são importados ou têm seus insumos importados, sendo sintetizados no Brasil com expertise estrangeiro.


Na aplicação terapêutica, as substâncias candidatas poderão colaborar para a definição de esquemas terapêuticos mais eficazes e menos tóxicos. “A inclusão de mais uma alternativa para a terapia anti-retroviral permitirá atender pacientes que apresentam resistência às combinações medicamentosas existentes, um importante desafio para o tratamento da Aids. Além disso, a origem natural da substância, uma alga não tóxica, confere segurança à aplicação do produto”, afirma Castello Branco.


“O vírus da Aids foi isolado pelo IOC em 1987 e desde então abraçamos o compromisso de gerar conhecimento para esta doença que se coloca como um desafio global”, ressalta a diretora do IOC, Tania Araújo-Jorge. “Os avanços que anunciamos sobre as substâncias candidatas a anti-retrovirais são um passo importante na meta de gerar conhecimento básico aliado à inovação científica, com impactos para a saúde pública”, avalia Tania.


O investimento das instituições nos estudos em andamento é de US$ 1,5 milhão. O Programa Nacional de DST/Aids fez um investimento de R$ 210 mil. “Se tudo correr como planejamos, daremos início à fase clínica, com testes em pacientes, em 2010”, anuncia Castello Branco.


Glossário


HIV / Aids

O vírus da imunodeficiência humana (HIV, na sigla em inglês) é o agente causador da síndrome da imunodeficiência adquirida (Aids, na sigla em inglês). Nem todas as pessoas vivendo com HIV desenvolvem doenças associadas à Aids. O desenvolvimento da Aids está associado ao aumento da carga viral e à redução da resistência imunológica do paciente.


Linfócitos e macrófagos

Células do sistema imunológico envolvidas na ativação de resposta a infecções. São as células hospedeiras do HIV, onde o vírus se aloja para completar seu ciclo e realizar a replicação.


Terapia anti-retroviral

Administração de um conjunto de medicamentos anti-retrovirais utilizados no tratamento da Aids, composto por 17 remédios. O Ministério da Saúde recomenda a administração de pelo menos dois medicamentos de classes farmacológicas distintas, que podem ser combinados em um único comprimido. Para a maioria dos pacientes, a terapia inclui três ou quatro medicamentos, mas alguns anti-retrovirais não podem ser administrados em conjunto, pois a interação medicamentosa pode provocar efeitos adversos e até inibir a ação das drogas. A longo prazo, o paciente pode apresentar resistência à terapia anti-retroviral administrada e precisar alterar o esquema terapêutico. Por isso, é importante desenvolver novos medicamentos, menos tóxicos e desconhecidos pelo vírus e pelo organismo humano.


Publicado em 29/08/08.

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