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07/10/2016

Especialista fala sobre desafios do atendimento às doenças raras

Aline Câmera (IFF/Fiocruz)


O Ministério da Saúde considera doença rara aquela que afeta até 65 pessoas em cada 100 mil indivíduos ou 1,3 mil para cada 2 mil pessoas. Estima-se que entre 6% e 8% da população mundial seja acometida com alguma doença rara, sendo 80% de origem genética. Somente no Brasil, o número de portadores ultrapassa a marca de 13 milhões. Envolvendo na maioria dos casos protocolos clínicos de alto custo e complexidade, o tratamento nem sempre é de fácil acesso.

Definida a partir da Portaria nº 199, de 2014, a Política de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras instituiu os incentivos financeiros necessários para melhorar a qualidade de vida dos pacientes a partir de ações de promoção, prevenção, diagnóstico, tratamento multiprofissional e cuidados paliativos. Desde então, diversas iniciativas vêm sendo desenvolvidas. Contudo, a saída mais frequente para garantir o acesso aos medicamentos e ao atendimento especializado continua sendo via processos judiciais.  

Em paralelo aos grupos de trabalho técnico para elaboração de protocolos e diretrizes clínicas, diversos debates foram realizados nos últimos anos envolvendo a sociedade civil, especialistas e autoridades. O último, promovido em setembro pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e denominado I Fórum de Doenças Raras, enfatizou a necessidade da habilitação, o quanto antes, dos Centros de Referência para Doenças Raras – além do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), outras quatro instituições de saúde aguardam que o Ministério da Saúde efetive a ação.

“O debate do CFM foi outra oportunidade de discutirmos este assunto, que cada vez assume um papel mais importante. É o momento das autoridades adotarem ações estruturais para organizar a linha de cuidado das doenças raras. Sabemos das dificuldades de realizar a habilitação de todos os centros ao mesmo tempo e do impacto orçamentário que essa medida irá trazer. Contudo, enquanto não for feito, continuaremos enfrentando a judicialização. A exemplo do que aconteceu com a Aids, em que por meio da Portaria especifica, foi possível acabar com os processos de judicialização para acesso ao medicamento. No nosso campo da genética mesmo, temos a Osteogênese Imperfeita que também segue o mesmo caminho e a sua Portaria elenca todas as responsabilidades e deveres com os valores a receber”, destaca Juan Llerena Junior, coordenador do Centro de Genética Médica do IFF.

Em termos práticos, a habilitação autorizará a inclusão de tratamentos de alto custo na lista de coberturas do Sistema Único de Saúde (SUS). “O Fernandes Figueira, assim como outros centros, receberá recursos específicos para a realização do atendimento e procedimentos diagnósticos, além da manutenção das equipes mínimas necessárias”, explica Juan. “Internamente, nós já estamos organizados para colocar em prática os protocolos de atendimento: adaptamos os processos necessários para adequação da Portaria, fizemos a interlocução com as secretarias estaduais e municipais, conseguimos os avais. Aguardamos apenas a oficialização do Ministério da Saúde”, completa o médico geneticista.  

Na proposta que vem sendo desenhada pelo IFF, a habilitação do Centro de Referência para Doenças Raras funcionaria de forma independente do Centro de Genética Médica, sendo, portanto, o terceiro serviço de referência do Instituto – além do Centro de Genética Médica, a unidade materno-infantil da Fiocruz conta ainda com o Centro de Referência para Bancos de Leite Humano. A porta de entrada será os ambulatórios de especialidades, os quais poderão contar com uma estrutura bem organizada para realização de procedimentos de alta complexidade no Centro de Doenças Raras. Uma vez atendida a demanda, os pacientes retornarão para os ambulatórios ou para a Rede do SUS. Outra vantagem deste modelo diz respeito aos insumos de diversas áreas que poderão ser adquiridos pela verba prevista na Portaria.

Residência médica em pauta

Outro ponto em destaque no I Fórum de Doenças Raras foi o panorama dos programas de residência médica em genética. Compondo o painel sobre o tema, Juan Llerena propôs um novo olhar para questão. Segundo ele, o Brasil não deve se basear no modelo de outros países, sobretudo o americano, como alguns especialistas propõem, uma vez que a nossa realidade é diferente.

Com a palestra Tradições Arcaicas Culturais no Cuidado de Pacientes com Doenças Incuráveis e Raras, o coordenador do Centro de Genética Médica do IFF defendeu que independente da especialidade, o profissional deve levar em conta os valores humanos, isto é, as tradições arcaicas culturais. Em oposição ao modelo tradicionalmente biomédico, quando se trata de doenças raras, é necessário que o especialista tenha uma visão mais abrangente, incluindo neste contexto dois outros pilares: a família e o convívio social.

“As doenças genéticas apresentam-se tão distantes do que é considerado normal, que se faz necessário ampliar o conceito de normalidade. A partir deste pensamento podemos pensar a promoção à saúde para cada caso específico. É impossível curar uma criança com síndrome de Down, por exemplo. Contudo, é possível melhorar a qualidade de vida e a interação que ela terá com o ambiente. Diferente de quando atendemos uma criança com pneumonia ou com gastroenterite, nesses casos sim, pode-se empregar apenas o viés biomédico”, exemplifica Juan Llerena. 

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