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13/12/2007

Diet e light: problemas nos rótulos dos produtos podem causar males à saúde


Quase 40% da sociedade brasileira em todos os seus estratos sociais consomem produtos diet ou light, é o que revela pesquisa do Inmetro. Mas quem garante que o que aparece nos rótulos desses produtos é realmente verdade? A dissertação de mestrado em saúde pública, apresentada na Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp) da Fiocruz por Maria Clara Coelho Camara, revela que 100% dos rótulos dos produtos diet e light estão em não-conformidade com o que preconiza as normas sanitárias vigentes. Na entrevista abaixo, concedida por Maria Clara e por sua orientadora no mestrado, Carmem Marinho, ao Informe Ensp, saiba mais sobre esse problema que pode afetar a saúde da população brasileira.


 Maria Clara pretende encaminhar o trabalho para a Anvisa e buscar financiamento para produzir uma cartilha informativa sobre educação nutricional (Foto: Virginia Damas)

Maria Clara pretende encaminhar o trabalho para a Anvisa e buscar financiamento para produzir uma cartilha informativa sobre educação nutricional (Foto: Virginia Damas)


De onde partiu a idéia de fazer um mestrado analisando a rotulagem de produtos diet e light?

Maria Clara Coelho Camara:
Sou formada em nutrição pela Uerj e desde a minha graduação sempre me interessei por essa questão de legislação de rotulagem dos produtos. Quando vim para a Ensp isso pôde se concretizar. Trabalhei inicialmente numa revisão bibliográfica sobre o que já tinha sido produzido sobre o assunto e observei que a produção científica sobre a rotulagem dos alimentos diet e light era muito pequena, antiga ou sob um recorte diferente, por isso resolvi investir na pesquisa nesse campo. Entendo que esses alimentos têm uma ligação ainda mais estreita com a questão da saúde.


E qual a diferença entre diet e light?

Maria Clara:
Produtos diet são aqueles totalmente destituídos de um componente, ou seja, carboidrato, lipídio, proteína ou sódio. Um desses compostos é totalmente eliminado do produto. Já no caso do light, você tem uma redução mínima de 25% de calorias no produto. Além dessa redução relativa, tem que haver uma redução absoluta dos constituintes nutricionais como proteína, lipídio ou carboidrato, caracterizando o produto em "reduzido em" ou "baixo em", de acordo com a nossa legislação.


Então a história do produto light não engordar é falsa?

Maria Clara:
Não, o light não engorda se consumido adequadamente porque tem essa redução de 25% de caloria ou de um dos constituintes nutricionais. O diet não porque ele pode ser destituído de sódio que não tem valor calórico. Então o alimento diet é destinado a pessoas com necessidades biológicas e metabólicas específicas como diabéticos ou hipertensos. Por exemplo, produtos diet em sódio são destinados a pessoas com hipertensão.


O que você apresenta nessa analise crítica da rotulagem? Existem problemas no mercado?

Maria Clara:
Sim, temos muitos problemas. Como comentei anteriormente, fiz uma revisão bibliográfica no site da Capes para verificar o que já havia sido produzido sobre o tema e me deparei com 49 teses e dissertações que mostravam, justamente esse problema quanto à inadequação dos rótulos. Só que a maioria dos trabalhos tratava dos produtos convencionais. Eu resolvi investigar os produtos diet e light por entender que guardam uma relação particular com a saúde pública e, de fato, por incrível que possa parecer, estava pior que os convencionais. 100% dos produtos analisados estavam em não conformidade com a legislação vigente – geral e específica –, sendo que havia mais de uma não conformidade para cada um dos rótulos analisados.


Quantos produtos foram analisados?

Maria Clara:
Foram 75 produtos diet e light em 14 categorias diferentes – sorvetes, creme de leite, sucos, refrigerantes, pão de forma, sobremesa light, leite uht, margarina, maionese, requeijão, doces industrializados, chocolates, geléias e biscoitos.


Você escolhia as marcas dos produtos ou era uma seleção aleatória?

Maria Clara:
Não, tentei abranger o maior número de marcas disponíveis. Analisei mais de uma marca em diferentes categorias e fiz a pesquisa buscando os produtos nos mais diferentes supermercados que pude buscando encontrar o maior número de produtos e variedades possíveis dentro das categorias definidas.


Quais os critérios utilizados para a seleção dos produtos analisados?

Maria Clara:
O critério para escolha das categorias foi estabelecido a partir dos dados de consumo definidos pela associação brasileira de produtos dietéticos para fins especiais (Abiad). Essa associação emite relatórios da evolução do consumo dos produtos light e diet ao longo dos anos no Brasil e essas categorias que eu utilizei são as categorias mais consumidas pela população, exceto os produtos doces industrializados, chocolates e geléias. Eu inclui essa categoria posteriormente porque a quantidade de produtos existentes nas outras categorias estava muito pequena e percebi que poderia incluir esses itens por terem presença marcante no mercado. Os produtos light são, disparado, a maior quantidade de produtos à venda.


Quais são as legislações para os produtos diet e light quanto à rotulagem e o que elas falam?

Maria Clara:
Para os produtos light, é considerada a informação nutricional alimentar determinada pela portaria 027/98 da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) do MS e dos diet, pela 029/98. As portarias informam o que os rótulos dos produtos necessitam conter. Eu encontrei problemas em todos os rótulos. Nos produtos light a maior não conformidade foi a informação nutricional incompleta e ilegível, faltando dados na tabela nutricional. Outro dado igualmente muito comum foi que, a maioria dos rótulos utilizavam letras muito pequenas, quase ilegíveis. não encontrei também o número dos lotes de alguns produtos.


Nos produtos diet a principal inadequação foi a não especificação do nome do sacarídeo, que é a molécula simples de glicose que contribui para elevar a glicemia sanguínea no caso dos diabéticos, além da ausência de justificativa para o uso dos termos diet e light. Como comentei antes, o produto diet tem que especificar no que ele é diet, seja em gordura ou em açúcar, no caso de dietas com restrição de açúcar. Um diabético que consome um produto diet em sódio achando que vai encontrar um produto sem açúcar, pode ser muito prejudicado. Não existe uma fiscalização adequada desses produtos por parte da Anvisa.


Carmem Marinho: A ausência do lote é uma questão muito grave, porque é o lote que permite a rastreabilidade do produto. É o lote que permite o rastreamento do alimento. Se não tem lote, em caso de ocorrência de um problema de saúde pública não há como seguir o produto. É uma falha gravíssima não ter o número do lote nos produtos.


E fazer uma lei como essa gera altos custos para os cofres públicos. Quando um órgão cria uma lei, uma normatização, reúne especialistas daquele assunto, muitas vezes de diferentes estados do país, cria uma comissão que se reúne, discute... enfim, isso tem um custo. Então, o que adianta esse investimento e depois não fiscalizar? É impressionante que esse estudo, realizado pela da Maria Clara, tenha encontrado 100% de não conformidades. Não encontramos nenhum produto dentro da lei. No caso dos alimentos diet é um problema muito grave de saúde pública.


E quase sempre esses produtos têm preços mais elevados que os convencionais.

Carmem:
Exatamente, e os consumidores priorizam esses produtos achando que estão adquirindo um produto diferenciado, seja por ser mais saudável ou por atender às suas necessidades metabólicas. Na verdade, pelo que se viu por esse estudo, isso não é bem assim.


Maria Clara: O Inmetro fez uma pesquisa recentemente e constatou que 35% dos produtos diet e light são consumidos pela classe C, o que é mais grave ainda porque esse grupo, de menor poder aquisitivo, faz um esforço para consumir esses produtos acreditando estar trazendo benefícios para sua saúde, quando nem sempre é verdade. Muita gente também faz confusão achando que fazer dieta é só consumir o produto diet. Muitas vezes os produtos diet são mais calóricos, porque para retirar o açúcar do produto tem que compensar na gordura, que é mais calórica. O diet é mais destinado ao diabético, que até pode ter problemas com a gordura, mas seu objetivo principal é reduzir o açúcar. Quem está fazendo dieta quer ter uma redução de gordura, então nem sempre pode consumir produtos diet.


Outro problema evidenciado pelo estudo foi a ausência da frase determinada pela legislação “consumir preferencialmente sobre orientação médica ou do nutricionista”. Encontrei rótulos que não apresentavam essa frase e isso está determinado por legislação. Ainda com relação aos produtos light foram encontrados desrespeito aos atributos "reduzido em" e "baixo em" porque além da redução relativa, tem que ter a redução absoluta. Outro ponto é que esses produtos são produzidos em comparação aos produtos convencionais e alguns rótulos não indicavam o produto convencional com o qual fora feita a comparação. A informação nutricional dos produtos light tem que ser por cada 100 gramas de produto pronto, enquanto que dos produtos convencionais é por porção. Esse inclusive é o único aspecto em que discordo da legislação, penso que a população em geral entende melhor por porção e não por 100 gramas de produto. Aproximadamente 65% dos produtos light da minha pesquisa encontravam-se por porção e não por gramas.


Que tipo de produto você encontrou com esse problema?

Maria Clara:
Produtos achocolatados comparando a gramatura do light inferior à gramatura do convencional. Ou seja, compara uma menor quantidade do light com uma maior quantidade do convencional, sendo então obvio que haverá uma redução no light. Ao final, não faz tanta diferença consumir um ou outro. A legislação determina que em casos como esses tem que haver destaque de que a comparação não é em quantidades exatas.


Em sua pesquisa você analisou só a rotulagem. Chegou a fazer alguma analise laboratorial para se o produto realmente continha os valores especificados?

Maria Clara:
Não, fiz uma analise dos rótulos na perspectiva das determinações da legislação.


Carmem: A análise dela foi sob duas perspectivas: A legislação geral e a legislação especifica, porque os produtos diet e light ficam submetidos a ambas, envolvendo o Ministério da Agricultura e a Anvisa.


Maria Clara: Os produtos de origem vegetal são fiscalizados pela Anvisa e os de origem animal pelo Ministério da Agricultura. Trabalhei com as duas e identifiquei 100% de problemas em relação ao cumprimento das duas legislações. Encontrei ainda um produto, há quase um ano, com o registro vencido que permanece disponível para compra.


Com todas essas informações, o que você pretende fazer agora? Alguma denúncia para a Anvisa?

Carmem:
Pretendemos encaminhar o trabalho para a Anvisa e buscar, junto a Editora Fiocruz e outras , financiamento para fazer uma cartilha informativa sobre educação nutricional, particularmente com informações sobre a importância do consumidor verificar o rótulo, ler suas informações e ser capaz de compreendê-la. A cartilha vai ensinar as diferenças entre diet e light, o que significam as informações nutricionais nos rótulos e esperamos que possa ser útil para a população.


Maria Clara: Exatamente, até porque na revisão bibliográfica que fiz, muitas teses na Capes apontavam para isso, que a população não compreende a linguagem utilizada nos rótulos, por ser uma linguagem muito técnica.


Você já sofreu algum problema de saúde com o consumo de produtos com rótulos inapropriados?

Maria Clara:
Por incrível que pareça, sim. Já sofri com a minha mãe. Ela é diabética e na Páscoa deste ano eu comprei um ovo de páscoa diet. Eu olhei o rótulo e estavam as informações completas, incluindo um carimbo da Associação Nacional de Assistência ao Diabético(Anad). Após o consumo do ovo ela teve A glicemia aumentada. Enviei carta e e-mails para o fabricante do ovo e para a Associação, mas ambos ignoraram minha reclamação.


Carmem: Uma recomendação da dissertação da Clara é que é necessário que o consumidor possa entender o rótulo e o que significa aquilo tudo, para que ele próprio possa contribuir na vigilância. Quando o consumidor atentar para a importância do rótulo e o significado das informações que apresenta talvez deixe de consumir produtos sem lote ou registro, e assim forçará empresas e órgãos responsáveis por fiscalizar a cumprirem a legislação.


De acordo com a legislação esses produtos deveriam ser retirados do mercado, correto?

Maria Clara:
Sim, deveriam.


Você já pensa em doutorado seguindo essa mesma linha?

Maria Clara:
Penso sim, mas em uma linha um pouco diferente. Porque nessa análise que fiz da revisão bibliográfica, identifiquei também a questão da rotulagem dos organismos geneticamente modificados e para o doutorado estou pensando em trabalhar com os transgênicos.


Carmem: O problema nesse caso é muito maior. Existe uma lei, desde 2003, que determina que todos os produtos elaborados a partir de derivados de organismos geneticamente modificados tragam em suas embalagens essa informação que é designada por uma letra T em caixa alta e na cor amarela. Mas isso até o momento não é cumprido. ou seja, não se respeita o código de defesa do consumidor, o consumidor não tem o direito de decidir se quer ou não consumir transgênicos. Podemos ainda nos deparar com um problema de saúde pública de difícil solução, uma vez que ainda não existem estudos suficientes sobre esses alimentos, particularmente no âmbito da segurança alimentar.

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