27/06/2022
O cenário dos riscos a que estiveram expostos profissionais de saúde da linha de frente da Covid-19, na Região Metropolitana do Recife, está descrito em artigo recém-publicado na revista científica BMJ Open. Coordenado pela Fiocruz Pernambuco, o estudo ouviu um total de 1.525 profissionais de quatro categorias – médicos (527), enfermeiros (471), técnicos de enfermagem (263) e fisioterapeutas (264) – que atuaram no atendimento a pacientes com suspeita ou confirmados para Covid-19, entre maio de 2020 e fevereiro de 2021. A alta prevalência de Covid-19 nesses profissionais – dos quais 61,8% foram infectados pelo Sars-CoV-2, com confirmação pelo teste RT-PCR –, a sobrecarga de trabalho e a maior vulnerabilidade dos técnicos de enfermagem para a infecção, em relação às demais categorias, são alguns dos achados da pesquisa.
Os dados obtidos mostram um momento de emergência sanitária no qual, de um lado, jovens profissionais com pouca experiência (maioria entre médicos e fisioterapeutas) precisaram ser engajados na linha de frente, num ambiente de trabalho de alto risco. De outro, enfermeiros atuaram nesse mesmo campo, com mais idade e comorbidades (hipertensão e diabetes) que os demais grupos, embora esses fatores já fossem conhecidos como de risco para hospitalização e morte pela Covid-19.
“O que a gente interpreta é que não existia uma segurança ocupacional nos ambientes de trabalho”, declara a pesquisadora da Fiocruz PE e coordenadora do estudo, Maria de Fátima Militão de Albuquerque. Na análise logística multivariada dos dados, ser técnico de enfermagem, não usar todo o conjunto de equipamentos de proteção individual (EPIs) durante a assistência ao paciente e ter episódio de acidente com material biológico – especificamente respingo nos olhos – foram fatores de risco para contrair a Covid-19.
Falta de treinamento para o uso dos EPIs, mudança de setores sem a devida capacitação e o cansaço diante dos procedimentos de segurança, por exemplo ao se paramentar/desparamentar, foram outros fatores de risco observados. “Aqueles que se distraíram pelo cansaço nesse ritual, que se estendia aos cuidados em suas próprias casas, acabaram se contaminando”, explica Militão.
A metodologia utilizada foi de amostragem encadeada, tipo bola de neve: a partir de entrevistas com profissionais chave, que indicavam mais cinco colegas da mesma profissão (categoria), para recrutamento por meio de mensagens no WhatsApp. O participante, após o aceite do convite e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), preenchia o questionário do estudo em um aplicativo especialmente desenvolvido pela empresa de Inovações Tecnológicas Fitec, de fácil acesso, por meio de um link enviado pelo WhatsApp.
Trata-se da primeira pesquisa do grupo feita nesse formato, que foi escolhido ao perceberem que não conseguiriam chegar junto desses trabalhadores para entrevistas presenciais durante a pandemia. “O método adotado permitiu que ampliássemos a população pesquisada, de forma a contemplar indistintamente profissionais tanto do serviço público como do privado”, observa a coordenadora.
Esse artigo é o mais novo produto resultante desse trabalho, que já teve três relatórios trimestrais entregues à Secretaria de Saúde de Pernambuco, ao longo da coleta de dados, como forma de subsidiar as políticas públicas e alertar para o cuidado com esses trabalhadores. Os autores são estudiosos da Fiocruz PE, do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), das universidades federais de Pernambuco (UFPE) e do Ceará (UFC), das universidades estaduais de Pernambuco (UPE) do Pará (UEPA), da Universidade de York (Reino Unido), Escola de Saúde Pública e Medicina Tropical de Tulane (Nova Orleans/EUA), do Instituto de Avaliação de Tecnologia em Saúde (IATS), da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa Misericórdia (SP) e do Ministério da Saúde.
Está em preparação um e-book, a ser lançado no segundo semestre, aprofundando os conteúdos sobre os impactos da Covid-19 nos trabalhadores da saúde, incluindo as observações sobre a saúde mental e depoimentos colhidos. A publicação também vai trazer orientações sobre vigilância epidemiológica.