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17/07/2007

Conferência do ministro Temporão lota auditório em Salvador


Pôr um médico sanitarista, que ocupa o mais alto cargo da área da saúde do país, frente a frente com os maiores nomes da saúde coletiva brasileira e latino-americana só poderia terminar de uma única maneira: aclamação total para o ministro José Gomes Temporão, na noite do último domingo (15/07), durante a conferência de abertura do 4º Congresso Brasileiro de Ciências Sociais e Humanas em Saúde (Abrasco), do 10º Congresso Latino-Americano de Medicina Social (Alames) e do 14º Congresso da Associação Internacional de Políticas de Saúde (IAHP), que ocorre em Salvador. O auditório Yemanjá ficou pequeno para o discurso de Temporão, que foi interrompido várias vezes por incessantes palmas do público presente.


 Temporão: temos de voltar às ruas e defender os princípios da reforma sanitária (Foto: Virginia Damas) 

Temporão: temos de voltar às ruas e defender os princípios da reforma sanitária (Foto: Virginia Damas) 


Não é fácil ser ministro da Saúde, principalmente em se tratando de um militante da saúde coletiva, que carrega nos ombros as grandes expectativas da comunidade. Mas o que se viu no evento foi um ministro em perfeita sintonia com os anseios da saúde coletiva brasileira e que tem a coragem para tocar em temas tabus como interrupção da gravidez indesejada, planejamento familiar e o entendimento da saúde como forma de desenvolvimento econômico e social.


Segundo Temporão, o Ministério da Saúde, como co-patrocinador do congresso brasileiro, está ajudando a consolidar o espaço de produção científica, de reflexão e pensamento crítico sobre os rumos da saúde pública na América Latina e no mundo, e acredita que o evento caminhe no sentido da consolidação do pensamento sanitário, entendendo que o Brasil, nas últimas décadas, tem sido importante na formatação de experiências inovadoras e na implementação de políticas públicas que se colocam nessa perspectiva.


O ministro da Saúde começou a conferência abordando as questões dos determinantes sociais da saúde e da intersetorialidade, dois temas estratégicos trazidos de volta à tona em sua posse. O governo, de um lado, vem pensando ações sobre os determinantes como enfoque de fundo para a promoção da saúde, e de outro, uma ação pró-ativa sobre o complexo produtivo da saúde como caminho para influenciar na diferenciação da base produtiva do país, como modelo de desenvolvimento favorável à promoção da saúde e da eqüidade social. “Esses dois temas não devem ser vistos apenas como itens singulares de uma nova agenda, mas sim como dimensões ampliadas de uma nova compreensão do processo de produção de saúde no país, que deve ser baseado numa requalificação das relações entre saúde e desenvolvimento econômico”, afirmou.


Para Temporão, o Ministério tem de superar o falso dilema de entender a saúde como pré-requisito para o desenvolvimento. Esse novo paradigma deve ter a saúde como um dos componentes estruturantes de um modelo de desenvolvimento econômico e social que se integram em um processo único. Isso significa desenhar um novo mapa para a questão da intersetorialidade, que deve deixar de ser vista como uma espécie de coalisão interdepartamental para racionalizar gastos, melhorar a eficiência e os resultados da saúde, para se constituir numa agenda preocupada com o desenvolvimento e a eqüidade do país. O governo entende ainda que as ações intersetoriais devem se apoiar em evidências científicas e participação social, por meio de programas conjuntos com outros ministérios para a criação de editais periódicos sobre projetos de pesquisa, voltados para determinantes sociais da saúde e para o estabelecimento de redes de intercâmbio e colaboração entre pesquisadores e gestores.


Reforma Sanitária não pode ser esquecida


Outro ponto importante, lembrado pelo ministro e que está ligado à questão da promoção da saúde e dos determinantes sociais de saúde, é recuperar o sentido da Reforma Sanitária, como ocorreu nos anos 70, em busca da democracia, fazendo da saúde um direito de todos e pensando estratégias e políticas que mudem radicalmente a configuração do sistema de saúde brasileiro. Temporão acredita que a questão da consciência sanitária, ensinada pelo italiano Giovanni Berlinguer, é fundamental nesse momento, pois tem de se trabalhar a consciência individual sobre os determinantes, mas também a organização da questão coletiva na busca de um sistema mais democrático e eqüitativo. “Estou convencido de que temos de recriar um forte movimento cultural e uma forte mobilização da sociedade brasileira nesse sentido. Temos de voltar às ruas e defender os princípios da reforma sanitária brasileira”.


A questão dos novos modelos de gestão e de organização dos serviços públicos também foi lembrada por Temporão. Segundo o ministro, esse é um passo onde há um senso comum no sentido de se cobrar resultados para melhorar a questão das filas e do tempo de espera nos hospitais públicos, da má qualidade dos serviços e da precariedade dos serviços de saúde. “Temos de pensar em novos avanços organizacionais, que permitam a ampliação do acesso a esses serviços, e utilizar as diversas experiências exitosas que existem pelo Brasil afora na questão da humanização do atendimento”, afirmou. O ministro também espera uma melhor transparência na utilização dos recursos públicos, do fortalecimento do controle social e acredita ser necessário repensar uma série de dogmas e paradigmas que estão colocados nas instituições públicas há anos.


Temporão lembrou ainda que o presidente Lula, no congresso da Abrasco de 2006, cobrou do Ministério da Saúde uma ação mais incisiva na linha de solidariedade e apoio aos países africanos de língua portuguesa. O ministro informou que está atendendo a esse desafio do presidente, e um escritório da Fiocruz será aberto na África para que a saúde pública brasileira ajude na construção da saúde pública dos parceiros africanos.


Temas polêmicos e poesia


O gênero, a sexualidade e a saúde são pontos importantes em pauta na agenda do Ministério, uma vez que a sociedade brasileira é um tanto conservadora quanto à discussão de temas como a interrupção voluntária da gravidez quando a mulher é vítima de estupro ou quando há risco de vida para ela. Temporão informou que há no Congresso Nacional um projeto de lei para proibir o aborto nesses casos, e afirmou que isso é “um tanto conservador, extremamente atrasado e daí a importância do lançamento da política nacional de planejamento familiar para democratizar a informação e o acesso a métodos anticoncepcionais, garantindo aos casais o direito de decidir quando e quantos filhos querem ter”. Temporão informou que a questão da interrupção da gravidez é um assunto importante para a área da saúde pública, uma vez que, por ano, o Brasil contabiliza mais de um milhão de procedimentos como esse. Segundo ele, é preciso enfrentar o tema de maneira séria, dentro da política de planejamento familiar.


Reconhecer a saúde como um campo de produção de riquezas, crescimento e desenvolvimento é outra meta dessa gestão, visto que o Brasil tem hoje um complexo de indústrias da saúde e de serviços de saúde que representam quase 10% do PIB, gerando 7,5 milhões de empregos diretos e indiretos, movimentando cerca de R$ 170 bilhões por ano, mas ainda sofre com a ampliação da vulnerabilidade social das políticas de saúde. A idéia é uma articulação do setor saúde com diversos setores privados e industriais, e o BNDES sendo financiador de um projeto para uma política específica dirigida a esse setor.


Temporão encerrou sua conferência lendo um trecho do poema O labirinto, do filósofo alemão Walter Benjamin, “A experiência com o labirinto é o caminhar. É a metáfora da viagem. É aventurar-se por entre corredores e encruzilhadas. Portanto, a dimensão da experiência é a possibilidade do perder-se; é ‘conhecer’ o labirinto por dentro; é a idéia da formação não em função de seu fim, mas como um processo ou uma aventura. Nesse percurso, caminhar é a mesma coisa que se aventurar. Uma viagem movida pela fascinação ao desconhecido. Uma viagem que se desdobra nos encontros e nos diálogos com o outro e consigo mesmo. As encruzilhadas são feitas desses encontros, como os nós de uma rede, que permitem tomar e descobrir novos rumos, mesmo quando se está retornando”.


A mesa de abertura foi composta da diretora da Opas, Mirta Roses; do reitor da UFBA, Naomar Filho; do presidente da Abrasco, José da Rocha Carvalheiro; da presidente do IV Congresso Brasileiro de Ciências Sociais e Humanas em saúde, Soraya Vargas; do coordenador geral da Alames, Mauricio Torres; do secretário estadual de saúde da Bahia, Jorge Solla; do presidente da IAHP, José Joaquim O’Shanahan; do ex-presidente da Abrasco, Alames e IAHP, Sebastião Loureiro; além do governador da Bahia, Jaques Wagner, e do ministro da Saúde, José Gomes Temporão.


Fonte: Informe Ensp

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