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04/04/2011

Consumismo em saúde e o risco de fraudes na internet originam novos desafios

Úrsula Neves


A internet multiplica seu número de usuários em velocidade acelerada: diariamente, são 500 mil novas pessoas conectadas em todo o mundo. No Brasil, os internautas já somam 66,3 milhões – 38% dos quais acessam a rede diariamente. A proporção de sites acompanha este ritmo, pulando de singelos 315, em 1982, para os impressionantes 174 milhões atuais. Neste público de volume cada vez maior, a saúde se torna a mais recente vedete, colocando temas como dieta, longevidade, exercícios físicos, estética, segurança dos alimentos e medicamentos no topo das listas dos assuntos mais procurados.


 Para o autor do estudo "é uma pena que a internet, que deveria funcionar como uma ferramenta para evitar a sobrecarga do sistema de saúde, venha fazendo justamente o oposto e incitando a sociedade à medicalização da vida"

Para o autor do estudo "é uma pena que a internet, que deveria funcionar como uma ferramenta para evitar a sobrecarga do sistema de saúde, venha fazendo justamente o oposto e incitando a sociedade à medicalização da vida"


A elevada circulação de informações relacionadas à saúde e a influência das tecnologias de informação e comunicação sobre este tópico chamaram a atenção do pesquisador Paulo Roberto Vasconcellos-Silva, do Laboratório de Inovações Terapêuticas, Educação e Bioprodutos do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz). Ele está especialmente preocupado com os riscos e as fraudes a que os indivíduos podem se expor no ambiente da internet – o que, no âmbito da saúde, podem trazer sérias consequências.


Diagnóstico fast-food


Sites fraudulentos no tema da saúde muitas vezes se baseiam na promessa de que um único remédio cura uma ampla variedade de doenças; o que chamamos de panacéia. Eles utilizam conteúdos baseados em falsas premissas científicas ou com falsas referências de sites técnicos sérios com a finalidade de enganar os visitantes”, alerta o especialista.


O fato de que a maior parcela dos consumidores desses produtos tem nível superior surpreende, uma vez que as informações contidas nesses sites estão fora do convencional, geralmente recorrendo a teorias que confrontam a medicina tradicional. Terapias de potencialização de DNA e tratamentos para a remoção de carma estão neste pacote. Outro boom são os sites de autodiagnóstico, que oferecem a ilusão de um diagnóstico médico correto para identificar doenças potencialmente graves.


Esses endereços virtuais mostram um boneco tridimensional da figura humana, no qual o usuário deve indicar o local onde o sintoma está situado e, em seguida, responder a uma série de perguntas. Como resultado, o site oferece um diagnóstico. Vasconcellos-Silva, que sofre de enxaqueca crônica, fez o teste online e conta a sua experiência. “Respondi ao questionário e, ao final, a mensagem dizia para chamar a emergência porque eu tinha grande probabilidade de sofrer um aneurisma cerebral”, relata. O pesquisador ressalta que, no outro extremo, sites fraudulentos também podem conduzir a sub-diagnósticos.


Em busca de alívio


Mas como indivíduos com instrução superior buscam pela internet uma solução para problemas crônicos incuráveis, como Alzheimer, Aids e tipos de câncer em estado avançado? Vasconcellos-Silva acredita que o crescimento desses sites indica uma lacuna do sistema de saúde. E ao mesmo tempo, afirma, aqueles indivíduos que consomem produtos e procuram na internet informações em saúde estão em busca de alívio e esperança para a cura de suas doenças – algo que não encontra espaço nas estruturas clássicas de tratamento.


“Se, por um lado, com o crescimento da rede os usuários têm mais acesso a informações, por outro, continuam com pouco acesso aos sistemas de saúde. É uma pena que a internet, que deveria funcionar como uma ferramenta para evitar a sobrecarga do sistema de saúde, venha fazendo justamente o oposto e incitando a sociedade à medicalização da vida”, aponta o pesquisador.


Ele também observa que, como desdobramento das numerosas orientações disponíveis na rede, surgem grupos que exageram no controle sobre alimentação, exercícios físicos, exposição ao sol e até a frequência sexual, vivendo, assim, uma vida calculada. “Estamos em uma época cercada de muitas prescrições e proscrições, sob um conceito de gestão de saúde subjetiva, e não exatamente a mais indicada para cada tipo de indivíduo”, conclui Vasconcellos-Silva.


Para mais informações sobre o tema, acesse o artigo As novas tecnologias da informação e o consumismo em saúde, publicado no periódico Cadernos de Saúde Pública da Fiocruz. O artigo é assinado por Paulo Roberto Vasconcellos-Silva em parceria com os especialistas Luis David Castiel (Escola Nacional de Saúde Pública/Fiocruz), Marcos Bagrichevky (Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhéus), e Rosane Harter Griep (IOC/Fiocruz).


Publicado em 4/4/2011.

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