02/04/2020
Enquanto cientistas de todo o mundo tentam encontrar soluções para conter a pandemia da Covid-19, provocada pelo novo coronavírus (Sars-Cov-2), especialistas das áreas de informação e comunicação fazem um alerta: a falta de acesso à internet também pode representar grave impacto para a saúde.
Muitas vezes é por meio da internet que a população descobre o que fazer em casos de suspeita de estar com a Covid-19 (foto: Raquel Portugal, Icict/Fiocruz)
O alerta se ampliou desde que foi adotada, em escala mundial, a recomendação para a população se manter em casa, como medida de prevenção para a rápida propagação do vírus. “Com a suspensão de atividades como as de ensino e, em alguns casos, do expediente presencial em postos de trabalho, as pessoas têm utilizado ainda mais a internet como meio de se manterem conectadas e informadas”, aponta o pesquisador Rodrigo Murtinho, diretor do Instituto de Comunicação e Informação em Saúde (Icict/Fiocruz).
Para ele, o momento atual demonstra de maneira clara como o exercício do direito à comunicação e do direito à informação são centrais para a garantia do direito à saúde. “A comunicação e a informação são elementos centrais no combate à pandemia. Sobretudo a internet tem sido espaço fundamental para que as pessoas acessem informação de qualidade sobre a crise sanitária, por meio de sites, portais, aplicativos e outros recursos disponibilizados pelos poderes e instituições públicas”, afirma.
Celulares são uma das principais formas de acesso
Além das informações sobre como se prevenir, muitas vezes é por meio da internet que a população descobre o que fazer em casos de suspeita de estar com a Covid-19, e também sobre a oferta dos serviços de saúde em suas localidades. E diversas fontes afirmam que, no cenário atual das telecomunicações, grande parte do acesso à rede é realizado por meio de celulares. Segundo a pesquisa TIC Domicílios 2018, lançada em meados de 2019, 85% dos usuários de internet das classes D e E acessam a rede exclusivamente pelo celular. Dois por cento, apenas pelo computador, e 13% se conectam tanto pelo aparelho móvel quanto pelo computador.
O Portal Fiocruz, que reúne uma seção especial com perguntas e respostas e diversos conteúdos informativos à população, tem 70% de seus acessos realizados a partir de aparelhos celulares. Além disso, o Ministério da Saúde lançou aplicativo sobre o coronavírus, para celular, com dicas de prevenção e um número de whatsapp para contato.
Ante a centralidade da web nas iniciativas de combate à pandemia, o Intervozes (Coletivo Brasil de Comunicação Social), uma organização da sociedade civil, solicitou na última semana à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) a proibição da prática de suspensão do serviço de conexão à internet pelas operadoras de celular, quando ultrapassado o limite da franquia. O pedido recomenda o período de 90 dias para a determinação, caso acatada, uma vez que o panorama do enfrentamento do novo coronavírus é de médio prazo. A própria agência, em ofício, apontou a necessidade de medidas emergenciais para as operadoras, diante da pandemia.
“Nosso pedido à Anatel é para que não haja suspensão da conexão após atingido o limite da franquia. Parece razoável, se a Anatel entende que não é possível cortar a conexão neste momento por motivo de inadimplência [conforme ofício]. Estamos falando de pessoas que talvez possam pagar a quantia que sempre pagaram, mas que agora têm que lidar com novas demandas de uso da internet e que já não tinham como ampliar os gastos em telecomunicações e, agora, diante do impacto da crise de saúde na renda das pessoas, podem menos ainda”, avalia a coordenadora executiva do Intervozes, Marina Pita.
O pedido que tramita junto à agência reguladora já tem diversos apoios de instituições públicas, universidades, institutos de pesquisa, da sociedade civil e até de organismos internacionais. Em 20/3, quando o Governo Federal publicou o Decreto 10.282, que estabelece serviços públicos e atividades essenciais indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da população, uma série de ações, principalmente relacionadas à saúde e segurança, foram elencadas. Para o Intervozes, o acesso à internet pela rede móvel pode ser entendido como um desses serviços.
Falta de acesso à rede aumenta vulnerabilidade
“É fundamental neste momento garantir a proibição do bloqueio à internet por parte das operadoras. Além de toda a população, há uma rede de instituições e grupos de pesquisa se articulando, trocando informações e resultados de estudos que ajudam nas próprias definições das ações de enfrentamento da epidemia”, acredita Murtinho.
Para os especialistas, em um país como o Brasil, onde é grande a desigualdade social, medidas como o bloqueio dos pacotes de dados acabam prejudicando as parcelas da população mais vulneráveis. “Boa parte dos celulares no Brasil são pré-pagos. E uma parte considerável desses usuários está no trabalho informal, o que significa que, se não estiverem recebendo remuneração para poder colocar créditos nos seus celulares, perdem seu meio de comunicação e de acesso à informação”, pondera o diretor do Icict.
Diferentes setores da sociedade também dependem da rede de celulares para a continuidade de algumas ações de ensino ou profissionais, mesmo que a distância. “Neste momento vemos um grande esforço para a manutenção de atividades educativas. E não estamos falando apenas de educação formal. A Unesco aponta que 80% da população de estudantes do mundo está fora das escolas por conta da Covid-19, e aponta a necessidade de governos e negócios estarem mobilizados para lidar com isso”, esclarece Marina Pita.
Para ela, também preocupa a falta de comunicação durante esse período de maior distanciamento entre as pessoas. “Com ampliação do acesso à internet é possível incentivar programas de apoio e escuta a pessoas que estão isoladas e sozinhas. Pessoas nessas condições podem adoecer de outras formas neste período”, avalia. “A internet não é apenas um instrumento fundamental para se informar. Também é a forma que as pessoas têm de se comunicar”, acrescenta Murtinho.
Garantia de direitos
Marina Pita, do Intervozes, esclarece que a proposta encaminhada pela entidade não prejudica o sistema brasileiro de dados como um todo. “Não estamos pedindo que a conexão esteja liberada indiscriminadamente. Entendemos que as empresas devem atender aos clientes que mantêm contratos. A questão é permitir que as pessoas que não têm franquia de dados suficiente possam continuar navegando, na lógica do melhor esforço da rede, viabilizando a garantia de direitos”, explica. Até o momento, a entidade aguarda o posicionamento da Anatel sobre o pedido.