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21/11/2007

Epidemiologista comenta a situação do dengue no país

Fernanda Marques e Marcelo Garcia


As condições no Brasil hoje permanecem propícias à transmissão do vírus do dengue. Por isso, especialistas afirmam que, se um novo vírus (o tipo 4) fosse introduzido no país, haveria epidemia. Entre esses especialistas está o epidemiologista Paulo Sabroza, pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp) da Fiocruz. O dengue 4 já se manifestou, em anos recentes, no México, em diversos países da América Central e também na América do Sul – Colômbia e Venezuela –, o que demonstra a importância de uma vigilância em saúde eficiente para impedir que ele entre e se dissemine no território nacional.


 Sabroza: em 2007 o número de casos de dengue foi maior que o esperado (Foto: Virginia Damas)

Sabroza: em 2007 o número de casos de dengue foi maior que o esperado (Foto: Virginia Damas)


Como os vírus 1, 2 e 3 já causaram no Brasil grandes epidemias, o esperado é que a população, no seu conjunto, tenha desenvolvido imunidade contra eles, embora em diversos municípios ainda existam muitas pessoas suscetíveis. Sabe-se, no entanto, que a imunidade não é permanente. “O risco de novas epidemias existe se um novo vírus for introduzido ou se a imunidade coletiva aos vírus já presentes cair abaixo do nível que garante proteção”, afirma Sabroza. Só que não se sabe qual é esse nível, nem como está a imunidade da população neste momento. “O vírus do tipo 2 voltou ao Nordeste este ano, trazendo sérios problemas”, acrescenta.


Em geral, logo após uma epidemia, a imunidade coletiva é bem alta, mas pode diminuir progressivamente se a transmissão tiver sido reduzida, seja pelas ações de controle, seja pela própria imunidade. Em 2001, muitos casos de dengue 1 voltaram a ser registrados no município do Rio de Janeiro, onde esse tipo de vírus já havia causado grande epidemia 15 anos antes. O tipo 3, por sua vez, foi introduzido no Rio em 2002 e, menos de cinco depois, voltou a se apresentar de forma preocupante. “Em 2007, o número de casos registrados de dengue foi bem maior que o esperado”, diz Sabroza.


Essa situação deixa os epidemiologistas apreensivos, sobretudo agora quando o final do ano se aproxima. Na Região Sudeste, o dengue é uma doença sazonal e, no Rio de Janeiro, o número de casos começa a subir em dezembro, atinge um pico entre fevereiro e março e costumava diminuir muito a partir de maio. Em 2007, entretanto, já houve mais de 20 mil casos novos, contra cerca de 15 mil em 2006 e apenas 999 em 2005. Além disso, este ano, ocorreram em torno de sete mil casos depois de abril, quando a transmissão já deveria estar reduzida. Contudo, não existe consenso para explicar esse aumento da doença pelo vírus 3 tão pouco tempo após sua introdução, nem a extensão do seu período de transmissão. Há, porém, algumas hipóteses explicativas. Uma delas atribui a situação a características do próprio dengue 3, que teria a capacidade de ser transmitido mesmo quando houvesse poucos mosquitos vetores (Aedes aegypti), ou ainda a uma maior dificuldade para o estabelecimento da imunidade na população. Outra hipótese aponta falhas técnicas nas ações de controle do vetor.


 Imagem estilizada do mosquito <EM>Aedes aegypti</EM> (Arte: Guto Mesquita sobre foto de Genilton Vieira)

Imagem estilizada do mosquito Aedes aegypti (Arte: Guto Mesquita sobre foto de Genilton Vieira)


Segundo Sabroza, o índice de infestação dos domicílios por A. aegypti, embora medido sistematicamente, não é confiável. “Muitas vezes, não há concordância entre os dados”, alerta. Além disso, os resultados do cálculo do índice são disponibilizados tardiamente. Dessa forma, torna-se difícil planejar as medidas de controle da doença. “É preciso, portanto, revisar a coleta, a consolidação e as análises desse índice”.


Uma sugestão, como previsto nas normas técnicas atuais, seria medi-lo apenas três vezes ao ano, mas realizando inquéritos mais eficientes, obtendo-se dados fidedignos e com rapidez. “Os resultados deveriam ser de acesso público, na internet, não apenas agregados por município ou bairro, mas também por quarteirão, e disponibilizados imediatamente após sua coleta e consolidação”, diz Sabroza. Assim, se as pessoas constatassem que moram em um quarteirão onde o índice de infestação por A. aegypti é especialmente alto, elas seriam estimuladas a uma mobilização comunitária. Em conjunto, moradores e agentes de saúde identificariam e eliminariam os grandes focos de proliferação do mosquito naquele local. Os levantamentos de índices teriam sempre que ser repetidos nesses mesmos locais, para se verificar se as ações implementadas foram efetivas.


Outro problema comentado pelo pesquisador é que os agentes que visitam os domicílios têm como foco a destruição das larvas, embora não sejam elas que transmitam a doença, mas sim as fêmeas adultas do mosquito. Uma alternativa seria usar nas investigações armadilhas para mosquitos adultos, que já são empregadas de forma experimental. Mas, conforme salienta Sabroza, o uso das armadilhas não representará nenhuma vantagem se não for acompanhado de detecção e eliminação imediata dos grandes focos geradores de formas aladas de A. aegypti.


Ainda de acordo com o pesquisador, os agentes colocam remédio nos ralos e esvaziam os pratinhos dos vasos de plantas, mas as poucas larvas eventualmente presentes nesses pequenos focos não são as principais responsáveis pela manutenção de uma densidade elevada de fêmeas adultas do mosquito. “Muitas vezes sem escada nem lanterna, os agentes não têm como verificar as caixas d’água, as calhas, caixas de coleta de água pluvial, as lajes e os terrenos baldios, locais onde, possivelmente, se encontram os grandes focos geradores de mosquitos transmissores”, explica. “As equipes deveriam ser orientadas e supervisionadas quanto à prioridade de eliminar os focos geradores e não qualquer coleção hídrica”.


Para erradicar o vetor, de fato é necessário destruir todos os focos de A. aegypti. No entanto, como o objetivo atual é controlar a transmissão de dengue, o que se requer, segundo Sabroza, são esforços concentrados na eliminação dos grandes criadouros. A realização dessa tarefa não depende só das autoridades nem só dos indivíduos. “Ela exige a mobilização de algo que está na interface entre autoridades e indivíduos: a coletividade organizada”, destaca o epidemiologista.


As ações educativas já massificaram as informações sobre como evitar o dengue, o que inclui colocar areia nos pratinhos dos vasos de plantas, recolher pneus e tapar caixas d’água. Para Sabroza, o problema é que essas ações têm como alvo o indivíduo, e não o coletivo. “Se os vizinhos se previnem, exceto um, todos ficam expostos à doença. Se não há foco na sua casa, mas existe um no seu quarteirão, você está em risco”, argumenta.


O pesquisador refere também o problema do saneamento básico. Se as residências estão ligadas à rede, mas o abastecimento não é feito com regularidade, é de se esperar que elas estoquem água de todas as formas possíveis. “Aí se criarão grandes focos geradores de A. aegypti”, adverte.


Sabroza destaca ainda que, como as condições de saneamento não se modificaram e o controle do vetor, da forma como tem sido feito, não se mostra efetivo, é indispensável que moradores das áreas com transmissão e profissionais de saúde conheçam os sintomas iniciais da doença. Eles devem ter conhecimento também da necessidade de diagnóstico precoce das formas graves e de seus marcadores, assim como dos procedimentos necessários para prevenir as complicações e a evolução para óbito.


O virologista Herman Schatzmayr, do Instituto Oswaldo Cruz (IOC),  diz que o tipo 4 circula há vários anos na Colômbia e na Venezuela. "Em 1981 ele entrou por curto prazo, em Boa Vista, mas foi controlado pelo controle do vetor. O vírus 4 pode entrar no Brasil a qualquer momento: as ligações com os dois países são diárias, há vôos de um lado para o outro. É impossível dizer quando vai e mesmo se o vírus vai entrar, pode acontecer a qualquer momento ou pode não acontecer, como não aconteceu até hoje".


Para o virologista, a diferença entre o tipo 4 e os outros é a mesma que existe entre 1 e 2: são quatro tipos diferentes de vírus, com pequenas modificação. Os quatro produzem doenças praticamente idênticas. O que ocorre é que algumas amostras apresentam mais virulência que outras do mesmo tipo de vírus, principalmente do tipo 3. Em 2002, o tipo 3 foi responsável pela maior epidemia brasileira, com 91 mortos.


"O tipo 4, se entrar, principalmente se entrar numa escala grande, vai provocar um grande número de casos, porque ninguém tem imunidade contra ele, mas não espera-se uma epidemia gravíssima. Mas a manifestação clínica é a mesma e ela não é a mais virulenta. O vírus tipo 3 é o mais virulento, embora também possa haver casos graves com o vírus tipo 2. Em dengue existe um fator genético relacionado a cada pessoa que ainda não está bem explicado. O tipo 4 pode resultar em casos fatais, pode resultar em casos graves, mas na média o mais virulento é o tipo 3".


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