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05/05/2016

Encarceramento feminino é tema de debate na Ensp/Fiocruz

Ensp/Fiocruz


"Da mesma maneira como a sociedade julga com indignação as penas aplicadas no passado, como, por exemplo, a decapitação, o enforcamento e o apedrejamento, futuramente, daqui a 200 ou 300 anos, o modelo prisional atual, que 'enjaula' os indivíduos, provocará a mesma perplexidade". A afirmativa é do professor de Direito Penal da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG) e membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, Leonardo Yarochewsky, ao criticar duramente as penas aplicadas pelos juízes criminais. Durante o evento O Encarceramento Feminino e os Direitos Humanos, promovido pelo Departamento de Direitos Humanos, Saúde e Diversidade Cultural da Escola Nacional de Saúde Pública (Dihs/Ensp/Fiocruz), Yarochewsky indignou-se com a situação da mulher encarcerada: "De 2005 a 2012, a população carcerária masculina cresceu 70%, enquanto a feminina dobrou - chegando a 146%. E as mulheres não se tornaram mais violentas ou passaram a cometer mais crimes. A lei ridícula e moralista de drogas, que coloca negros, pobres e miseráveis na prisão, justifica esse aumento."

O advogado criminalista, que esteve acompanhado da desembargadora do Tribunal de Justiça de São Paulo, Kenarik Boujikian, e dos pesquisadores do Dihs/Ensp Maria Helena Barros de Oliveira e Jairo da Matta, afirmou que o Brasil caminha na contramão dos demais países do mundo quando o assunto é a curva do encarceramento (a população carcerária brasileira foi a segunda que mais cresceu nos últimos 10 anos, perdendo apenas para a Indonésia). E questionou:

 "Pra que serve a pena? A sociedade brasileira, bitolada, enxerga o aprisionamento como sinônimo de punição – como se não existisse outra forma de condenação além do cárcere. E aí, nos deparamos com alguns membros do Ministério Público, magistrados do direito penal, moralistas, que se intitulam paladinos da justiça, dizendo que o Brasil é o país da impunidade. Mas quem eles querem punir? Os pobres, os miseráveis, os negros, as mulheres, os vulneráveis. Sim, estão punindo os ricos, os políticos, mas não se iludam. Isso é para justificar ainda mais a prisão da massa, do povo, dos sofridos e dos humildes".

Yarochewsky destacou, com veemência, a invisibilidade do jovem negro na sociedade. "Preso tem cor, tem endereço e tem condição social! Um jovem negro, com baixa escolaridade e com até 29 anos representa 10% da população brasileira. Mas, na prisão, eles são maioria (representam mais de 55% da população carcerária no país). Esse jovem, que é invisível na sociedade, é percebido nas prisões.”

Após criticar novamente a lei de drogas no país, sobretudo porque a grande maioria das mulheres é presa por tráfico – geralmente por serem flagradas ao tentar entrar nas penitenciárias para levar drogas para os companheiros presos – o advogado comentou a realidade paralela dos presídios nacionais. "Há uma outra lei nos presídios. A prisão é uma contradição de si mesma. Ela 'sequestra' o indivíduo, com o pretexto de ressocializa-lo, mas ninguém sai melhor do que entrou da cadeia. Este é o lugar mais caro para transformar seres humanos em pessoas piores”, acusou.

Tráfico de drogas

Seguindo a linha de raciocínio do professor da PUC/MG a respeito do encarceramento feminino, a desembargadora Kenarik Boujikian, durante sua fala, reafirmou que a mulher vive em um regime de dominação na sociedade, além de ser um elemento subjugado, visto como um objeto. Essa situação se transfere para o regime penal brasileiro, onde a política é pensada apenas para os homens. As penalidades para os sujeitos presos por porte de drogas também foram citadas. “Em uma década e meia, a ordem de crescimento das mulheres encarceradas no Brasil foi de 570%. E cerca de 70% das presas estão detidas por tráfico de entorpecentes”.

A desembargadora, que não tem hábito de falar dos processos que conduz, fez questão de mencionar um caso para retratar a punição dada àquela mulher detida pelo porte de drogas. “Conduzo o caso de uma mulher presa, dentro de sua casa, pelo porte de menos de um grama de cocaína. Sua pena inicial, de oito anos, foi reduzida para cinco. Com menos de uma grama da droga, essa ‘grande traficante’ esteve presa em regime fechado durante cinco anos, sem aplicação de pena substutiva, sem redução da pena (o que é possível em alguns casos sendo réu primário) e sem possuir qualquer tipo de associação com organização criminosa”.

A punição para elas, ainda de acordo com a palestrante, é dupla, pois além de serem privadas de sua liberdade, são abandonadas pela família. “Cerca de 70 a 80% das mulheres presas têm filhos. Diferente do que acontece com os homens, a mulher é abandonada pelos familiares, pelos companheiros. Não sei se a prisão acabará. Não vejo alternativa para alguns casos, mas, para outros, ela é claramente desnecessária”.

O evento que discutiu o Encarceramento feminino marcou a primeira atividade de 2016 do Centro de Estudos Giulliano de Oliveira Suassuna, promovido pelo Departamento de Direitos Humanos, Saúde e Diversidade Cultural da Escola Nacional de Saúde Pública (Dihs/Ensp/Fiocruz). Coordenadora do departamento, Maria Helena Barros dedicou aquele espaço, criado para debater o protagonismo da mulher, os direitos humanos e a dignidade, à presidente Dilma. “Queremos ser reconhecidas como trabalhadoras, mulheres que contribuem para a riqueza desse pais”. No final da atividade, o pesquisador Paulo Amarante foi homenageado pelo departamento.

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