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09/07/2012

Conhecimento em biologia tem desdobramento sociocultural e político

Fernanda Marques


As novas tecnologias biomédicas têm impactos não só na saúde, mas também sociais, políticos, éticos e econômicos, o que coloca desafios para historiadores, filósofos, antropólogos e sociólogos. Reflexões e análises sobre o assunto são apresentadas no livro Identidades emergentes, genética e saúde: perspectivas antropológicas, lançamento da Garamond e da Editora Fiocruz. Organizada pelos pesquisadores Ricardo Ventura Santos, Sahra Gibbon e Jane Beltrão, a coletânea reúne artigos que abordam os mais variados aspectos, da psiquiatria ao diagnóstico de câncer de próstata, da violência à doação de sêmen. Mas uma mesma indagação perpassa os capítulos: será que, nos dias atuais, estamos diante de uma situação de novas tecnologias biológicas alimentando, direta ou indiretamente, a emergência de novas configurações ideológicas? Menos que uma combinação entre “novas tecnologias biológicas e novas configurações ideológicas”, o que as análises do livro sugerem, não raro, é um padrão de “novas tecnologias biológicas e velhas configurações ideológicas”.






Um exemplo bastante emblemático desse tipo de situação é o sequenciamento do genoma humano. Os resultados de laboratório revelaram que, do ponto de vista do DNA, as diferenças entre as populações são mínimas. Contudo, no âmbito social, e contrariando expectativas, os achados da genética contribuíram para reavivar o debate sobre a concepção de raça e, consequentemente, sobre diferenças raciais embasadas em variações biológicas. “No caso brasileiro, por exemplo, de maneira mais próxima ou distante, os debates sobre o perfil genômico da população, como os leitores terão oportunidade de ver, passam, necessariamente, pela questão racial e pelo tema da mestiçagem em particular”, afirmam os organizadores. Um dos capítulos do livro, inclusive, apresenta um estudo comparativo de três empresas que comercializam testes de ancestralidade genética, sendo uma delas no Brasil.


Os artigos que compõem a coletânea tiveram origem nas discussões travadas durante a 27ª Reunião da Associação Brasileira de Antropologia, realizada em Belém, em 2010. Mas seus temas “transcendem fronteiras nacionais e refletem configurações internacionais de amplo alcance”, ressaltam os organizadores. Nesse sentido, o livro trata de dois temas centrais na história e no presente da saúde: a loucura e a violência – fenômenos cujas explicações têm variado ao longo do tempo desde uma dimensão puramente biológica – na qual o indivíduo seria naturalmente louco ou violento – até questões sociopolíticas – onde fatores externos ao indivíduo determinariam seu comportamento desviante. A obra problematiza, ainda, a longevidade humana, assunto amplamente disseminado na mídia, incluindo a internet, onde os discursos oscilam entre, de um lado, a predisposição de certas pessoas a uma vida longa e, de outro, a propensão de alguns grupos a determinadas doenças.


As atuais tecnologias biomédicas também propiciam novas formas de diagnóstico, que podem alterar a relação do paciente com a doença. Um exemplo estudado é o câncer de próstata. No passado, ele era diagnosticado somente a partir de alterações anatômicas. Hoje, o risco de desenvolvimento da doença pode ser medido pela detecção e quantificação de determinadas moléculas, o que permite prever o câncer antes que ele se manifeste, gerando “pacientes em espera” ou “doentes por antecipação”.


Outros capítulos debatem a subjetividade atrelada às novas tecnologias biomédicas. Em clínicas de reprodução assistida, por exemplo, vivenciam-se alguns dilemas, como a doação anônima de sêmen e o interesse dos casais atendidos em conhecer os atributos físicos e comportamentais do doador, que poderiam ser herdados por seus filhos. Já no caso da polêmica envolvendo o uso de embriões restantes de reprodução assistida para a produção de células-tronco, percebe-se como tanto aqueles que são a favor desse procedimento como aqueles que são contra baseiam seus argumentos na ciência genética, mobilizando os dados segundo complexos arranjos de argumentação política.


Por fim, o livro examina como a biomedicina pode ter papel importante em tomadas de decisões políticas. Um dos capítulos analisa os discursos relacionados à leucopenia (baixa contagem de células brancas no sangue), no contexto da luta sindicalista e das discussões contemporâneas sobre a chamada “saúde da população negra”. Já com o povo indígena uro, dos Andes bolivianos, a discussão gira em torno de sua ancestralidade genética e de lutas políticas pelo reconhecimento de direitos. “Por meio de diferentes enfoques, os textos abordam as múltiplas formas pelas quais a ciência (em especial a tecnociência contemporânea) contribui para moldar o mundo social em domínios como identificação pessoal, identidades nacionais e ações coletivas, inclusive na área da saúde”, resumem os organizadores. “Os textos aqui reunidos estão em sua totalidade voltados para as vinculações entre produção de conhecimento científico sobre a biologia humana e seus desdobramentos socioculturais e políticos”.



Serviço

Identidades emergentes, genética e saúde: perspectivas antropológicas

Ricardo Ventura Santos, Sahra Gibbon e Jane Beltrão (orgs.)

Garamond e Editora Fiocruz

2012 | 272p. | R$ 42

Mais informações em www.fiocruz.br/editora


Publicado em 6/7/2012.

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