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12/12/2007

Educação em saúde estimula adesão positiva ao tratamento de tuberculose

Isis Breves


Para se curar da tuberculose a profilaxia é de seis meses. Um longo período para um tratamento e que pode contribuir para o abandono da terapia, porque a partir do segundo mês tomando a medicação o paciente não sente mais os sintomas da doença. Mas interromper a medicação favorece o desenvolvimento de bacilos multirresistentes aos antibióticos, o que torna a terapia mais complexa e mais longa com o emprego de um número maior de drogas que, conseqüentemente, aumentam os efeitos adversos e favorecem a falta de estímulo para levar o processo até o final. O Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (Ipec) da Fiocruz, por uma pesquisa de mestrado, avaliou os motivos desse abandono e mostrou que estratégias educativas favorecem a adesão.


 Atendimento a paciente com tuberculose no Ipec

Atendimento a paciente com tuberculose no Ipec


“A partir do segundo mês de tratamento, quando os sinais da doença desaparecem, muitos pacientes acreditam estar curados e abandonam o tratamento. Quando interrompido o tratamento, o indivíduo pode voltar a ter a doença da forma mais grave e desenvolver resistência aos medicamentos usados no primeiro tratamento, que levará a incluir mais drogas. A resistência consiste na principal preocupação mundial em relação à doença. Por isso, a importância deste estudo para desenvolver estratégias educacionais à adesão do tratamento de tuberculose”, explica a enfermeira e coordenadora de estudo dos ensaios clínicos em tuberculose do Ipec, Simone de Souza Carvalho, que obteve o título de mestre pela Pós-Graduação em Ensino em Biociências e Saúde do Instituto Oswaldo Cruz (IOC) com a  dissertação Educação em saúde: uma estratégia para minimizar o abandono do tratamento da tuberculose em pacientes do Ipec/Fiocruz, orientada por Claudia Teresa Vieira de Souza e Valéria Cavalcanti Rolla.


O objetivo da dissertação foi o de identificar os fatores que influenciaram os pacientes a abandonarem o tratamento da doença, a fim de implementar um Programa de Educação em Saúde no instituto. “O interesse pelo projeto surgiu quando, no período de 2000 a 2004, o Programa de Tuberculose do Ipec apresentou taxa crescente de abandono de tratamento de 3% para 23%, respectivamente. A partir desse aumento, se percebeu a necessidade de estudar os motivos que levam um paciente abandonar um tratamento num instituto de pesquisa que é referência no tratamento das doenças infecto-parasitárias”, explica Simone, ressaltando que o estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética da instituição.


O abandono do tratamento da doença tem implicações sociais e epidemiológicas. “Delinear o perfil dos pacientes que abandonaram o tratamento da tuberculose, analisar os fatores sócio-demográficos e comportamentais do grupo estudado, elaborar estratégias alternativas de educação em saúde para reduzir o abandono do tratamento dos pacientes do Ipec e fornecer subsídios para o ensino não formal de biociências em saúde no âmbito da saúde pública. Estes foram os objetivos específicos da dissertação”, enumera Simone.


Segundo Simone, “a educação em saúde com os pacientes de tuberculose para aumentar a adesão ao tratamento é importante e entender os motivos que levam ao abandono do tratamento através de estudos qualitativos irão intensificar esta adesão. Geralmente são pacientes com HIV que possuem facilidade de adquirir o bacilo devido à baixa imunidade causada pelo vírus da Aids”. 

 

Na dissertação, Simone cita dados em que o abandono do tratamento alcança índices de 17% no Brasil e é ainda maior no Estado do Rio de Janeiro, com índices de 24%. “Esses índices são fontes do Ministério da Saúde no ano de 2003. No Ipec, obtivemos um total de 83 pacientes que abandonaram o tratamento de tuberculose, no período de 2000 a 2005, que representa uma taxa de 18%, se mostrando aproximadamente similar à taxa de abandono do Brasil, contudo estes valores são considerados altos levando em consideração que a Organização Mundial da Saúde preconiza que o abandono de tratamento em tuberculose seja de até 5%”, completa a autora.


Principais causas do abandono do tratamento, segundo a pesquisa


1) Os homens apresentam maior tendência em não tratar corretamente a doença;

2) Pacientes com baixo nível de escolaridade têm dificuldades de entender as informações sobre a doença e tratamento;

3) Falta de apoio social e familiar a pacientes que usam drogas, álcool ou que pertencem a famílias desestruturadas;

4) O tratamento é demorado. A doença é crônica e evolui lentamente.


“Na análise quantitativa, foi observado que a maioria dos pacientes que abandonaram o tratamento da tuberculose era do sexo masculino (67,5%). Identificamos também que a maior freqüência no abandono do tratamento entre os solteiros (61,4%) e aqueles que relataram ter rendimento mensal de até dois salários-mínimos (62,7%). Além disso, mais da metade do grupo sob estudo (57,8%) tem até oito anos de instrução e outro fator que apareceu na pesquisa foi uso de álcool com 15,7% da amostra e história com tabagismo com 71,1%”, afirma Simone.


Esses resultados mostraram a necessidade do aprimoramento das condições de atendimento e realização de estratégias educativas para os pacientes do Programa de Tuberculose do Ipec. Os pacientes que abandonaram foram convidados a comparecer ao Programa de Tuberculose para retornar ao tratamento e para participar do estudo. Do total de 83 pacientes que abandonaram o tratamento, apenas 17 compareceram à entrevista.


“Verificamos com esses dados que o perfil clínico-epidemiológico dos pacientes entrevistados que abandonam o tratamento é de indivíduos com pouca escolaridade, com baixa ou nenhuma renda mensal de até dois salários-mínimos, com história pregressa de tuberculose e uma freqüência relevante da infecção por tuberculose e HIV. Esses relatos justificam não só o estabelecimento de ações no setor de saúde, mas também em outros setores de no âmbito sócio-econômico e político, que favoreçam as estratégias de educação em saúde direcionadas a estes pacientes”, analisa a autora da dissertação.


A pesquisa foi realizada no Centro de Clínicas Adrelírio Rios Gonçalves, onde funciona o Programa de Tuberculose do Instituto, no período de 2000 a 2006. “Trata-se de um estudo descritivo, com abordagem qualitativa e com apoio de dados quantitativos. Foi feito um roteiro de entrevistas com cinco perguntas semi-estruturadas”, explica Simone. Ela acrescenta que o questionário foi aplicado pela aos pacientes junto com a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), que foi informado antes das entrevistas para respeitar as questões éticas em pesquisa, preservando a privacidade dos entrevistados e a confidencialidade das informações obtidas.


O diferencial da pesquisa são as estratégias educativas traçadas para adesão ao tratamento da tuberculose, definidas a partir das respostas destes pacientes. “O paciente participou do processo educativo, houve o que chamamos de construção e democratização do saber. Hoje na sala de espera estamos fazendo atividades enquanto os pacientes, acompanhados ou não com seus familiares, aguardam o atendimento médico, utilizando uma abordagem construtivista, problematizando as questões relatadas e abrindo espaço para os pacientes falarem. Durante a consulta de adesão e da sala de espera utilizamos como recurso visual e simbólico alguns comprimidos e cápsulas que fazem parte do tratamento da tuberculose, material didático mostrando os pulmões acometidos pela doença com a intenção de tirar as dúvidas e discutir os potenciais problemas decorrentes do abandono de tratamento”, diz Simone, que ratifica que por atenderem pacientes com infecção por tuberculose e HIV é fundamental que o profissional faça educação em saúde para proteger e prevenir o desenvolvimento de doenças e outros agravos à saúde do paciente.


Conheça mais sobre a doença


A tuberculose é uma doença infecciosa causada pelo Mycobacterium tuberculosis e a transmissão pode ocorrer por três formas: inalação de aerossóis que contenham o bacilo, ingestão de alimentos contaminados e por inoculação direta.  A doença é ainda um grave problema de saúde pública no Brasil e tem chamado a atenção de países desenvolvidos, já que o abandono do tratamento da tuberculose favorece o desenvolvimento de bacilos multirresistentes. Isso torna a terapia mais complexa e mais longa com o emprego de um número maior de drogas, e que conseqüentemente aumentam os efeitos adversos e favorecem a falta de estímulo desses indivíduos para levar o tratamento até o fim.


 Colônias de <EM>Mycobacterium tuberculosis</EM> (Foto: Wikipedia)

Colônias de Mycobacterium tuberculosis (Foto: Wikipedia)


A pessoa com tuberculose pode apresentar tosse com ou sem expectoração, emagrecimento, perda de apetite, sintomas mais comuns da doença. Quando tosse pode eliminar no ar milhares de partículas infectantes, pois o bacilo é transmitido por via aérea, que permanece em suspensão, aumentando as chances de uma pessoa se infectar. Normalmente de 15 a 30 dias após o início do tratamento, o paciente deixa de transmitir a doença. Geralmente, os sintomas como tosse crônica, febre, suor noturno, dor no tórax, perda de peso e adinamia (pessoa sem disposição para nada) desaparecem nos primeiros meses de tratamento.


O Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (Ipec) é uma unidade da Fiocruz que presta assistência aos pacientes com doenças infecciosas. O Programa de Tuberculose tem como coordenadora Valéria Cavalcanti Rolla, desde 1999. De acordo com os dados da Vigilância Epidemiológica da unidade, em 2006 foram notificados 103 casos confirmados da doença, em um total no município do Rio de Janeiro de 6.856 casos no mesmo ano.

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