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27/06/2012

Dissertação aborda o pensar e o agir das mulheres alcoolistas

Fabíola Tavares


Rosa começou a fazer uso do álcool socialmente em festas e fins de semana, entre amigos e familiares. O abuso do álcool se deu com a morte do seu pai e provocava prazer, tristeza e baixa autoestima ao mesmo tempo. Para ela, o alcoolismo é um comportamento previsto para o homem, mas não para mulher. A recuperação da autoestima e da companhia dos parentes só foi conseguido com ajuda profissional, após perceber que sozinha não resolveria o problema. A história de Rosa poderia ser a de qualquer alcoolista. Embora seja uma ficção, ela traz em seu conteúdo algumas das representações sociais e comportamentos que caracterizam a vivência dessas mulheres envolvidas com o consumo excessivo do álcool e a busca pela reabilitação. O preconceito sofrido por elas, as perdas afetivas como causas do aumento da ingestão de bebidas alcoólicas e o isolamento social são alguns dos dados identificados pelo estudo que teve por objetivo compreender como esse grupo interpreta suas experiências em relação ao alcoolismo e qual o caminho escolhido para a recuperação.


 O estudo buscou identificar as motivações, as consequências e as situações de uso do álcool

 O estudo buscou identificar as motivações, as consequências e as situações de uso do álcool





A pesquisa, realizada com pacientes assistidas em um Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Outras Drogas (Caps-ad) do Recife, foi desenvolvida pela psicóloga Maria das Graças Borges.  Ela concretizou o estudo durante o mestrado em daúde pública na Fiocruz Pernambuco, sob a orientação da pesquisadora Tereza Lyra. Maria das Graças analisou prontuários e entrevistou pacientes com diagnóstico de alcoolismo – sem outras dependências químicas – e idade entre 47 e 68 anos. A maioria é católica, com ensino fundamental incompleto, solteira, chefe de família, com filhos, mora sozinha e tem renda superior a um salário-mínimo e meio.


A análise de como elas pensam e vivem essa experiência em suas vidas foi dividida em três eixos: afetivo, cognitivo e conduta. No afetivo a proposta foi identificar os sentimentos e as avaliações pessoais e sociais sobre essa questão. Todas disseram sentir prazer, tristeza, preconceito e solidão em relação ao consumo do álcool. Inicialmente a substância age como um estimulante deixando-as eufóricas, mais sociáveis, com sensação de prazer. Faz esquecer o que as levou a essa situação. Num segundo momento, diminui a autocrítica; prejudica a coordenação motora, deixando o andar cambaleante, a voz “enrolada”; além de causar mal estar físico, como dores de cabeça e náusea.


É justamente quando esse quadro se torna uma constante que parentes e amigos se afastam, provocando solidão. “A sociedade discrimina mais a mulher do que o homem alcoolista. Entre elas mesmas há a opinião de que é mais vergonhoso para uma mulher fazer uso excessivo de bebidas alcoólicas. Elas reproduzem a ideia da sociedade de que é aceitável um homem beber em excesso, mas uma mulher não”, afirma Maria das Graças. De acordo com ela, os homens recebem mais apoio da família para procurar tratamento, enquanto elas recebem mais apoio das amigas. “Pelo fato de não terem o apoio da família nesse processo a solidão aumenta e as chances de recuperação diminuem”.


Dentro do campo cognitivo, buscou-se identificar as motivações, as consequências e as situações de uso do álcool. As perdas de familiares próximos, as separações conjugais e os sentimentos de angústia e depressão foram apontados como razões para o vício. Já entre as consequências foram relatados o isolamento social, a depressão e a baixa autoestima; problemas clínicos, como a hipertensão e a anemia; a falta de estímulo para viver e o comprometimento da vida profissional. Outra revelação nesse campo foi a mudança do ambiente de ingestão da bebida alcoólica. A maioria delas relatou beber em público – bares e festas. Antes elas costumavam beber dentro de casa. Essa mudança pode ser atribuída à conquista da igualdade de direitos entre as pessoas de ambos os sexos.


Em relação ao eixo comportamento, a autora do estudo procurou entender as experiências delas no processo de recuperação e de tratamento para o alcoolismo. Ao se assumirem alcoolistas elas primeiro tentam superar o vício sozinhas. Ao não conseguirem, por causa das crises de abstinência, recorrem a outros meios (ajuda das amigas, alcoólicos anônimos, religião e ajuda médica). A última opção de tratamento é o serviço especializado, como o Caps-ad. No caso da ajuda médica, chama atenção o fato de que os médicos não costumam atentar para a questão do alcoolismo entre esse público. “Eles entendem que a mulher bebe socialmente e essa não é uma patologia entre elas. É preciso capacitar esse profissional, em todos os níveis de atendimento, para o diagnóstico do alcoolismo entre as pessoas do sexo feminino”, defende a psicóloga.


Quanto ao tipo de tratamento, a maior parte delas optou pela estratégia de redução de danos ao invés da abstinência total. Nessa escolha, elas deixaram de tomar bebidas com maior teor alcoólico, como a cachaça, que relacionam mais ao alcoolismo, e se afastarem do convívio de usuários abusivos. Diante dos achados do seu estudo, a autora conclui que a abordagem do alcoolismo feminino deve incluir questões individuais, familiares, socioculturais e de gênero, de forma sistêmica. “Qualquer intervenção que privilegie unicamente uma dessas perspectivas em detrimento das outras terá um caráter reducionista”, avalia.


Publicado em 26/6/2012.

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