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10/05/2010

Curso promove reflexões sobre práticas de divulgação científica por jornalistas

Ana Paula Gioia Lourenço


Fornecer ferramentas para a reflexão sobre os mecanismos e processos da cobertura de temas de ciência e tecnologia pelos meios de comunicação, visando ao aprimoramento da prática. Este foi o objetivo do curso de aperfeiçoamento em jornalismo científico, realizado em Manaus nos dias 29 e 30 de abril. O evento reuniu estudantes e profissionais de jornalismo para participar de debates entre jornalistas e cientistas sobre as práticas de divulgação de pesquisas e conhecer as experiências de jornalistas atuantes na mídia e nas assessorias de instituições de pesquisa. Conforme afirmou o vice-diretor de Ensino do Instituto de Pesquisa Leônidas e Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia), Júlio Schweickardt, a iniciativa deu continuidade ao esforço já realizado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Amazonas (Fapeam) de estimular o interesse pelos temas científicos. O evento também foi o ponto de partida para a abertura de uma turma de especialização em divulgação científica em Manaus, prevista para iniciar em agosto deste ano. O curso teve 85 inscritos.


 O curso é o ponto de partida para a criação de uma turma de especialização em divulgação científica em Manaus, prevista para iniciar em agosto deste ano

O curso é o ponto de partida para a criação de uma turma de especialização em divulgação científica em Manaus, prevista para iniciar em agosto deste ano


Desenvolvido por meio de uma parceria entre a Fiocruz Amazônia, o Museu da Vida da Fiocruz, a Fapeam, a Rede Iberoamericana de Monitoramento e Capacitação em Jornalismo Científico, o Programa Iberoamericano de Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento (Cyted) e a Coordenadoria de Comunicação Social da Fiocruz, o curso foi formatado da seguinte forma: duas palestras e quatro mesas-redondas, seguidas de debates para sanar dúvidas advindas da exposições sobre o tema realizadas pelos participantes.


A tensão essencial – O trabalho de cientistas e jornalistas na produção de conteúdos para divulgação cientifica foi a palestra que deu início ao curso, apresentada por Ildeu de Castro Moreira, do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Departamento de Popularização e Difusão da Ciência e Tecnologia do Ministério do Meio Ambiente (MCT). Na oportunidade, ele discursou sobre a importância da tensão para a comunicação pública da ciência e para a democratização da C&T e de suas aplicações, que podem ser feitas a partir da parceria entre cientistas e jornalistas, a fim de melhor alcançar a sociedade, incutindo nela um interesse pelas pesquisas, tendo em vista os benefícios que geram.


Segundo Moreira, para que isso ocorra é necessário que sejam superadas as diferenças entre ambos e canalizar a tensão existente a fim de que se reverta positivamente para o processo de difusão da ciência, observando sempre que é necessário descrever um contexto e não apenas um foco específico, valorizando o trabalho científico. Segundo ele, o jornalista tem uma função intermediária no processo de divulgação pois descreve o estudo de forma a permitir que um leigo possa entender e incorporar aquele conhecimento em seu cotidiano, reconhecendo a importância dos estudos desenvolvidos.


Recentemente, o Ministério da Ciência e Tecnologia realizou a Pesquisa Nacional de Percepção Pública da C&T que mostrou ser "medicina e saúde" o tema de maior interesse da população brasileira (60%), seguido de meio ambiente (58%), religião (57%), economia (51%), esportes (47%) e ciência e tecnologia (41%). Conforme opiniões coletadas, muitos consideram que a ciência traz muitos benefícios, principalmente quando trata de saúde e proteção a doenças, fazendo com que se perceba que é esperado um maior investimento em medicamentos e novas tecnologias médicas. A pesquisa também apontou insuficiência na cobertura de temas científicos, pois a maioria afirma que não tem acesso às informações, pois pouco é veiculado na mídia. Quando questionada sobre as fontes mais confiáveis de informação, os entrevistados apontaram médicos e jornalistas como os que mais possuem credibilidade.


Na palestra O papel do jornalismo científico, o colunista de ciência da Folha de S. Paulo Marcelo Leite afirmou que o jornalista deve utilizar o espaço que possui para estimular a reflexão, a fim de que o leitor insira-se nos assuntos em debate na atualidade. É preciso ter uma atitude crítica, debatendo assuntos e evitando reproduzir pontos de vistas imutáveis e cair em armadilhas de polarização do debate, ao assumir apenas um lado em discussões. Também afirmou que é necessário vencer desafios que compreendem a ignorância sobre conceitos básicos, sobre o que se passa no meio científico e sobre as consequências do que divulga, levando em conta que é preciso simplificar termos, sem perder a complexidade do tema, evitar utilizar frases de efeito, usar dados estatísticos e metáforas para reforçar a mensagem, pensando sempre em esforçar-se para tornar importante o que é interessante.


A cobertura sobre mudanças climáticas


O pesquisador do Centro de Pesquisa René Rachou (CPqRR/Fiocruz) Ulisses Confalonieri abordou, na mesa redonda A cobertura sobre mudanças climáticas, a respeito da incerteza da ciência, já que ela apenas pode oferecer apenas provisões a partir do que se é observado nos estudos, o que não interessa ao jornalista. Segundo ele, a mídia precisa de afirmações sobre a maior preocupação da sociedade que são as perdas. Destacou que é preciso cuidado com as práticas sensacionalistas, pois para conseguir furos o jornalista acaba usando palavras e citações que difamam e superficializam o trabalho do cientista.


O engenheiro florestal e pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) Niro Higuchi relacionou o tema mudanças globais com a floresta amazônica, afirmando que esta não é a solução para os problemas do mundo como se tem acreditado.  Para ele, o profissional que tem a incumbência de disseminar informações deve preparar-se, especializar-se para não usar de sensacionalismo para ter seu trabalho destacado e o do pesquisador minimizado/prejudicado. Como iniciativa, comunicou que promoverá um treinamento para jornalistas na estação ZF2 do Inpa, no período de 24 a 27 de junho. O objetivo é promover uma imersão no mundo da ciência, a fim de que sejam estimulados a viver o lado do cientista, filtrar informações e conscientizar sobre as diferenças de tempo e de prioridades entre ambos.


A experiência do jornalista neste tema foi apresentada por Daniela Chiaretti, repórter especial sobre meio ambiente do jornal Valor Econômico. Ela destacou pontos práticos para uma boa cobertura como a preparação sobre o tema e o entrevistado, a necessidade de esclarecer todas as dúvidas sobre termos usados pelo cientista, a publicação do "não sei" do pesquisador e da incerteza dos dados. Ela alertou para o cuidado na especialização do jornalista, pois se estiver muito por dentro da área poderá utilizar linguagem rebuscadas que são incompreensíveis para o leitor. "Antes de tudo é preciso fazer-se entender para o editor sobre o tema abordado no texto, visto que é tão leigo quanto o público sobre assunto descrito na matéria", aconselhou. Também acrescentou que a curiosidade deve ser inerente ao jornalista, sendo esta o ponto de partida para qualquer cobertura jornalística, assim como a busca por descobrir a ciência no cotidiano.


A cobertura de temas de ciência e tecnologia na Amazônia


A ciência e tecnologia têm ganhado muito espaço na mídia local em virtude de iniciativas das instituições locais como a Fapeam. O jornalista Ulysses Varela, coordenador do Programa de Apoio à Divulgação Científica apresentou a Fapeam e o incentivo que ela tem dado visando a preparação dos alunos e profissionais de comunicação para a difusão do conhecimento cientifico. Das ações empreendidas está o apoio a pesquisadores para que apresentem suas pesquisas em seminários, congresso, dentre outros; à realização de eventos para a divulgação de pesquisas; e à formação de uma equipe de comunicação - Departamento de Difusão do Conhecimento (Decon) - que conta com 23 pessoas que trabalham na divulgação dos estudos financiados pela agência de fomento. Segundo Varela, para fazer jornalismo científico é  necessário enfrentar desafios, tais como a compreensão de termos científicos, a adequação da linguagem, correção e credibilidade, profissionalização, contato permanente com a imprensa, entre outros.


Uma análise acadêmica de preparação dos profissionais de jornalismo também apresentada. A jornalista e professora da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Mirna Feitoza mostrou que, no Amazonas, a formação do jornalista para trabalhar na divulgação da ciência tem sido observada pelas instituições de ensino que acrescentaram a suas grades curriculares a disciplina "jornalismo científico", apresentando a área e a possibilidade de enveredar-se pelo caminho de difusão do conhecimento científico.


A correspondente da Rede Globo no Amazonas, Daniela Assayag, também participou do curso apresentando sua experiência em tratar de temas relacionados à ciência. Segundo ela, há temas interessantíssimos, que precisam ser defendidos para que conquistem espaço na mídia, sendo necessário estudar previamente o assunto e dar uma roupagem para que sejam atrativos aos olhos do editor, gerando uma boa reportagem que cause impacto positivo na sociedade. É necessário também estar atento às oportunidades, observando os temas atuais para, então, encaixar as pautas imaginadas a partir dos estudos científicos realizados pelos pesquisadores, levando em conta que tudo o que traz benefício para a sociedade terá espaço na mídia sempre.


A gripe A H1N1 e outras doenças emergentes - como abordá-las


O médico fnfectologista da Fundação de Medicina Tropical do Amazonas (FMT/AM) Antônio Magela apresentou conceitos sobre doenças típicas, endêmicas (presentes o ano todo) e emergentes (novas de agentes desconhecidos) e as principais doenças com surtos no século 20 e 21. Destacou que em casos de epidemia a informação e orientação sobre como proceder é importante e um meio que deve ser utilizado é a mídia, tendo no jornalista um importante parceiro nesse processo.


As assessorias das instituições de pesquisa e de saúde tem importante papel em tempos de surtos de doenças novas de agentes desconhecidos. Para mostrar isso, o jornalista e editor da Agência Fiocruz de Notícias (AFN), Ricardo Valverde, apresentou um pouco do trabalho realizado pela Coordenadoria de Comunicação Social da Fiocruz. Ele expôs alguns desafios na abordagem das doenças emergentes, destacando como pontos principais a preparação e a busca por fontes confiáveis para orientar a falar sobre determinadas doenças, assim como o treinamento que deve ser feito com os cientistas para que saibam como falar com os jornalistas e expor com cuidado suas opiniões, para que suas declarações sejam bem interpretadas e bem transmitidas nos veículos de comunicação. Segundo Valverde, os principais problemas enfrentados têm sido a insistência em manter como destaque um assunto já desgastado, a cobertura de temas de forma limitada e sem contextualização e o excesso de humanização.


A diretora do Museu da Vida da Fiocruz e coordenadora do curso de jornalismo científico, Luisa Massarani, fez uma análise de mídia realizada pelo Núcleo de Estudos da Divulgação Científica sobre as veiculações referente  à pandemia causada pelo H1N1 no Jornal Nacional, em virtude de sua grande audiência. Luisa afirmou que o tema ocupou grande espaço diariamente, diminuindo quando ocorriam fatos de repercussão como o acidente com o avião da Air France e a morte de Michael Jackson. Número de casos e mortes, aumento na disseminação do vírus, controle e prevenção foram os pontos mais focados, com confusão na informação sobre a origem do vírus e pouco foi dito sobre os sintomas, o que gerou grande busca por orientações nos postos de saúde por pessoas alarmadas com a disseminação do virus. Na oportunidade, Luisa também anunciou que a realização deste curso é o ponto de partida para a criação de uma turma de especialização em divulgação científica em Manaus, prevista para iniciar em agosto deste ano. "O curso surgiu a partir de uma necessidade constante de conhecer práticas para bem informar assuntos científicos que geram benefício para a sociedade como um todo", afirmou.


Biodiversidade e desenvolvimento sustentável


O pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) Efrem Ferreira iniciou a mesa-redonda Biodiversidade e desenvolvimento sustentável explicando o que significa desenvolvimento sustentável e biodiversidade que tem grande repercussão na mídia em virtude de sua importância para o mundo e pela necessidade de preservação latente. Afirmou que a principal atitude que se deve ter é aprender como nos relacionar com a Amazônia, conhecendo-a para nos apropriarmos dos benefícios que proporciona e, assim, será possível preservá-la.


Com a afirmação "o jornalista é o primo pobre do historiador", Cilene Victor da Silva, presidente da  Associação Brasileira de Jornalismo Científico, iniciou sua exposição ressaltando a necessidade de embasar as matérias/reportagens com fatos e/ou citações históricas para contextualizar um debate sobre determinado tema. Contou que o jornalismo ambiental surgiu em 1968, com características nervosa e alarmista por cobrir as tragédias, das quais absorvia a dor da perda, a indignação da comunidade vítima dos impactos ambientais e da iniquidade social na distribuição dos riscos de desastres naturais e tecnológicos. Mais tarde tornou-se um segmento do jornalismo científico, descobrindo nos cientistas importantes fontes, pois buscavam na ciência a racionalidade para explicar os fatos.


Quanto ao tema biodiversidade, Cilene considera que a cobertura da mídia ainda não corresponde à dimensão do problema, pois não parece ser um termo compreendido pelos jornalistas e as pautas passaram a ser publicações de relatórios sobre a situação de espécies ou sobre as ameaças às florestas tropicais. Aconselhou aos jornalistas que se mobilizem para contar melhor as histórias, aprender mais sobre as questões e abordá-las de forma que façam sentido ao público. Também alertou que os  pesquisadores devem explicar mais sobre a importância da natureza às pessoas, usando uma linguagem livre de jargões e exemplos que ajudam a tornar os problemas reais. "A chave para o sucesso dessa comunicação será a capacidade de mostrar que as pessoas fazem parte da biodiversidade, que dependem da sua riqueza e são profundamente afetadas pela sua perda", concluiu.


Os esforços das assessorias em destacar o tema e procurar capacitar os jornalistas para bem descrevê-lo nos veículos de comunicação foi apresentado pela assessora de comunicação Denise Cunha, do Instituto Nokia de Tecnologia. Em sua exposição, ela mostrou algumas iniciativas das instituições de C&T e ambiente, onde atuou, como a promoção de seminários de jornalismo científico e excursões para áreas de pesquisas visando fazer com que os profissionais de comunicação vivenciassem um pouco do cotidiano do pesquisador e entendessem a importância de determinadas pesquisas. Também relatou os dilemas vivenciados por alguns colegas de jornal impresso para descrever temas complexos e de impacto importante para a sociedade, superados com a experiência do dia a dia e a parceria com pesquisadores que os ajudam a esclarecer diversas dúvidas.


Publicado em 6/5/2010.

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