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10/08/2006

Diretor da Ensp comenta os desafios da Política Nacional de Promoção da Saúde após a primeira reunião do Comitê Gestor













André Az/Fiocruz


Representante permanente da Fiocruz no Comitê Gestor da Política Nacional de Promoção da Saúde, instituído pelo MS, o diretor da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp), Antônio Ivo de Carvalho, diz em entrevista ao Informe Ensp que o objetivo do grupo é articular todos os procedimentos voltados para promover a saúde, de acordo com a Política Nacional de Promoção da Saúde, aprovada este ano. O Comitê Gestor foi instituído em 2005 e seus membros, nomeados em maio deste ano, acabam de fazer a sua primeira reunião. Fazem parte representantes das secretarias de Vigilância Sanitária, de Atenção à Saúde, de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, de Gestão Participativa, de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do MS, da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), do Instituto Nacional do Câncer (Inca), da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e da Fiocruz. A seguir, Carvalho comenta as atribuições do Comitê Gestor, os desafios da Política Nacional de Promoção da Saúde, o conceito da promoção da saúde e a terceira revolução da saúde pública.


O que é a Política Nacional de Promoção da Saúde?

Antônio Ivo de Carvalho: A promoção da saúde é um conceito que ganha cada vez mais importância na saúde pública, porque se baseia no esforço de promover a saúde, e não apenas evitar ou curar doenças. Trata de fatores que geram saúde, por isso se chama promoção da saúde. Está ligada à qualidade de vida, à idéia de que a promoção da saúde depende de um conjunto de fatores que permitem o acesso do cidadão a uma boa educação, a um salário razoável, a um trabalho digno, morar bem, entre outros fatores. Tudo isso está na Constituição brasileira. O desafio em nível federal é propor uma política transversal, integrada e intersetorial, que articule as diversas áreas do setor sanitário, os outros setores do governo, os setores privado e não-governamental e a sociedade, compondo redes de compromisso e co-responsabilidade em relação à qualidade de vida da população. O objetivo da Política Nacional de Promoção da Saúde é promover a qualidade de vida e reduzir vulnerabilidade e riscos à saúde relacionados aos seus determinantes e condicionantes: modo de vida, condições de trabalho, habitação, ambiente, educação, lazer, cultura, acesso a bens e serviços essenciais.


Qual o papel do Comitê Gestor da Política Nacional de Promoção da Saúde?

Carvalho: O Comitê Gestor tem a finalidade de articular dentro do Ministério da Saúde todos os procedimentos voltados para produzir saúde. Para 2006 e 2007 a prioridade são as ações voltadas para a divulgação e implementação da Política Nacional de Promoção da Saúde; estabelecer estratégias de alimentação saudável; desenvolver estratégias de práticas corporais e atividades físicas; prevenção e controle do tabagismo; redução da taxa da morbi-mortalidade em decorrência do uso abusivo de álcool e outras drogas; enfrentar os problemas dos acidentes de trânsito; combater a violência e estimular a cultura da paz e promover o desenvolvimento sustentável.


Já existe iniciativa para a implementação de pelo menos uma dessas estratégias?

Carvalho: Algumas iniciativas já foram lançadas, como o programa do Ministério da Saúde sobre tabaco. Essa é uma das tarefas do comitê. A idéia é que o comitê se articule com as esferas estadual e municipal de maneira que programas como esse sejam incluídos no Pacto de Gestão que, junto ao Pacto em Defesa da Vida e ao Pacto em Defesa do SUS, integra a Agenda de Compromisso pela Saúde, definida pelo Ministério da Saúde em setembro de 2005. Trata-se de um novo arranjo entre as esferas de governo. O comitê deverá interagir e se articular com as três esferas para que elas assumam as oito grandes ações já citadas. Essas ações-alvo do comitê têm desenvolvimento desigual no país. Algumas estão iniciando, como a ação contra acidentes de trânsito, mas todas são intersetoriais - característica da promoção da saúde. O comitê é do Ministério da Saúde, mas sozinho não pode fazer nada. O grande papel do Comitê Gestor da Política Nacional de Promoção da Saúde é se articular com setores como transportes e educação e com outras esferas governamentais para que se possam criar programas de promoção da saúde. As oito ações priorizadas pelo comitê têm complexidades diferentes. A última, por exemplo, de desenvolvimento local, parte da compreensão de que não basta fazer programas específicos; a promoção também deve se preocupar em criar programas de integração local para que aquela população possa se beneficiar de programas articulados entre os diversos setores da sociedade. Portanto, os programas de desenvolvimento local são compostos por diversas políticas desses setores.


Como essas ações de promoção da saúde serão financiadas?

Carvalho: As fontes da saúde, município etc. Hoje, o SUS financia municípios que estabelecem programas de ambientes livres de tabaco. O município recebe um financiamento do Ministério da Saúde para organizar essa política. Também é papel do comitê identificar fontes de financiamento para poder apoiar programas nessa direção. Com o município funciona da mesma forma. A atividade do comitê pode representar uma mudança muito grande, dinamizando o processo.


Por onde o comitê dará início às suas atividades?

Carvalho: O comitê está começando suas atividades com quatro tarefas. Uma delas é a elaboração de um documento sugerindo a introdução no Pacto de Gestão do tema promoção da saúde, porque hoje o Pacto de Gestão só fala em comportamento individual. Esse documento será encaminhado aos municípios e estados. Outra tarefa é iniciar imediatamente - e a Ensp vai liderar o processo - um sistema de formação de profissionais e usuários para promoção a saúde. Estamos fazendo um levantamento de todas as universidades que oferecem curso de promoção na tentativa de montar um sistema nacional como facilitador de promoção permanente. A terceira tarefa é elaborar propostas de linhas de financiamento cabíveis para esse caso. A quarta tarefa é fazer um levantamento de todos os produtos industriais ou práticas comerciais que são indutores de maus hábitos. A proposta é reverter a prática das indústrias. No caso do tabaco, há um quadro internacional que prevê a erradicação das plantações de fumo. Vários paises estão fazendo isso. Tem toda uma discussão técnica sobre cada um desses procedimentos. Os avanços da ciência são muitos, mas as crenças precisam ser combatidas a partir de evidências, de políticas.



Quais são as inovações e os desafios da Política Nacional de Promoção da Saúde?

Carvalho: A inovação, grosso modo, é a introdução de práticas em políticas públicas e no comportamento individual que sejam favoráveis à saúde. O comitê tem o objetivo de divulgar práticas desse tipo e estimular a sua realização. O principal desafio é conseguir estabelecer regulação e legislação que envolvam mudanças de práticas nas indústrias e no comércio. Por exemplo: só conseguiremos controlar o diabetes, que hoje atinge 10% da população brasileira, se alterarmos o perfil dos alimentos industrializados se conseguirmos reduzir a quantidade de açúcar e de ácidos graxos nos alimentos. O hipertireoidismo foi controlado no país, por exemplo, quando se colocou iodo na água. Na água de beber, a introdução do flúor reduziu as cáries. Mesma coisa é o sal de cozinha, enriquecido com iodo. É uma imposição. Esta é a terceira revolução da saúde pública. A primeira foi a dos antibióticos, a segunda foi a das doenças crônico-degenerativas, que exigem uma mudança de comportamento, e essa agora, que é a saúde pública fazendo com que a indústria incorpore mudanças.



Hoje, um dos grandes problemas do SUS é a assistência básica. A atuação no campo da promoção da saúde seria uma alternativa para desafogar a assistência básica e tornar este tipo de atendimento a porta de entrada no sistema?

Carvalho: O próprio atendimento básico também é uma mudança cultural. As pessoas precisam mudar comportamentos, os governos precisam ter outras atitudes e a atenção básica é uma estratégia para levar essa nova cultura. É verdade que se você consegue deslocar todo o sistema de saúde da atenção ao doente para a produção da saúde, você diminui o número de doentes. Mas a doença sempre existirá. Atualmente, temos muito mais doenças degenerativas porque fomos vitoriosos em combater as causas de mortalidade infantil, pela educação, pela extensão de acesso ao serviço. As pessoas estão vivendo mais e as doenças degenerativas são mais caras e mais letais. Também não é só evitar a morte das pessoas, mas fazer com que a vida tenha melhor qualidade. Que o idoso possa ter um apoio de saúde mental adequado para que ele não se deprima. Um dos princípios da promoção da saúde não é colocar mais tempo na vida, mas colocar mais vida no tempo. O objetivo é dar autonomia aos indivíduos para que eles vivam a melhor vida possível, seja um idoso, um deficiente ou qualquer pessoa. Numa emergência, por exemplo, tentamos salvar vidas. E o objetivo é fazer com que o sujeito, em semi-coma, por exemplo, tenha sua dor e seu estresse reduzidos. Isso também é promoção da saúde. É uma mudança profunda que centra a ação na construção da autonomia. Fruto de um aparato de políticas e também de mudança cultural.


Qual é o papel da Ensp?

Carvalho: Há muito tempo, a Ensp adota essa concepção de saúde, não só como ausência de doença, mas como a construção de um estado que permita a autonomia, viver a vida em grupos. Também defendemos a idéia de que isso não é alcançável pelo acesso ao serviço de saúde. Pretendemos ser uma instituição de dianteira nessa mudança de paradigmas nas políticas públicas pela saúde. Temos diversas teses trabalhando com essa idéia. Na verdade, a saúde pública depende cada vez mais dessa verdade. Cada vez menos ela é o ataque a micróbios, o ataque à transmissão. É um processo de mudança cultural e de implementação de políticas públicas. Queremos estar totalmente envolvidos com isso. Já temos diversas disciplinas na área da promoção da saúde e em 2007 teremos o primeiro curso de especialização em promoção da saúde e desenvolvimento social, que será o carro-chefe para formar pessoal nessa área.


A população, nesse caso, é fundamental, porque sua mobilização também ajudará a fazer com que as indústrias atuem de acordo com critérios estabelecidos.

Carvalho: É uma cadeia de acontecimentos. Não podemos proibir as pessoas de beber ou fumar; elas têm que saber que podem fazer isso, mas não podem incomodar os outros. A saúde pública caminha por aí. Está mais voltada para os comportamentos, as dinâmicas da sociedade, na intervenção para garantir autonomia de opções, mas também atua no favorecimento da autonomia para que o indivíduo possa viver sua vida e se proteger dos riscos.

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