10/04/2019
Luiza Gomes (Cooperação Social da Fiocruz)
As ações afirmativas que abriram espaço para as camadas mais populares da sociedade nas universidades operam transformações simbólicas e estruturais todos os dias. Em 2017, quase a metade dos concluintes do ensino superior que participaram do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) seriam os primeiros universitários em suas famílias, cerca de 42%. Provocados por essa realidade e pelo horizonte de fortalecimento do campo da ciência cidadã no Brasil, a Fiocruz, em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e organizações de Maré e de Manguinhos, realizaram o Encontro Favela-Universidade nos dias 27, 28 e 29 de março, no Rio de Janeiro.
Em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e organizações de Maré e de Manguinhos, a Fiocruz realizou o Encontro Favela-Universidade (foto: Dyego Ignacio)
As atividades foram realizadas na Cidade Universitária, na Ilha do Fundão, separada das favelas da Maré apenas pelo Canal do Cunha e pela Linha Vermelha. No total dos três dias, foram apresentados 63 trabalhos, entre relatos de experiências dos territórios de Maré e Manguinhos, projetos de extensão da UFRJ e projetos em cooperação social desenvolvidos pela Fiocruz nessas duas localidades.
A iniciativa é fruto da articulação entre Cooperação Social da Presidência da Fiocruz, Museu da Vida da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), Pró-reitoria de Extensão da UFRJ (PR5) e organizações parceiras de ambas as instituições em Maré e Manguinhos, no ano de 2018, no contexto da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia.
Conhecimento que vem dos becos
Desde dezembro passado, as instituições vêm promovendo as rodas de conversa Universitárixs e faveladxs voltadas para moradores de favelas que estejam cursando ou tenham cursado ensino superior. A discussão sobre a forma como o conhecimento é construído nas periferias e nos espaços acadêmicos é um dos eixos norteadores das rodas. Segundo a superintendente da PR5/UFRJ, Carla Dias, veio desse espaço a demanda de um evento que aproximasse as instituições acadêmicas dos territórios – concretizada no Encontro Favela-Universidade.
Experiências como da Universidade das Quebradas, do Museu da Maré, do Ecomuseu de Manguinhos foram algumas entre as abordadas no Encontro (foto: Dyego Ignacio)
“Esse evento é fruto de uma ação coletiva e emerge da necessidade identificada tanto nos projetos dos territórios, como nos de extensão e de cooperação social, de que essas iniciativas se vejam, se aproximem. Às vezes estão trabalhando na mesma direção e não se conhecem”, explicou, nos momentos iniciais do primeiro dia de evento.
Também na mesa de abertura, Leonídio Madureira, coordenador de Cooperação Social da Presidência da Fiocruz, valorizou a convergência de forças das instituições e organizações envolvidas. Madureira apontou, ainda, a possibilidade de promoverem uma jornada científica de estudantes favelados conjuntamente ainda esse ano.
“Nossa perspectiva é a de que não basta que universitários de favelas busquem de forma isolada avançar nas suas trajetórias acadêmicas, lidando com as dificuldades de acesso que estão colocadas pelas condições de vida; mas é importante que, articulados com seus pares, com apoio de instituições como a Fiocruz e a UFRJ, possam vir a construir alternativas para ocupar o espaço acadêmico com as reflexões e demandas que nascem da sua vivência”, afirmou.
Ações diversificadas e complexas
Dos 63 trabalhos, 15 iniciativas eram vindas de Maré, Manguinhos ou realizadas por organizações comunitárias em ambos os territórios. Experiências como da Universidade das Quebradas, do Museu da Maré, do Ecomuseu de Manguinhos foram algumas entre as abordadas no Encontro. A banda Música na Calçada, composta por ex-alunos da Escola de Música de Manguinhos, apresentou seu repertório no vão do prédio da Faculdade de Letras da UFRJ. Além das apresentações, também foram realizadas oficinas de passinho; de poesia e crítica social; exibidas esquetes e peças; shows de bandas locais, entre outros.
A banda Música na Calçada, composta por ex-alunos da Escola de Música de Manguinhos, apresentou seu repertório (foto: Dyego Ignacio)
Pela Fiocruz, 25 iniciativas foram apresentadas abordando temas como comunicação, informação e saúde; arte e cultura; comunicação comunitária; ambiente; segurança nutricional; entre outros. Cursos construídos com metodologias participativas; laboratórios e observatórios com atuação junto a territórios vulnerabilizados; e programas e projetos sociais foram algumas das tipologias de trabalhos apresentados. O programa de Promoção de Territórios Urbanos Saudáveis da Cooperação Social (PTUS) da Presidência foi um deles.
Uma apresentação do Dicionário de Favelas Marielle Franco foi feita no dia 29, na UFRJ. O projeto é uma parceria entre a Fiocruz, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR/UFRJ), Centro de Estudo e Ações Culturais e de Cidadania em Cidade de Deus (Ceacc), Grupo Eco Santa Marta, Instituto Raízes em Movimento e Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz). O lançamento ocorrerá em breve na Biblioteca de Manguinhos do Icict/Fiocruz. A atividade, que iria ocorrer nesta quarta-feira (10/4), foi adiada devido aos transtornos causados pelas chuvas no Rio de Janeiro.