21/06/2016
Referência na consolidação e no aprimoramento das políticas públicas voltadas para crianças e adolescentes cronicamente adoecidos, o Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz) reuniu mais de 150 pessoas, entre profissionais de saúde, mães de pacientes internados, representantes do poder legislativo e instituições para um debate sobre condições crônicas de saúde, os entraves da desospitalização e o direito à convivência familiar e comunitária.
Familiares de crianças e adolescentes portadores de doenças crônicas relataram as dificuldades enfrentadas na luta pela desospitalização (Fotos: Peter Ilicciev / CCS)Em sua quinta edição, o Fórum de Políticas Públicas para Crianças e Adolescentes com Doenças Crônicas e/ ou Deficiência e suas Famílias contou com a participação do deputado federal Jean Wyllys, do vereador Paulo Pinheiro, além do presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, da vice-presidente de Ensino, Informação e Comunicação, Nísia Trindade, do diretor do IFF/Fiocruz, Carlos Maciel, do vice-diretor de Atenção à Saúde do IFF/Fiocruz, Carlos Eduardo Figueiredo, do diretor do Centro de Estudos Olinto de Oliveira (CEOO), Antônio Flávio Meirelles, do vice-presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj), Nelson Nahon, do presidente do Conselho Regional de Serviço Social (Cress/RJ), Rodrigo Lima e de outros representantes do Instituto.
O principal objetivo do Fórum foi sensibilizar o Poder Legislativo para a definição de uma agenda de compromissos que visem a elaboração de políticas públicas que facilitem o processo de desospitalização de crianças e adolescentes portadores de doenças crônicas e/ou deficiências associadas.
De acordo com Carlos Eduardo Figueiredo, atualmente, 11 crianças estão internadas há mais de um ano no Instituto devido à necessidade de suporte ventilatório, além de atender outras dezenas que possuem algum grau de dependência tecnológica. Ele ressaltou que esses pacientes poderiam ser beneficiados pelo Programa de Assistência Domiciliar Interdisciplinar (Padi), recebendo o tratamento clínico no domicílio. No entanto, por ser caro, as famílias precisam entrar na Justiça para conseguir que o Estado financie o tratamento.
“É preciso integrar os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, as forças de segurança e a sociedade civil organizada para que o direito dessas crianças e adolescentes sejam garantidos e mantidos. É preciso olhar para essa criança que é pouco ou completamente invisível pela sociedade”, acrescentou Figueiredo.
A coordenadora geral do Núcleo de Apoio a Projetos Educacionais e Culturais do IFF/Fiocruz (Napec/IFF), Magdalena Q. de Oliveira, mencionou as dificuldades enfrentadas pelas famílias. “A luta dessas famílias é muito grande. As mães ficam reféns do hospital, pois seus filhos precisam ficar aqui para viver. Tudo isso gera uma grande instabilidade familiar. Se elas pudessem ficar em casa seria um grande ganho para todos”, disse.
Na oportunidade, Magdalena exibiu um vídeo com um depoimento de uma mãe que enfrenta essa realidade hospitalar há dois anos e dez meses. “O Emanuel já está de alta e precisa do home care para ir pra casa. Tem oito meses que procuramos a Defensoria Pública e o Juiz determinou que o estado e município arquem com as despesas dos aparelhos, insumos, medicamentos e visitas de uma equipe multidisciplinar, até o momento, não tivemos nenhuma posição do município e o meu filho continua no hospital. Já fizemos as adaptações estruturais em casa, fui treinada e capacitada pela equipe do Instituto para cuidar do Emanuel. Estou apta para cuidar dele com segurança, para que isso seja possível, preciso que o estado assuma o seu papel”, relatou Renata, mãe do Emanuel de três anos.
Em seu discurso, o presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, reafirmou o compromisso do Fernandes Figueira na luta em favor dos direitos humanos e a importância de estabelecer uma rede de parcerias com a sociedade e o estado para que a força e a união possibilitem e agilizem o processo de desospitalização. “Ter o paciente em casa faz toda a diferença não só na relação direta do cuidado, mas também na própria forma de preservação da estrutura de vida de um grupo familiar”, enfatizou o presidente. “O engajamento de uma equipe comprometida desenha um cenário de bons frutos. Com o apoio de cada um de nós, essas famílias terão condições de levar os seus filhos para suas casas”, complementou a vice-presidente Nísia Trindade.
Na oportunidade, o diretor do IFF/Fiocruz, Carlos Maciel, ressaltou que depois da portaria Nº 4.159, de 21 de dezembro de 2010 que define o Instituto Fernandes Figueira como órgão auxiliar do Ministério da Saúde (MS) no desenvolvimento, na coordenação e na avaliação das ações integradas para a saúde da mulher, da criança e do adolescente, o Instituto assumiu, com mais afinco, o compromisso de trabalhar as políticas públicas de uma forma mais articulada, coordenada e participativa.
“O nosso papel junto ao Ministério da Saúde é unir forças, a fim de alavancar e trazer a essas crianças e suas famílias um atendimento digno, e que seus direitos não sejam violentados e nem invisíveis”, afirmou Maciel.
A desospitalização e os seus entraves
A política de desospitalização no Brasil ainda é muito imatura, dessa forma, é preciso pensar e trabalhar essa prática com legitimidade e comprometimento. O fortalecimento dos serviços para demandas mais complexas, como cuidados paliativos e ventilação mecânica invasiva; a utilização de protocolos clínicos e de acesso; a incorporação tecnológica; o uso de ferramentas de apoio ao trabalho dos grupos e a formação de uma equipe cuidadora, sobretudo em municípios menores, representam importantes desafios a serem enfrentados.
Paulo Pinheiro e Jean Wyllys defenderam projetos de lei que atendam aos direitos das crianças e de suas famíliasSobre essa perspectiva, a assistente social do IFF/Fiocruz, Mariana Setúbal, que integra a comissão organizadora do evento, fez uma breve reflexão sobre a situação de crianças e adolescentes cronicamente adoecidos, suas longas internações e a batalha diária das famílias nas defensorias públicas em busca dos direitos que estão previstos na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que toda criança tem o direito ao convívio familiar e comunitário. “Temos que trabalhar para que esses pacientes tenham uma vida para além de suas patologias, que tenham o direito à inclusão social. Os desafios são muitos e não podemos nos furtar a eles”, enfatizou.
Para o deputado federal Jean Wyllys, que também integra a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, é preciso promover o diálogo e gerar subsídios legislativos por meio de projetos de leis que assegurem crianças e adolescentes vítimas de doenças crônicas e suas famílias. “Temos o desafio de fortalecer a nossa luta por políticas públicas e de atenção às pessoas que dependem do nosso olhar, da nossa vontade de fazer”, ressaltou o deputado. Já o vereador e membro da Comissão de Saúde da Câmara dos vereadores, Paulo Pinheiro, é preciso que haja cobrança no cumprimento das leis. “As leis precisam ser cumpridas e os responsáveis por elas são os governos, é deles que devemos cobrar”, salientou.
Em 2010, ocorreram a primeira e a segunda edição do Fórum de Políticas Públicas e, desde então, os esforços se multiplicaram e as reflexões e discussões abriram espaços para iniciativas que beneficiam crianças e adolescentes cronicamente adoecidos e suas famílias. Como parte desses avanços, nessa quinta edição, foi apresentado o projeto de lei que busca regulamentar o processo de desospitalização de crianças e adolescentes cronicamente adoecidos.
Contudo, Mariana Setúbal avalia que ainda há muito a ser feito desde aprovação do projeto até a sua aplicação na prática, passando pelas condições de várias questões que envolvem o processo de desospitalização. Segundo ela, o importante é unir esforços para avançar nessas práticas. Neste contexto, a assistente social lançou mão de uma citação conhecida de Dom Quixote para encerrar os trabalhos desta edição. “Mudar o mundo, amigo Sancho, não é loucura nem utopia, mas sim justiça” (Dom Quixote).