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14/05/2007

Encontrado indício mais antigo da doença de Chagas no Brasil

Catarina Chagas


Muitas pistas indicavam que a infecção humana pelo protozoário Trypanosoma cruzi, causador da doença de Chagas, teria se iniciado no Brasil durante a colonização européia, com a disseminação das casas de pau-a-pique, que propiciaram a domiciliação dos barbeiros, vetores da doença. A análise de múmias da região do Vale do Peruaçu (MG), no entanto, aponta que a infecção pelo parasito já acontecia em terras brasileiras há pelo menos 4.500 anos.


Em conjunto, equipes da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp) e do Instituto Oswaldo Cruz (IOC) trabalharam na identificação do DNA do T. cruzi nas múmias brasileiras por técnicas de biologia molecular. A inspiração veio de grupos de pesquisa que identificaram o DNA do parasito em múmias da região dos Andes.


Sob a liderança do paleoparasitologista Adauto Araújo, da Ensp, alguns achados da Fiocruz já haviam começado a desvincular a idéia de infecção humana por T. cruzi da colonização européia. A equipe identificou, em múmia do Vale do Peruaçu datada de aproximadamente 600 anos antes do presente, um fecaloma – acúmulo de fezes endurecidas e secas – e desconfiou tratar-se da conseqüência de uma dilatação do intestino grosso (megacólon), lesão típica da doença de Chagas. Análises moleculares, feitas nos Estados Unidos e no Laboratório de Genética Molecular de Microorganismos do IOC, confirmaram a presença do DNA do T. cruzi.


Os resultados inspiraram a pesquisa da bióloga Valdirene Lima, que decidiu analisar múmias da mesma região. Ela obteve resultados positivos para a infecção pelo protozoário em dois exemplares, sendo que o mais antigo data de um período entre 4.500 e sete mil anos antes do presente. “Isso mostra que a infecção humana independe da domiciliação de barbeiros, pois a múmia mais antiga pertencia a uma população de caçadores-coletores que não tinham assentamentos permanentes”, explica a pesquisadora. “O parasito tem diferentes vias de transmissão e múltiplos hospedeiros e vetores, sendo amplas as possibilidades de infecção naquela época e atualmente”.


Apesar da pouca disponibilidade de material arqueológico para esse tipo de análise no Brasil, o Vale do Peruaçu é uma região privilegiada pela presença de grutas calcáreas e abrigos rochosos. O solo de pH básico e o clima seco nesses abrigos propiciaram um dessecamento rápido dos corpos ali enterrados antes da completa degradação, preservando melhor o DNA dos indivíduos e do parasita. Há indícios de que os povos pré-históricos usavam esses locais para cerimônias religiosas, funerais e sepultamentos, além de abrigos em excursões de caça e locais para pinturas rupestres.

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