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30/05/2008

Dissertação analisa como crianças percebem a teoria da evolução

Renata Moehlecke


As noções relativas à teoria evolutiva, de suma importância para o ensino de biologia, trazem obstáculos para professores no ensino do tema em escolas do mundo inteiro. “No entanto, há ainda poucos estudos que busquem entender melhor a concepção e a percepção que os jovens têm sobre o tema, especialmente no cenário brasileiro e no que se refere ao público infantil”: é o que afirma o biólogo Chrystian Carletti, em dissertação recém-defendida em ensino de biociências e saúde pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC) da Fiocruz. O pesquisador investigou percepções que as crianças possuem sobre questões relacionadas à teoria da evolução, além de comparar as visões sobre o assunto entre crianças economicamente favorecidas e desfavorecidas.


 O desenho do estudante Manoel representa um tiranossauro rex tentando comer outro dinossauro, três palmeiras e uma grama

O desenho do estudante Manoel representa um tiranossauro rex tentando comer outro dinossauro, três palmeiras e uma grama


Para a análise, o pesquisador realizou cinco grupos focais, cada um com cerca de 8 participantes de 10 anos de idade, na zona Sul do Rio de Janeiro, na Gávea, em duas comunidades da Maré e no bairro de Icaraí (Niterói). A escolha da faixa etária se baseou no fato de as crianças, nesse período, ainda não terem tido contato formal com o conteúdo abordado. “Isto nos permitiria avaliar as concepções sobre o tema desses estudantes oriundas de contextos não-formais, como a mídia e a família”, explica o estudioso. Durante as atividades, que incluíram discussões em torno de animais de borracha, elaboração de um desenho-história e redação de uma carta coletiva, foram verificados os conhecimentos em torno das noções de diversidade e classificação de espécies e tempo geológico da Terra.


Segundo Chrystian, foi possível perceber que os estudantes possuem conhecimentos sobre a classificação básica dos animais (artrópodes, peixes, anfíbios, répteis, aves e mamíferos). “Quase todas as crianças parecem saber utilizar bem critérios de classificação para fazer a separação dos animais em grupos”, comenta. O pesquisador ressalta que as crianças do estudo, em geral, pareciam estar familiarizadas com o termo evolução e o associaram com transformação nos animais, aplicando corretamente a palavra, mas sem saber explicar seu significado. “As crianças, em grande maioria, parecem ter uma boa noção de que os animais podem sofrer mudanças ao longo do tempo, mas, por outro lado, nem sempre têm claro que as mudanças são em nível de espécie, não de indivíduos”.


Em relação à questão do tempo geológico do planeta, as crianças não demonstraram ter uma idéia clara sobre o assunto. “Elas possuem noção de que a Terra é antiga, mas não sabem dizer o quão antiga ela é. Os termos ‘bilhões’, ‘milhões’ e ‘milhares’ de anos parecem ser utilizados sem que as crianças realmente possuam a noção de quanto tempo isso realmente representa”, esclarece o biólogo. “Algumas crianças confundiram a idade da Terra com a de Jesus Cristo, afirmando que o planeta tem 2007 anos”. Chrystian também constatou que os estudantes conhecem algumas teorias científicas, como a explosão do Big Bang, a separação dos continentes e a queda do meteoro que extinguiu os dinossauros. “Interessante é que essas teorias foram mencionadas espontaneamente, sem qualquer influência do moderador”.


Outro fator apreendido é que a mídia parece influenciar as concepções que as crianças têm sobre a pré-história.  “Muitas das informações que elas recebem sobre evolução advém da mídia (desenhos, filmes, documentários, revistas) e são, na maioria das vezes, direcionadas para adultos”, elucida o pesquisador. “Isso pode dificultar o entendimento das crianças sobre o assunto e levá-las a criar concepções errôneas”. Segundo Chrystian, “os dados sugerem ainda que evolução e conteúdos relacionados são um tema que interessa ao público infanto-juvenil e, portanto, tais produtos de divulgação científica, se concebidos de forma atraente e adequada, seriam bem sucedidos”.


O estudo também permitiu verificar que a diferença sócio-econômica entre os estudantes analisados não influenciou os resultados obtidos, que foram bem semelhantes. Um único grupo mostrou divergências, mas essas eram relacionadas a questões culturais ou mais especificamente religiosas. “A compreensão da teoria da evolução é fundamental para compreendermos questões como a preservação ambiental e as conseqüências do uso desenfreado da água e de outros recursos naturais. Por isso, é importante que desde pequenos comecemos a ter noção do que é e de como funciona”, comenta o pesquisador. “É interessante também que os educadores saibam como trabalhar esse tema na escola, de modo que as crenças religiosas dos alunos sejam respeitadas, ao mesmo tempo em que aprendem a teoria evolutiva”.

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