05/02/2024
Ricardo Valverde (Agência Fiocruz de Notícias)
Uma delegação da Fiocruz visitou (26/1) as instalações da Apoio a Pesquisa e Pacientes de Cannabis Medicinal (Apepi) em uma fazenda de Paty do Alferes (RJ). A Associação, que tem 8 mil pacientes e com a qual a Fiocuz já promoveu seminários que reuniram especialistas brasileiros e estrangeiros, inaugurou o Centro Avançado de Cultivo e Secagem (Cacs). A iniciativa faz parte do avanço da pauta da cannabis medicinal no debate público, com a criação de associações de pacientes, a permissão via Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para a importação de medicamentos à base de canabinoides, além de uma ampla discussão na mídia sobre os benefícios da terapêutica.
Presidente da Fiocruz, Mario Moreira esteve na visita à fazenda da Apepi e ressaltou a importância das associações de pacientes e também a de se produzir evidências científicas sobre as propriedades do canabidiol e sua relação com a saúde, gerando subsídios para políticas públicas. Para Moreira, “este não é um debate de costumes, é um debate de saúde, que precisa envolver as autoridades sanitárias, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Nossa expectativa é que a Fiocruz, uma instituição de ciência, tecnologia e inovação em saúde, possa contribuir com o tema, junto com universidades e outras entidades”.
O presidente da Fiocruz disse que a visita serviu para conhecer o laboratório da Apepi e aspectos importantes do plantio das mudas da cannabis, da extração do óleo e da produção em geral. “Nosso objetivo é adquirir elementos que possam orientar uma agenda de pesquisa sobre o tema”. A fazenda, de 37 hectares, fica nos limites dos municípios de Paty do Alferes, Miguel Pereira e Vassouras, na Região Centro-Sul Fluminense.
Moreira comentou que o diretor do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde, Antonio Eugenio de Almeida, acompanhou a visita para conhecer os processos relacionados aos padrões de qualidade e a definição de pureza do produto final. Para Almeida, o país precisa de investimentos na área, tendo em vista as grandes e urgentes necessidades de saúde pública nacionais. “O Brasil não pode fugir do que vemos em outros países, com esses medicamentos contribuindo para a saúde das pessoas”, observou o diretor. A chefe de Gabinete da Presidência da Fiocruz, Zélia Profeta, e a vice-diretora de Gestão do Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz), Silvia Santos, participaram da visita.
O Grupo de Trabalho Cannabis Medicinal da Fiocruz considera que há uma janela de oportunidade única para a discussão da certificação, produção e distribuição de medicamentos à base de cannabis, com grande impacto na saúde da população de baixa renda por meio do SUS e de associações de pacientes. Um atraso em participar deste debate pode representar a perda de oportunidade para o SUS, ampliando o fosso que segrega a população mais pobre na falta de acesso a estes medicamentos.
Nota técnica
Em abril, o Programa Institucional de Políticas de Drogas, Direitos Humanos e Saúde Mental da Fiocruz lançou uma nota técnica que aborda as evidências científicas encontradas até o momento sobre tratamentos terapêuticos baseados em cannabis e seus derivados. O objetivo do documento é oferecer subsídios técnicos para as instituições responsáveis pela legislação, regulamentação, pesquisa, produção, padronização, distribuição e uso da cannabis e derivados para fins terapêuticos no Brasil, bem como para a sociedade em geral.
Segundo a nota, um número crescente de pesquisas aponta para o potencial terapêutico de canabinoides, entre eles o canabidiol (CBD) e o delta-9-tetrahidrocanabinol (THC), para diferentes condições clínicas e enfermidades. Essas pesquisas apresentam diferentes níveis de evidência, ou seja, para cada condição existe, no presente momento, maior ou menor robustez científica que comprove a segurança e eficácia da aplicação terapêutica. Os pesquisadores responsáveis pelo documento destacam que algumas pesquisas são conclusivas em apontar a segurança e eficácia dos canabinoides na redução de sintomas e melhora do quadro de saúde para dor crônica, espasticidade, transtornos neuropsiquiátricos e náusea, vômito e perda do apetite ligados ao tratamento com quimioterapia.
Além de detalhar evidências e referências técnicas sobre as condições de saúde acima, a nota técnica ainda reforça a necessidade de se avançar no desenvolvimento de pesquisas no Brasil, com a realização de estudos clínicos de diferentes condições, na capacitação de médicos e outros profissionais de saúde sobre o uso terapêutico da cannabis e derivados. Isso permitirá que possam prescrever e tratar com mais confiança e conhecimento e também na regulação dos produtos à base de cannabis, para que sejam produzidos nacionalmente e distribuídos de forma segura e eficaz.
Para os pesquisadores, “é indispensável assegurar uma regulamentação abrangente e eficiente, que viabilize a produção, prescrição e o acesso gratuito e universal, pelo Sistema Único de Saúde, a uma ampla gama de formas farmacêuticas da cannabis e derivados, sempre respaldadas por evidências sólidas de segurança e eficácia terapêutica”.