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15/05/2018

Deus ex Machina: museus hiperconectados com a tecnologia, pouco conectados com a vida

José do Nascimento Junior*


A reflexão sobre a temática proposta pelo Conselho Internacional de Museus (Icom) - Museus hiperconectados: novas abordagens, novos públicos – tema do Dia Internacional dos Museus (18 de maio), que será comemorado nesta sexta-feira, nos leva a algumas perguntas, como: de que tipo de hiperconexão estamos falando? 

Pessoas e as instituições se conectam à tecnologia de forma ilimitada porque ela é uma ferramenta que permite a desconexão das próprias subjetividades, que permite a fuga do pensamento na própria vida. Nos momentos em que estamos sozinhos, no carro, ou em casa, somos obrigados a pensar em nós mesmos, em nossas questões pessoais. Tuitar, postar em blogs, mandar e-mails, torpedos, zaps e outros, evita que façamos essas reflexões. A pessoa ou as instituições que têm dificuldade de lidar consigo mesmas podem se aferrar a essa muleta tecnológica e criar um vício ou ponto de fuga.

É mais fácil tratar as questões como realidades virtuais do que tratá-las na concretude que alguns temas pedem. É o caso da função social dos museus, que não pode estar dissociada das temáticas de inclusão social, das diferenças de classe social, raça, gênero, orientação sexual, enfim, das maneiras pelas quais medimos como uma sociedade de fato incorpora as diferenças no seu contexto social e percebemos o grau de democracia com que determinado grupo social convive. 

Sempre é importante lembrar que dos 3.819 museus brasileiros, 1.854 têm site e apenas 348 estão nas redes sociais, segundo dados do Cadastro Nacional de Museus do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram). A estatística vai de encontro a uma das ações da Política Nacional de Museus: contribuir para que os museus disponham, pelo menos de um site na internet, como forma de democratizar a informação e o acesso aos bens culturais sobre a guarda dessas instituições.

Hoje em dia é quase impossível viver totalmente desconectado, mas a hiperconexão diária pode ser um fator de risco: como sair de casa sem lenço nem documento? Quer dizer, sem levar consigo celular, GPS, iPod, chave do carro, câmera digital, aparatos que intermedeiam o diálogo entre você e o mundo, em outras palavras, que fazem de você um cidadão. Vejamos, por exemplo, a cobertura do wi-fi nas cidades, que se torna uma política pública mais importante a cada dia, tema que sequer era pautado nas gestões governamentais há pouco anos. Nos espaços públicos, notamos que existem mais pessoas curvadas, olhando seus celulares, do que conversando ou observando o que está ocorrendo ao redor. Isso também se reproduz nas instituições, que acreditam que basta estar nas redes sociais para estar conectadas com seu público.

O termo deus ex machina surgiu no teatro grego clássico como recurso dramatúrgico. Ao final das peças, um deus era metaforicamente baixado por meios mecânicos até ao local da encenação para amarrar todas as pontas soltas da história. Em termos modernos, deus ex machina também pode descrever uma pessoa ou uma coisa que, de repente, aparece e resolve um problema aparentemente insolúvel. Nesse sentido, podemos pensar que a hiperconectividade pode ser uma estratégia para incentivar relações mais intensas entre as pessoas e as instituições, mas ao mesmo tempo, estamos perdendo o contato do olho no olho, das expressões, da vivência e da convivência.

Os museus por serem instituições da vida vivida dos seres humanos devem estar hiperconectados com cada cidadão; mais na suas expectativas e perspectivas de vida, e menos nas projeções tecnológicas. 

Deus ex machina, museus são vida.

Viva o dia 18 de maio, Dia Internacional dos Museus!

Viva no Brasil a Semana Nacional dos Museus!

Confira a programação do Museu da Vida para a Semana Nacional de Museus. 

*José do Nascimento Junior é pesquisador da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz). 

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