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28/03/2011

Escola Politécnica da Fiocruz contribui para promover a saúde e a educação, na cidade e no campo

Talita Rodrigues


Lutar por uma sociedade menos desigual, em que a saúde e a educação pública sejam universais: é para isso que a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) vem se aproximando cada vez mais dos movimentos sociais. “Nosso projeto de escola entende que a educação é um projeto de sociedade e de transformação das desigualdades sociais. Lutamos para reduzir as injustiças e ampliar o acesso a políticas públicas. A associação com os movimentos sociais é uma decorrência, coerente com o nosso trabalho e modo de pensar. Entendemos que a saúde e a educação públicas são direitos dos trabalhadores e, por isso, queremos qualificar melhor a pauta de luta deles”, explica a diretora da EPSJV, Isabel Brasil.


 Aula do curso de especialização em políticas públicas de saúde

Aula do curso de especialização em políticas públicas de saúde


Mas o que são esses movimentos sociais? Virgínia Fontes, professora-pesquisadora da EPSJV e da Universidade Federal Fluminense (UFF), responde: “A Escola vem trabalhando com movimentos sociais de base popular que se organizam para lutar por direitos, contra as desigualdades sociais e contra as iniquidades no âmbito da educação e da saúde”. Alguns exemplos são o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), colônias de pescadores e sindicatos. “O Estado brasileiro foi sempre mais permeável à sociedade civil quando ela representa entidades patronais ou com forte vínculo empresarial. Portanto, ações como essas representam apenas o pagamento de uma dívida histórica que o Estado tem com a população brasileira, composta majoritariamente por trabalhadores”, defende Virgínia, destacando que essa é uma função urgente, legítima e necessária de instituições como a Fiocruz.


Construção coletiva


As propostas de cursos são sempre construídas em conjunto com os movimentos sociais. “Temos aprendido muito, particularmente na aproximação com o MST e seu método pedagógico, que tem ajudado a qualificar o nosso projeto politécnico”, observa a vice-diretora de Ensino e Informação da EPSJV Márcia Valéria Morosini. Ela destaca que um dos instrumentos metodológicos utilizados para fazer a integração entre teoria e prática é a alternância entre o tempo escola, quando são realizadas as aulas dos cursos, e o tempo comunidade, intervalo entre as etapas dos cursos, quando os alunos socializam os conhecimentos aprendidos nas aulas e realizam pesquisas e trabalhos de campo para aprofundar os ensinamentos. A experiência com o MST fez com que o tempo escola passasse a ser dividido em tempos educativos (tempo leitura, tempo reflexão escrita, tempo cultura, entre outros), que incluem não só os conteúdos do programa do curso, mas também atividades de formação geral.


O curso de especialização técnica em políticas públicas de daúde para a população do campo é um exemplo de formação para trabalhadores de movimentos sociais construída pela EPSJV em conjunto com os integrantes dos movimentos. A primeira das três etapas foi realizada em junho de 2010; a segunda ocorreu em novembro deste ano; e a conclusão se deu em fevereiro de 2011. O curso faz parte do projeto Formação de Conselheiros de Saúde para o Campo, financiado pela Secretaria de Gestão Participativa do Ministério da Saúde, e tem, como educandos, 40 integrantes do MST, do Movimento dos Pequenos Agricultores e do Movimento das Mulheres Camponesas. “Durante o tempo comunidade, os alunos estão fazendo uma pesquisa de campo sobre os sistemas de saúde locais. Essas informações serão sistematizadas nas aulas para que eles possam compreender a organização dos sistemas de saúde onde vivem”, explica o professor-pesquisador da EPSJV André Burigo, que integra a coordenação político-pedagógica do curso junto com Valéria Carvalho e André Dantas.


Em 2011, a EPSJV vai dar início ao curso de especialização (pós-graduação) em trabalho, educação e movimentos sociais. “Os alunos serão trabalhadores rurais”, explica Paulo Alentejano, que coordenará o curso juntamente com Virgínia Fontes. Está em andamento o processo para que a pós-graduação tenha financiamento do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).


Todas essas ações da EPSJV têm sido também processos formativos para os profissionais da Escola. “O primeiro encontro com o método pedagógico do MST é um choque cultural. A forma de organização do tempo escolar é diferente, a gestão do curso envolve os alunos, todos são responsáveis pelo processo educativo. Isso alimenta a reflexão dos nossos profissionais. Eles têm um projeto de sociedade muito próximo do nosso e isso alimenta a produção da Escola”, diz André Burigo. “A qualificação é mútua. Nós oferecemos nossos conhecimentos e eles nos qualificam em questões como a saúde no campo, meio ambiente, necessidades na área de saúde e da educação”, observa Márcia Valéria.


Pesquisar para ensinar


O trabalho com movimentos sociais impõe desafios tão específicos que, para montar os primeiros cursos, foi preciso desenvolver pesquisas sobre a realidade dessa população e suas demandas. “Precisávamos saber como o MST entendia a saúde, o processo saúde-doença e que tipo de formação eles buscavam. Eles não querem só um treinamento, querem uma formação que alie a luta política a questões de saúde e meio ambiente. Buscam também uma formação humana parecida com a oferecida pela EPSJV”, diz o vice-diretor de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico da EPSJV, Maurício Monken, que coordenou, em 2006, a pesquisa cujos resultados deram a base para a proposta do curso de especialização técnica de nível médio em saúde ambiental para a população do campo, concluído em 2009. Na última etapa, os alunos apresentaram as propostas de intervenção, elaboradas no decorrer do curso: muitos implantaram total ou parcialmente os projetos — como a criação de fossas, a defesa das fontes de água e outras ações de saneamento — em suas localidades.


O financiamento desse curso foi possível a partir da cooperação técnico-científica firmada entre a Coordenação-Geral de Vigilância Ambiental em Saúde da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde e a vice-presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz. Apesar da experiência, a necessidade de aprender antes de formar não acabou. A EPSJV está desenvolvendo, atualmente, outra pesquisa para subsidiar a realização de cursos em assentamentos de Santa Catarina e do Ceará — desta vez, com recursos de um edital Fiocruz e CNPq.


As especificidades no trabalho com os movimentos sociais não aparecem apenas nos projetos de construção dos planos de curso, mas também em questões práticas como a documentação escolar e alojamento para os alunos, que vêm de várias partes do país. “No caso do MST, uma das dificuldades é obter os documentos escolares daqueles que, por estarem acampados (e não assentados), já estudaram em muitos lugares diferentes. Fazemos todo o esforço para não excluir essas pessoas dos processos de formação. Quando os cursos são nacionais, é preciso também ter condições de alojamento e o Centro de Referência Professor Hélio Fraga da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) tem sido um grande parceiro nosso”, diz Márcia Valéria.


Agentes comunitários: da cidade e da aldeia


Além da militância do campo, a EPSJV também tem ações articuladas com movimentos sociais urbanos. Uma delas é com o Sindicato dos Agentes Comunitários de Saúde (Sindacs) do município do Rio de Janeiro. “O apoio da EPSJV na organização dos trabalhadores da nossa categoria colaborou para que a Associação Municipal dos Agentes Comunitários de Saúde (Amacs) se transformasse no Sindacs, em fevereiro de 2010. Com o sindicato, temos mais representatividade”, diz o presidente do Sindacs, Ronaldo Moreira.  A iniciativa de criar o sindicato ganhou força após um seminário promovido pela EPSJV em 2009, que contou com trabalhadores de todo o município e discutiu, principalmente, aspectos da legislação e da regulamentação do trabalho dos agentes comunitários de saúde (ACS), com ênfase na necessidade de organização da categoria.


A EPSJV tem buscado apoiar também a luta dos ACS pelo direito à formação. Como uma das estratégias, a Escola desenvolve, em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro (SMSDC) e o Centro de Saúde Escola Germano Sinval Faria da Ensp, um projeto-piloto de formação técnica desses trabalhadores. Os alunos do curso são ACS que trabalham na região de Manguinhos, na cidade do Rio de Janeiro, e serão os primeiros do estado a receberem a formação completa, quando o curso for concluído, em 2011. A EPSJV está, atualmente, discutindo com o Sindacs, a Escola Técnica Izabel dos Santos e a SMSDC a possibilidade de expansão dessa formação técnica para todos os ACS do município do Rio de Janeiro.


Na outra ponta do Brasil, na região do Alto do Rio Negro, organizações e lideranças indígenas, coordenadas pela Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), protagonizam lutas parecidas: pela formação profissional e elevação da escolaridade de seus agentes de saúde. Por isso, com uma proposta pioneira que contextualiza a realidade indígena com a formação técnica, integrada à ampliação da escolaridade, a EPSJV iniciou em 2009 o curso técnico de agente comunitário indígena de saúde, em parceria com a Fiocruz Amazônia. O objetivo é qualificar 250 agentes comunitários indígenas de saúde, resgatando as tradições, valorizando e sistematizando seus saberes sobre a saúde. Os cursos de ensino fundamental e médio dos agentes ficaram a cargo das secretarias de Educação de São Gabriel da Cachoeira e do Amazonas.


A formação técnica em meio ambiente integrada ao ensino médio voltada para jovens e adultos e uma especialização técnica em gestão sociopolítica do território são dois outros cursos que estão sendo desenvolvidos pela EPSJV em conjunto com organizações de movimentos sociais. Nesse caso, os envolvidos são, especificamente, as populações de Manguinhos e Jacarepaguá, no Rio de Janeiro. Os planos de curso serão um dos resultados de um projeto financiado com recursos do Edital de Cooperação Social lançado pela Presidência da Fiocruz em 2009. Essas ações, no entanto, não acabam com o projeto. Ao contrário: a EPSJV criou um grupo de trabalho que vai atuar permanentemente com esses movimentos, buscando fortalecer o desenvolvimento territorial sustentável e as iniciativas comunitárias.


Territórios urbanos


A pesquisa científica socialmente engajada não gerou só cursos na EPSJV. O recém-lançado documentário Território de sacrifício ao deus do capital: o caso da Ilha da Madeira, por exemplo, foi produzido a partir do trabalho realizado com duas associações de pescadores da Ilha da Madeira, no Rio de Janeiro. O professor-pesquisador da EPSJV Marcelo Bessa desenvolveu uma pesquisa sobre o passivo ambiental gerado por uma indústria na região. O filme, que mostra como a vida na ilha foi afetada com a chegada de grandes empreendimentos econômicos, foi sugerido pelos moradores e feito com a participação deles em oficinas e no roteiro do documentário, que está disponível no site da EPSJV (www.epsjv.fiocruz.br).


Recentemente, a EPSJV voltou a estar atenta a essa região. Dessa vez, movimentos sociais estão denunciando uma situação de risco generalizado à saúde da população provocado por um complexo siderúrgico instalado em Santa Cruz. A Fiocruz, por meio da EPSJV e da Ensp, participou de uma missão de solidariedade e investigação das evidências de risco à saúde ambiental e da população da região. “Identificamos uma situação de vulnerabilidade socioambiental. A influência da empresa é tão grande, que, apesar das denúncias de poluição, é ela que desenvolve, por exemplo, ações de educação ambiental nas escolas — naturalmente, sem abordar os impactos causados por ela”, explica o professor-pesquisador da EPSJV Alexandre Pessoa, que participou da missão. No momento, está sendo elaborado um dossiê técnico para subsidiar a investigação do caso pelo Ministério Público.


Agrotóxicos


Outra frente de trabalho relacionada às lutas dos movimentos sociais é o combate ao uso de agrotóxicos. Em setembro, a EPSJV organizou, junto com a Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz e a Via Campesina, o Seminário Nacional contra o Uso de Agrotóxicos, que contou com representantes de mais de 30 movimentos sociais, universidades e entidades ambientalistas. O evento discutiu os problemas (especialmente os de saúde) causados pelo modelo de agronegócio adotado pelo Brasil, hoje o maior consumidor de agrotóxicos do mundo.


Jornada dos Sem-Terrinha


Em 2010, a etapa regional da 13ª Jornada Nacional dos Sem Terrinha ocorreu na EPSJV, de 9 a 11 de outubro. Estudantes e trabalhadores da EPSJV participaram das oficinas realizadas durante o encontro, que reuniu 140 crianças de famílias acampadas ou assentadas. Além disso, os professores trabalharam, em sala de aula, com os alunos da Escola, o conteúdo da matéria sobre escolas rurais publicada pela revista Poli especialmente para o evento.


Publicado em 28/3/2011.

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