05/10/2017
Paulo Gadelha e Richarlls Martins*
Em 25 de setembro de 2015, durante a 70ª Assembleia Geral das Nações Unidas, foi aprovada a Agenda Global 2030, materializada nos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). A Cúpula das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável de setembro de 2015 marcou um ciclo de negociações de mais de dois anos que, em interlocução com a Agenda de Ação de Addis Ababa (AAAA) – produto final aprovado na 3ª Conferência Internacional de Financiamento para o Desenvolvimento, que ocorreu em julho do mesmo ano na Etiópia – e com a COP 21, realizada em dezembro de 2015, fechariam o processo de institucionalização de um novo ciclo no campo multilateral.
A Agenda 2030 é universal, indivisível, integrada e “aspiracional”. Integra as dimensões econômica, social e ambiental e sintetiza em seu lema central – Ninguém deixado para trás – a ideia-força da equidade na busca de atingimento dos princípios diretores voltados para Pessoas, Planeta, Prosperidade, Paz e Parcerias (5 Ps). Adotá-la como referência maior significa reforçar esses valores e reconhecê-los como objeto de disputa de sentidos e formas diferenciadas de sua tradução em práticas.
Nestes dois anos de aprovação da Agenda 2030 o cenário internacional e o ambiente doméstico nacional para implementação dos postulados que constituem os ODS apresentam intensas dificuldades para o cumprimento dessa agenda. A crise econômica mundial, a reversão do ufanismo da hiperglobalização para o nacionalismo protecionista e o escalonamento de conflitos internacionais se refletem no enfraquecimento de mecanismos de diálogo entre os países e dos fóruns multilaterais. Uma análise atenta da arena multilateral revela a complexidade das tensões em disputa, que se acentuam especialmente nas negociações sobre os pontos referentes à ampliação de uma agenda de direitos e às políticas de equidade.
Em nosso país, esse tema adquire centralidade sobre os rumos do projeto nacional em decorrência da dissolução de direitos e desmonte de políticas de desenvolvimento inclusivo que decorrem da forma como o ajuste fiscal está sendo implementado.
A Agenda é uma diretriz normativa de política para os estados-membros das Nações Unidas e tem como eixo condutor o caráter holístico de seus objetivos e metas. Neste sentido, os desafios para sua integral implementação são enormes e inscrevem-se num contexto de urgência pragmática de eclosão de novos modelos de desenvolvimento que, embasados na sustentabilidade e nos direitos humanos, são as diretrizes fundantes do marco conceitual aprovado há dois anos.
O temário do direito humano à saúde e da equidade, especificado no ODS 3 – Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades – e presente de forma transversal nos demais dezesseis pontos, exige a construção de novos padrões de produção e consumo no qual o desenvolvimento inclusivo, integral e sustentável assuma centralidade em todos os processos políticos e decisórios. Neste sentido, ampliando a análise sobre a realidade brasileira, nossas fraturas para a implantação da Agenda são enormes e dialogam fortemente com a garantia constitucional do direito universal à saúde e a efetivação do Sistema Único de Saúde (SUS).
A matriz histórica da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) lastreia-se na atividade científica e de inovação integrada a visões sobre saúde e desenvolvimento, construção nacional e papel do Estado. Reconhecendo esse legado e sua relevância para o direcionamento da missão institucional, a presidente Nísia Trindade Lima constituiu a Estratégia Fiocruz para a Agenda 2030 que, por meio do diálogo crítico com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentáveis, será um instrumento de direcionamento das políticas institucionais, reafirmando para os tempos presentes e a prospecção de futuro as bases conceituais da Saúde Coletiva e da Reforma Sanitária, que deram origem à incorporação do direito à saúde em nossa Constituição e ao SUS.
Passados dois anos da aprovação dos ODS, há uma grande defasagem em relação aos compromissos assumidos, tanto no nível global como no âmbito nacional. A criação de fóruns, organismos e iniciativas nacionais e locais para a tomada de consciência e implementação da Agenda 2030 faz-se indispensável e exige rearranjos institucionais e implementação de políticas mais justas e equitativas que respondam às demandas sociais em saúde.
Dentre os principais desafios que marcam os ODS estão a compatibilização dos objetivos e metas globais com as políticas públicas municipais. Primeiro, encontra-se a fundamental tarefa de construção de capacidades dos atores locais, sobretudo a partir de instituições regionais que ficariam responsáveis por refletir entendimentos mais próximos daquela realidade. Neste sentido, precisamos enfrentar a persistente desigualdade regional ainda presente no cenário nacional e a organização do SUS. O acúmulo de construção com base na estruturação tripartite e os mecanismos de controle social deliberativos em saúde vigentes na totalidade dos municípios são instrumentos que precisam com urgência ser explorados para ampliar a indução da agenda ODS nos territórios.
Após dois anos, o principal desafio para difusão da Agenda 2030 no campo da saúde ainda é visibilizá-la e torná-la significativa para o conjunto de atores e atrizes sociais diretamente envolvidos em sua implementação e integrá-la a uma consciência cidadã que lhe dê suporte. Mapear e estudar com maior precisão as realidades locais, para que se possa ter uma visão mais apurada do que estados e municípios e grupos sociais específicos necessitam no que tange às políticas de saúde em vinculação com os ODS é o norte, bem como gerar boas experiências que possam ser replicadas.
A Agenda ODS é uma agenda do Estado brasileiro que, para além dos arranjos governamentais conjunturais, apresenta um mandato de compromisso global. Na construção deste processo as redes e organizações da sociedade civil brasileira são centrais para a indução de mecanismos de governança, nos quais a implementação dos ODS seja efetivamente participativa, ambiciosa, transparente, universal, integral e com equidade. Neste aniversário de dois anos da aprovação da Agenda 2030 pela Assembleia Geral da ONU os desafios para sua efetiva implantação na realidade brasileira são enormes. Contudo, há um acúmulo no pensar e fazer saúde em âmbito nacional e local nas últimas décadas que precisa ser explorado e amplificado enquanto condição indispensável à realização dos valores da Agenda 2030 e dos compromissos assumidos.
*Paulo Gadelha foi presidente da Fiocruz e atualmente coordena a Estratégia Fiocruz para a Agenda 2030. Integra o Grupo dos 10, convidado pelo secretário-geral da ONU para promover a integração da Ciência, Tecnologia e Inovação e os ODS. Richarlls Martins é coordenador da Rede Brasileira de População e Desenvolvimento (REBRAPD), membro do Grupo de Trabalho da Sociedade Civil do Brasil para a Agenda 2030, conselheiro do Conselho Nacional de Saúde 2012-2014 e membro das delegações brasileiras na 3ª Conferência Internacional de Financiamento para o Desenvolvimento, na Cúpula das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável e na COP 21.