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30/08/2005

Demarcação de reserva indígena em Roraima dificulta surgimento de oncocercose

Sarita Coelho


A identificação de um gênero de mosquito capaz de transmitir a oncocercose na vila de Uiramutã, no norte do território indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, reforça a importância da demarcação da reserva, homologada em abril pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Um estudo feito pelo Laboratório de Referência Nacional em Simulídeos e Oncocercose do Instituto Oswaldo Cruz (IOC) revela a possibilidade de se formar no local um foco da doença, que já causou cegueira em quase 100 mil indivíduos na África. "Com a reserva indígena, isso ficará mais difícil, porque não haverá o fluxo de pessoas vindas de localidades onde a doença é endêmica, condição importante para que haja transmissão da moléstia", diz o entomologista Antonio Paulino Andrade de Luna Dias, responsável pelo estudo.


A oncocercose é causada pelo verme Onchocerca volvulus, transmitido pela picada de mosquitos do gênero Simulium, popularmente conhecidos como borrachudos ou piuns. De acordo com o pesquisador, a transmissão da enfermidade não depende apenas da presença dos insetos, mas também da existência de um grupo de pessoas infectadas na localidade. "O infectado deve ter uma carga parasitária significativa, para que as larvas que circulam em seu corpo sejam suficientes para infectar o mosquito. O inseto, por sua vez, também deve ter uma boa capacidade de transmissão", explica Dias. "Já identificamos a presença de bons transmissores naquela região. Se houver um fluxo de pessoas infectadas, especialmente garimpeiros e missionários que transitam na área habitada pelos índios ianomâmi na Amazônia, onde a doença é endêmica, pode se instalar um foco da doença em Uiramutã".


Situada no limite do território Raposa Serra do Sol, a vila de Uiramutã é habitada por cerca de 800 indivíduos, quase todos índios da etnia macuxi. Durante o trabalho de campo no local, Dias coletou larvas e pupas (casulos) de simulídeos nas bacias formadas pelos rios Cotingo, Ailã, Canã e Maú, cujas nascentes se localizam no Monte Roraima. Nesse período, o especialista dormia em um acampamento militar e era freqüentemente picado pelos borrachudos, que depois se tornavam objeto de estudo. O trabalho foi realizado em parceria com o britânico Anthony Shelley, do Museu Histórico Natural de Londres, e faz parte de uma pesquisa maior, que visa a identificar as características simulídeos do Brasil.

Os pesquisadores fizeram estudos morfológicos e cromossômicos nas larvas coletadas e provocaram a eclosão das pupas, para aprofundar no conhecimento sobre as espécies. Entre os insetos que picam os seres humanos, foram encontrados vetores primários da doença, como o Simulim rorotaense, o S. guianense e o S. limbatum. Também foram identificados simulídeos considerados maus transmissores, como o S. oyapockense. As espécies que atacavam os homens com mais intensidade nos arredores da vila de Uiramutã eram o S. clarki e o S. spinibranchium. Segundo o pesquisador, é a primeira vez que se relata este último picando pessoas. Além dos borrachudos citados, foram coletadas algumas espécies que não se alimentam de sangue, como o S. subpallidum, o S. perflavum e o S. critalinum.


A presença de importantes vetores da oncocercose em Uiramutã aumenta a possibilidade de se formar um foco da doença no local. De acordo com o pesquisador, a preservação da reserva indígena diminui essa possibilidade, já que garante um isolamento maior dos índios, portanto, menos contato com pessoas infectadas pela doença.




 

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