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09/04/2009

Construção de ferrovias auxiliou a medicina tropical na Primeira República

Fernanda Marques


Símbolos do ideal de progresso e civilização no início do século 20, as ferrovias tinham o papel de integrar o território nacional, seja como as alavancas mais eficazes da expansão do mercado interno e internacional ou como instrumento para a subordinação das populações interioranas ao Estado e aos centros hegemônicos da sociedade brasileira. No entanto, a construção do sistema ferroviário esbarrou em doenças, em especial a malária, que se colocava como um obstáculo a ser enfrentado pela modernização republicana. Pesquisadores da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz) investigaram a relação entre ferrovias, malária e a medicina tropical, entre os anos 1890 e 1920 e apontaram a contribuição das expedições científicas que percorreram os cantões do país na tentativa de debelar surtos para a construção do conhecimento.


 A investigação de epidemias durante a abertura de ferrovias possibilitou a descoberta de novas doenças (Foto: Acervo COC/Fiocruz)

A investigação de epidemias durante a abertura de ferrovias possibilitou a descoberta de novas doenças (Foto: Acervo COC/Fiocruz)


"As ferrovias que penetravam o interior e interligavam o território nacional foram objeto de ações sanitárias relativamente bem-sucedidas", comentam os especialistas Jaime Benchimol e André Felipe Cândido da Silva, da COC, em artigo recente publicado na revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos. "Ao mesmo tempo, induziram investigações importantes que ajudaram a conformar a medicina tropical, que lida com complexos ciclos de vida de parasitas em múltiplos hospedeiros e com sinergias muito dinâmicas entre processos biológicos e ciclos econômicos das sociedades humanas".


No período destacado, o interesse pelos parasitos e mecanismos de transmissão das doenças era crescente, sendo a malária e a febre amarela as enfermidades que apresentavam as maiores indefinições à comunidade científica brasileira. Surtos de malária começaram a ocorrer nos canteiros de obras em diversas estradas de ferro, como as de Mauá, perto do Rio de Janeiro, e Guarujá, próxima a Santos. Diante desse problema, cientistas do Instituto Bacteriológico de São Paulo, sob comando de Adolpho Lutz, e de Manguinhos, a cargo de Oswaldo Cruz e Carlos Chagas, começaram a se embrenhar pelos sertões do Brasil a fim de estudar e combater as doenças.


O exemplo da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré talvez seja o mais emblemático quanto ao impacto que as doenças ditas tropicais tiveram nas obras de infra-estrutura associadas à modernização, nesse período da história republicana: a assombrosa mortalidade entre os trabalhadores que construíram a linha, construída entre 1907 e 1912 para ligar Porto Velho a Guarajá-Mirim (RO), valeu-lhe o epíteto de Ferrovia do Diabo.


Pistas sobre o processo de infecção


Ao colocar seu conhecimento a serviço de ferrovias e outros empreendimentos, os pesquisadores se depararariam com problemas diferentes daqueles vivenciados nos centros urbanos. Estava aberta a oportunidade de estudar patologias pouco ou nada conhecidas e de recolher materiais biológicos que dariam grande amplitude à medicina tropical brasileira.


De acordo com os pesquisadores, os estudos feitos por aqueles cientistas pioneiros geraram inovações, como a "teoria da infecção domiciliária", que consistia na suposição de que a infecção era muito mais frequente dentro das habitações do que fora delas, fator que traria a destruição dos mosquitos vetores no interior das casas em primeiro plano. "Por muito tempo considerou-se que nossa tradição intelectual e científica era essencialmente imitativa", destacam os especialistas. "Nesse caso, como em outros estudos nos últimos anos pelos historiadores das ciências, vemos que os cientistas-sanitaristas são co-participantes do desdobramento de fronteiras em vários campos do saber".


Publicado em 9/4/2009.

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