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31/03/2017

Combate ao ‘Aedes aegypti’ é tema do Renezika em Brasília

Nathállia Gameiro e Valéria Vasconcelos Padrão (Fiocruz Brasília)


Um mosquito, várias doenças. O Aedes aegypti, conhecido popularmente no Brasil como o mosquito da dengue, também transmite zika, chikungunya, febre amarela urbana e febre de mayaro. O panorama das arboviroses transmitidas por esse mosquito foi tema de debate realizado na última quarta-feira (29/3), no Centro Internacional de Convenções do Brasil, em Brasília. O 3º Encontro da Rede Nacional de Especialistas em Zika e Doenças Correlatas (Renezika) teve a participação de pesquisadores nacionais e internacionais, gestores, profissionais da saúde e representantes da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS). A rede, criada em 2016, tem 210 membros nacionais e internacionais, sendo 189 especialistas e 21 instituições.

“Ainda é cedo para festejar o controle de epidemias e do mosquito Aedes aegypti”, ressaltou o médico infectologista e professor da Universidade de Pernambuco Demócrito Miranda Filho, ao falar da diminuição de casos de zika. O Aedes aegypti também esteve no centro do surto de zika e da correlação com a microcefalia em crianças recém-nascidas. O pesquisador explicou que com as mudanças climáticas, o comportamento do transmissor também mudou, o que dificulta as ações de combate. Ele ressaltou que não é possível falar de erradicação de nenhuma doença, e sim controle.

Demócrito citou uma publicação de 1952 com resultados sobre a zika, mas que classifica como conhecimento perdido por não ter sido usado. Ele afirmou que o conhecimento sobre as complicações neurológicas e outras manifestações da doença como comprometimento da visão, audição e retardo neuro-psicomotor ainda é recente, de 2015 até os dias atuais.

Casos de microcefalia pós-natal - bebês que nasceram com a circunferência craniana normal e posteriormente desenvolvem microcefalia - foram apresentados pelo professor. Hoje, há a proporção de 11 crianças sem microcefalia, para uma com a síndrome. “A microcefalia é só a ponta do iceberg, mas as consequências são graves e a evolução é ruim. O espectro da zika só será conhecido em um longo período, ainda há muito estudo”, completou.

A atuação da Fiocruz no combate ao mosquito e nas pesquisas das arboviroses foi destacada durante o encontro. O pesquisador e professor do Departamento de Microbiologia da Universidade de São Paulo (USP), Paolo Zanotto, falou do envolvimento das unidades da Fiocruz e do Instituto Evandro Chagas (IEC) em 2015, ano em que foi identificada a epidemia do vírus zika no Brasil, em que um grupo pesquisava a associação do vírus com a microcefalia.

Paolo destacou também as outras pesquisas realizadas no Brasil. Desde o 2º semestre de 2015, foram publicados 150 artigos em jornais e revistas como Cell, Nature, The Lancet e Science. Para o pesquisador, apesar das dificuldades com as doenças emergentes, as pesquisas representaram uma resposta fundamental e única, uma ação coletiva, organizada, com a articulação rápida dos grupos de pesquisa. “É uma forma de tentar dar uma vida melhor à sociedade”, opinou.

Para o professor é um problema a falta de exatidão no número de casos microcefalia associada ao zika, uma vez que os diagnósticos são feitos de forma diferente pelas equipes de saúde o que dificulta dimensionar a situação real. A isso, acresce-se o fato de muitas mães não estão levando os filhos doentes às unidades de saúde.

O pesquisador da Fiocruz Brasília Claudio Maierovitch destacou que é preciso publicizar todas as pesquisas já que a quantidade de perguntas sobre o tema não está diminuindo, e sim aumenta a cada nova verificação. Para ele, é importante olhar para as emergências como transformadoras das práticas da população e dos profissionais de saúde da vigilância, da epidemiologia e da atenção. “Temos preocupação e responsabilidade enorme em relação às arboviroses. Nosso papel é acelerar esse processo, tornar mais evidentes as consequências, necessidades e trabalhar equidade da população, para que não sejam esquecidos”, afirmou.

As famílias das crianças com microcefalia foram lembradas pela pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz) Joyce Schramm. Ela relatou que o primeiro encontro que teve durante um seminário com as mães dos bebês foi impactante. Durante a apresentação, citou texto publicado pela antropóloga Débora Diniz, que fala sobre o perfil dessas mulheres: jovens, agricultoras rurais ou desempregadas, pouco escolarizadas, dependentes dos serviços de saúde e transporte para medicalizar precocemente seus filhos.

Joyce destacou a necessidade de organização dos serviços de saúde para fazer face às consequências da epidemia de zika, tema que, segundo ela, é pouco abordado em artigos e pesquisas. Schramm disse não estar surpresa com o cenário que existe hoje e lembrou do importante papel do Sistema Único do Saúde (SUS), que apesar dos problemas de acesso, possui uma cobertura de 80%. “E a tendência é aumentar. O sistema gratuito é indispensável para a maioria dos brasileiros. A ausência do SUS com certeza seria uma barbárie sanitária”, defende.

A febre mayaro foi evidenciada pela pesquisadora Lívia Martins, do Instituto Evandro Chagas. Este não é um vírus novo, foi identificado pela primeira vez em 1954 e pode ser transmitido por mosquitos vetores urbanos que já estão espalhados pelo mundo. Segundo a pesquisadora, o vírus pode ser transmitido pelo Aedes aegypti em laboratório, ainda que esse não tenha sido observado naturalmente.

Há registro de ocorrência da doença na Amazônia, Mato Grosso e Goiás, e de dezembro de 2014 a junho de 2015, foram confirmados casos no Pará e Tocantins. As doenças são uma das preocupações de Lívia. “Todas essas doenças trazem implicações na saúde pública. Todos os pesquisadores precisam estar atentos às infecções e o que esses vírus causam na nossa sociedade”, finalizou.

Experiência

As ações realizadas pelo Brasil no decorrer da epidemia de zika foram exitosas, as estruturas e mecanismos de respostas existentes no sistema nacional de vigilância foram fundamentais e os serviços de vigilância e institutos de pesquisa atuaram de forma harmônica. Estas foram algumas reflexões apresentadas pelo pesquisador Wanderson Oliveira, do Centro de Integração de Dados e Conhecimento para Saúde (Cidacs) da Fiocruz, durante o encontro. O epidemiologista participou da mesa Experiências de resposta à emergência em zika em diferentes países junto com Sandra Girón, do Ministério da Saúde da Colômbia.

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