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20/12/2007

Detectada descontinuidade na prevenção ao HIV entre usuários de drogas injetáveis

Igor Cruz


Um estudo da Fiocruz avaliou como a descentralização do Programa Nacional de DST e Aids (PN-DST/Aids) do Ministério da Saúde influenciou, no Estado do Rio de Janeiro, a transferência de recursos para os programas de redução de danos, que visam à prevenção ao HIV entre usuários de drogas injetáveis (UDI). Desenvolvida pela pesquisadora Elize Massard, do Programa de Doutorado da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp) e orientadas pelos professores José Mendes Ribeiro e Francisco Inácio Bastos, a pesquisa revelou que, dos 22 programas de redução de danos existentes em 2002, o Rio passou a contar com apenas dois em 2006. A pesquisa foi veiculada nos Cadernos de Saúde Pública.


 Cartaz veiculado no Dia Mundial de Combate à Aids pede que o uso de seringas injetáveis não seja compartilhado (Arte: Jing Zhou) 

Cartaz veiculado no Dia Mundial de Combate à Aids pede que o uso de seringas injetáveis não seja compartilhado (Arte: Jing Zhou) 


Por meio das ações de prevenção à Aids entre UDI no Brasil os usuários têm acesso a seringas novas e estéreis, mediante troca pelas usadas. “O usuário que faz a troca coopera para o sucesso do programa, pois reduz a circulação de seringas potencialmente contaminadas”, explica José Mendes Ribeiro.


Segundo o pesquisador, no Estado do Rio de Janeiro a descentralização do PN-DST/Aids – que só ocorreu efetivamente em 2006 – obrigou os programas de redução de danos a buscarem novas fontes de financiamento. Ao longo dos últimos três anos, embora outras ações de controle da Aids tenham sido beneficiadas pela descentralização, os programas de prevenção ao HIV entre UDI sofreram declínio no volume de recursos transferidos e no número de iniciativas financiadas, “o que pode se traduzir em um retrocesso nas políticas de prevenção ao HIV/Aids entre UDI no estado”, diz o artigo.


Esse processo de descentralização teve início por volta de 2002. Antes, desde 1993, o programa do Ministério da Saúde financiava as ações de prevenção à Aids no Brasil por meio de convênios firmados com estados e municípios. De 1993 a 2002, foram custeados aproximadamente 900 projetos de organizações da sociedade civil, sendo que mais de 180 deles eram de prevenção entre UDI. As principais fontes de recursos eram acordos de empréstimos do Banco Mundial ao governo brasileiro, conhecidos como Aids 1 e Aids 2.


Contudo, esse mecanismo, no qual os recursos eram repassados a iniciativas pré-selecionadas dos estados, municípios e organizações da sociedade civil por meio de convênios e concorrências com o PN-DST/Aids, se mostrou limitado. Um outro arranjo começou a ser delineado em 2002 e, assim, surgiu o Aids 3, que enfatizava a descentralização do financiamento e da administração do programa, transferindo para estados e municípios a responsabilidade de decidir em quais ações investir os recursos. O repasse do dinheiro passou a ser feito pelo Fundo Nacional de Saúde para os Fundos Estaduais e Municipais, em um processo denominado transferência fundo-a-fundo.


A descentralização no Rio de Janeiro fez com que os programas de redução de risco que receberiam financiamento fossem selecionados pelas secretarias municipais e estaduais de Saúde. Os gestores passaram a ter autonomia quanto às decisões de investir ou não nesses programas, o que resultou na descontinuidade das ações de prevenção ao HIV entre UDI. Isso pode significar risco de reemergência da epidemia de Aids entre UDI ou de outros agravos de saúde pública nesta população, como as hepatites B e C e a tuberculose.


No entanto, apesar desse risco no que se refere aos UDI, a descentralização do PN-DST/Aids já trouxe melhora significativa em diversos outros segmentos, como redução da transmissão do HIV de mãe para filho, distribuição de medicamentos e preservativos. “Mesmo em relação aos UDI, embora tenha sido detectada uma descontinuidade inicial, parece já estar ocorrendo uma retomada das ações. Só que ainda é muito cedo para avaliar esse processo”, diz o epidemiologista Francisco Inácio Bastos, do Instituto de Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict) da Fiocruz, que também assina a pesquisa. “Entrevistas com gestores e executores das ações de redução de danos podem contribuir para uma melhor compreensão de como vem se dando a migração dos recursos do governo federal para as esferas estaduais e municipais”, acrescenta Mendes.

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