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01/09/2008

Descoberta abre caminho rumo a um genérico contra as leishmanioses

Fernanda Marques


Em um trabalho que visa, no futuro, desenvolver um medicamento genérico para o tratamento das leishmanioses, pesquisadores da Fiocruz utilizaram um processo alternativo para produzir uma droga chamada antimoniato de meglumina. A substância obtida a partir desse processo foi, então, comparada a um dos medicamentos de marca hoje usados por pacientes com a doença. Os resultados – publicados recentemente no periódico Memórias do Instituto Oswaldo Cruz – mostram que o ingrediente fabricado de forma alternativa e o produto de marca correspondente tiveram resultados semelhantes em experimentos in vitro e in vivo. Esse achado abre caminho para novas investigações rumo a um medicamento genérico nacional para o enfrentamento das leishmanioses a custos menores.


 O parasito causador da leishmaniose em sua forma flagelada

O parasito causador da leishmaniose em sua forma flagelada


“O protozoário Leishmania causa um espectro variável de doenças que afetam 12 milhões de pessoas em todo o mundo”, destacam os pesquisadores no artigo. O tratamento dessas doenças, há mais de 60 anos, consiste em medicamentos à base de sais orgânicos de antimônio pentavalente. Atualmente, há duas formulações de antimônio pentavalente, o estibogluconato de sódio e o antimoniato de meglumina, disponíveis sob a forma de medicamentos de marca. Ambos são administrados por via intravenosa ou intramuscular, usados em doses equivalentes e com eficácia também similar. Um desafio, contudo, se refere ao custo desses medicamentos. "Outro desafio ainda maior é a garantia de disponibilidade do medicamento, pois a indústria farmacêutica freqüentemente ameaça interromper sua produção por se tratar de um produto com baixo retorno financeiro, já que a leishmaniose afeta, sobretudo, indivíduos de baixo poder aquisitivo. Por isso, a leishmaniose é considerada doença negligenciada", explicam os pesquisadores.


Segundo os autores, o tratamento das leishmanioses, que requer injeções diárias durante 20 a 40 dias, pode custar até US$ 200 por paciente. Trata-se de uma quantia considerada elevada para o sistema público de saúde. “Para se ter uma dimensão do problema no Brasil, são realizados no país aproximadamente 38 mil tratamentos anuais”, dizem os pesquisadores. Isto demonstra a necessidade de se desenvolver um medicamento genérico e mais barato para o tratamento da doença. Estudos nesse sentido já vêm sendo conduzidos em países como Sudão, Quênia, Etiópia, Bolívia e Colômbia, resultando em um estibogluconato de sódio genérico equivalente ao medicamento de marca em termos de segurança e eficácia e com um custo inferior a um décimo do valor relativo ao produto de marca.


No Brasil, o Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos) – unidade da Fiocruz responsável por pesquisa, desenvolvimento tecnológico e produção de medicamentos – criou um processo alternativo para produzir o antimoniato de meglumina. A substância produzida em Farmanguinhos foi, então, avaliada na Fiocruz Minas Gerais quanto à sua atividade contra espécies de leishmania de importância médica no Brasil, em comparação ao medicamento de marca.


Foram fabricados quatro lotes da substância em Farmanguinhos e os quatro foram testados em relação à sua atividade contra L. chagasi e L. amazonensis, estando estes protozoários no estágio de desenvolvimento chamado de amastigota. Como os quatro lotes apresentaram resultados semelhantes, apenas um foi usado no teste seguinte, que consistiu na avaliação da substância contra macrófagos (células do sistema imunológico) infectados por L. chagasi, L. amazonensis e L. braziliensis. Por fim, a substância foi administrada, por via intramuscular, a hamsters que exibiam lesões cutâneas provocadas por L. braziliensis.


Tanto nos testes in vitro como nos testes in vivo, a substância produzida em Farmanguinhos obteve resultados similares aos observados para o medicamento de marca. “Novos passos são necessários para completar o desenvolvimento de uma droga”, dizem os pesquisadores no artigo. Esses passos incluem controle de qualidade dos lotes produzidos, análises químicas e estudos de bioequivalência, bem como ensaios clínicos que comprovem a eficácia e a segurança da droga genérica. O artigo é assinado por sete pesquisadores, cinco de Farmanguinhos (Alcione S. de Carvalho, Jorge C. S. da Costa, Silvio L. Duarte, Jorge S. Mendonça e Núbia Boechat) e duas da Fiocruz Minas Gerais (Eliane de Morais-Teixeira e Ana Rabello).


O artigo publicado na revista Memórias do Instituto Oswaldo Cruz está disponível para download. Para acessá-lo, clique aqui.


Publicado em 1º/09/08.

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