20/05/2008
Fernanda Marques
Por meio da literatura científica, Hermann Schatzmayr acompanhava estudos que mostravam o aumento da população do mosquito Aedes aegypti e o avanço dos casos de dengue a partir do Caribe em direção à América do Sul. Em 1985, o virologista, juntamente com um clínico, foi chamado para ver pacientes com exantema (manchas vermelhas no corpo) na Ilha do Governador. Os exames confirmaram que se tratava de rubéola e não de dengue, mas a preocupação com o dengue já não saía da cabeça de Hermann.
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O isolamento do vírus da dengue abriu um novo capítulo na trajetória de Hermann |
Foi quando o virologista ficou sabendo que a Organização Pan-americana da Saúde (Opas) ofereceria na Venezuela, um curso de diagnóstico laboratorial de dengue. Junto à presidência da Fiocruz, ele conseguiu autorização para que a pesquisadora Rita Nogueira viajasse para fazer o tal curso. Em março de 1986, após uma semana na Venezuela, ela já estava de volta ao Brasil com os materiais necessários ao diagnóstico do dengue, como ampolas do vírus e células para cultura.
Rita e Hermann começavam a implantar a metodologia no laboratório da Fiocruz quando receberam uma ligação da Secretaria de Estado de Saúde: algumas pessoas em Nova Iguaçu apresentavam os sintomas do que parecia ser uma doença nova. O soro de oito pacientes foi coletado e levado para análise na Fiocruz. “Era o feriado de 21 de abril. Rita e eu examinando as culturas. Às 15h, tivemos certeza e comunicamos ao Ministério da Saúde: era o dengue 1”, conta Hermann.
Uma epidemia explodiu. Em associação com o Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (Ipec), Hermann participou de uma série de estudos. “Começava um novo capítulo na minha vida profissional”, diz. Durante um curto período em 1981 haviam sido registrados alguns casos de dengue na Região Norte, mas a epidemia começou mesmo no Sudeste, em 1986. Do Rio de Janeiro, a doença se disseminou pelo país, porque toda a costa brasileira estava infestada pelo A. aegypti.
A Fiocruz analisava amostras provenientes de diferentes regiões do país. Poucos meses após o início da epidemia, a equipe de Hermann organizou, a pedido do Ministério da Saúde, o primeiro curso sobre dengue para os profissionais dos laboratórios estaduais. “Rapidamente, uma rede nacional de laboratórios começou a operar”, afirma.
Em Niterói, formou-se um importante grupo dedicado aos aspectos clínicos e epidemiológicos do dengue. As amostras de soro dos pacientes atendidos por esse grupo eram analisadas pela Fiocruz. Então, em 1990, numa dessas amostras vindas de Niterói, a equipe de Hermann isolou o tipo 2 do vírus do dengue. “Era um novo vírus e havia o risco de uma segunda infecção ter maior gravidade, o que de fato foi observado”, lembra. “Com o tipo 1, houve um único caso fatal reconhecido. Com o dengue 2, verificou-se um aumento do número de casos graves da doença”.
Para o diagnóstico do dengue a partir do soro do paciente, havia duas possibilidades: o isolamento do próprio vírus ou a identificação de anticorpos específicos contra esse vírus. Nos anos 90, surgiu um novo método no campo da biologia molecular, o chamado PCR, que detecta o DNA do vírus e possibilita um diagnóstico mais rápido, dentro de 48 horas.
Um grupo dos Estados Unidos foi o primeiro a utilizar o PCR para dengue e publicou um artigo científico, a partir do qual o grupo de Hermann conseguiu reproduzir a técnica no laboratório da Fiocruz. “Logo em seguida, em 1996, oferecemos um treinamento sobre PCR para o pessoal do Brasil e de outros países”, diz. Naquele mesmo ano, com forte apoio da Presidência da Fiocruz, realizou-se o Dengue-Rio, um seminário no qual o Brasil se apresentou à comunidade científica internacional como um centro produtor de pesquisas sobre a doença.
A Fiocruz continuava recebendo amostras para análise de dengue e, no final do ano 2000, no soro de um paciente de Nova Iguaçu, isolaram o tipo 3 do vírus do dengue. “O tipo 3 é muito mais virulento que os outros. Além disso, a resposta do Ministério da Saúde não foi boa. Não houve um plano de ação específico”, opina Hermann. “Então, no verão seguinte, de 2001 para 2002, o Rio de Janeiro viveu a pior epidemia de dengue que o Brasil já conheceu. Foram mais de 230 mil casos e cerca de 90 mortes que, pelo menos em parte, poderiam ter sido evitadas”, avalia. “Realmente, é difícil eliminar o mosquito, encontrado em quase todos os municípios do país. Então, vai continuar havendo casos de dengue, mas morrer de dengue é inaceitável. É imprescindível melhorar a assistência médica aos casos”.
O Rio de Janeiro foi a porta de entrada para os vírus do dengue 1, 2 e 3. E quanto ao dengue 4? “Hoje em dia, com dinheiro, uma pessoa pode chegar a qualquer lugar do mundo em poucos dias. Logo, impedir a entrada do dengue 4 é impossível. A solução é baixar a população do mosquito e fazer a vigilância. O Ministério da Saúde tem uma boa rede de vigilância, onde os laboratórios representam o elo mais estável”, sentencia Hermann.
O dengue 4 já entrou na Colômbia e na Venezuela. No início dos anos 80, ele chegou ao Brasil, por Boa Vista, mas logo desapareceu. No final de 2007, suspeitou-se de um caso em Manaus, mas os exames mostraram se tratar do dengue 3. “Embora menos perigoso que o tipo 3, o tipo 4 também causaria uma epidemia. Na realidade, o dengue vai se transformar em uma endemia, uma doença que está constantemente presente”, avalia o virologista. “Atualmente, em conjunto com o Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Biomanguinhos), estamos tentando um método para diagnóstico rápido que o próprio médico possa realizar, com uma gota de sangue do paciente”, adianta.