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21/12/2007

Dentistas têm muito a contribuir para a saúde de pessoas com síndrome de Down

Fernanda Marques


Aspectos relacionados à saúde bucal de crianças e adolescentes com síndrome de Down foram estudados pela dentista Ana Cristina Borges de Oliveiras em sua tese de doutorado, recém-defendida na Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp) da Fiocruz. A pesquisa incluiu exame clínico odontológico de 112 meninos e meninas de 3 a 18 anos com síndrome de Down, além da aplicação de um questionário para as mães. A avaliação da higiene bucal dessas crianças e adolescentes foi considerada satisfatória em 87% dos casos. Em relação à prevalência de cárie, 37% apresentavam pelo menos um dente cariado. Alguma maloclusão de origem vertical ou horizontal, principalmente mordida aberta e mordida cruzada, foi diagnosticada em 74% dos examinados. Nenhum deles usava ou já tinha usado aparelho ortodôntico.


 A visita ao dentista corre o risco de ficar em segundo plano diante de todos os compromissos médicos que as mães têm com os filhos com síndrome de Down (Foto: Prefeitura de Amparo/SP)

 A visita ao dentista corre o risco de ficar em segundo plano diante de todos os compromissos médicos que as mães têm com os filhos com síndrome de Down (Foto: Prefeitura de Amparo/SP)


Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 5% da população apresentam deficiência mental. Nessa parcela, encontram-se as pessoas com síndrome de Down, considerada uma das anomalias genéticas mais comuns. Ela acomete aproximadamente um entre 600 a 1 mil bebês nascidos vivos. Estima-se que existam cerca de 300 mil brasileiros com síndrome de Down. “Um melhor diagnóstico da realidade bucal dessa parcela da população é uma condição para que sejam implantadas medidas para melhorar a atenção à saúde bucal no Brasil”, destaca Ana Cristina, orientada pelos professores Dina Czeresnia, da Ensp, e Saul Martins de Paiva, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).


Entre outras disfunções comuns à síndrome de Down, as maloclusões têm um impacto elevado e, muitas vezes, acarretam discriminação quanto à aparência facial. Existe uma tendência das maloclusões aumentarem com o avanço da idade do indivíduo com síndrome de Down, provocando alterações de linguagem, mastigação e deglutição. Isso ocorre devido à combinação de vários fatores, como retardo de crescimento craniofacial, disfunção motora oral, alterações dentárias e reduzido tônus dos músculos da boca e da face. “Sem os tratamentos preventivos e terapêuticos, essas alterações orofaciais interagem com as manifestações sistêmicas (doenças cardíacas, infecções respiratórias, deficiências imunológicas e alterações comportamentais) e acabam por comprometer a saúde geral dessa parcela da população”, explica Ana Cristina.


Desenvolvido no Ambulatório de Genética do Instituto Fernandes Figueiras (IFF), outra unidade da Fiocruz, a pesquisa de campo também revelou que o risco de maloclusões foi maior em crianças e adolescentes com síndrome de Down mais velhos, que tinham o hábito de ficar de boca aberta, que roíam unha ou mordiam o dedo e que apresentaram algum episódio de resfriado ou dor de garganta nos últimos seis meses. Segundo o relato das mães, 87% dos meninos e meninas examinados ficaram resfriados no semestre anterior à pesquisa e 39% apresentaram episódios de dor de garganta nesse mesmo período.


Também de acordo com as mães, 68% das crianças e adolescentes participantes do estudo tinham o hábito de permanecer com a boca aberta e 38% costumavam projetar a língua para fora da boca – aspectos que ainda levam muita gente a demonstrar incômodo quando vê alguém com síndrome de Down em um local público. “Apesar de toda a luta no sentido de se promover a inclusão social das pessoas com síndrome de Down, a noção de deficiência ainda gera reações na família e na sociedade que, muitas vezes, apontam essa parcela da população como anormal, incapaz e até inconveniente”, diz Ana Cristina. “Em diversas ocasiões, essa rejeição social está relacionada à aparência estética. Nesse contexto, o indivíduo com síndrome de Down apresentar um aspecto facial harmônico e uma cavidade bucal saudável se torna primordial para seu melhor convívio social”.


A pesquisadora também perguntou às mães se elas já tinham levado seus filhos com síndrome de Down ao dentista pelo menos uma vez. Quase 80% delas responderam que sim, sendo a motivação principal a orientação que receberam de outros profissionais de saúde, como médicos, fonoaudiólogos e fisioterapeutas. “As mães têm uma forte tendência de seguir o que os profissionais de saúde dizem, sempre em busca do melhor para os filhos. Daí a relevância de uma prática de atendimento baseada no cuidado multidisciplinar”, diz Ana Cristina.


Contudo, a visita ao dentista corre o risco de ficar em segundo plano diante de todos os compromissos médicos que as mães têm com seus filhos com síndrome de Down e também por causa da dificuldade de marcação de consultas. “A alta demanda de cuidados odontológicos nessa parcela da população e o número insuficiente de dentistas e serviços públicos direcionados a pacientes com necessidades especiais, muitas vezes, fazem com que esses indivíduos consigam apenas um tratamento curativo e imediato, não tendo acesso a cuidados preventivos nem a um acompanhamento sistemático”, comenta Ana Cristina, que evidenciou essa problemática durante entrevistas mais longas e detalhadas com 19 mães.

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