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16/08/2016

Especialistas falam sobre acesso aberto e combate a epidemias

Marcelo Garcia (Icict/Fiocruz)


Numa emergência epidemiológica, quando um enorme problema de saúde pública começa a produzir casos graves e até mortes em profusão, fica evidente a relevância dos estudos epidemiológicos, imunológicos e voltados para a criação de remédios e vacinas. Mas será que em episódios como esses, o acesso aberto, ágil e fácil à informação científica não poderia otimizar as pesquisas e, assim, ajudar a reduzir danos e a salvar vidas? No caso da recente epidemia de zika nas Américas, a resposta dada pela comunidade científica para ser um sonoro “sim” - e a Fiocruz foi uma das instituições a endossá-la.

Em fevereiro de 2016, no auge da escalada de casos de zika e de microcefalia, mais 32 revistas científicas, ONGs, fundos e institutos de pesquisa - entre eles a Fiocruz - assinaram um acordo de cooperação internacional em que se comprometeram a compartilhar, de forma rápida e aberta, dados e resultados relevantes de pesquisas que possam ajudar na crise com o vírus zika. O objetivo da iniciativa é garantir que qualquer informação de valor para a saúde pública seja disponibilizada gratuitamente e o mais rápido possível para a comunidade internacional, sem impedir pesquisadores de publicar os dados posteriormente.

Mais do que uma simples questão de pesquisa, a adesão imediata da Fiocruz também marca um claro posicionamento político. “Nossa intenção era apoiar os movimentos desde o inicio, mesmo ainda sem ter claros os detalhes de como seria essa participação, onde os dados seriam disponibilizados, estávamos nos oferecendo também para aprender”, avalia Ana Maranhão, coordenadora do repositório institucional da Fiocruz, o Arca. “Queremos aprender com a iniciativa, para podermos disponibilizar esses dados de pesquisa  de forma pública na Fiocruz também.” Um desdobramento desse processo foi a criação do site Zika infecction, uma iniciativa que reúne diversas entidades de pesquisa e coordenada pela Fiocruz. Outra ação da Fundação nessa área foi a criação da zika fast track na revista Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, para publicação mais ágil de artigos relacionados ao tema.

A vice-presidente de Ensino, Informação e Comunicação da Fiocruz, Nísia Trindade, também enxerga o acordo como favorável à Política de Acesso Aberto da Fiocruz. “Ele contribui para o debate sobre o compartilhamento de dados de pesquisa e não apenas de artigos científicos, o produto final das investigações. O apoio de instituições e periódicos de pesquisa internacionais a esse acordo é um passo importante para essa discussão”, afirmou. A disponibilização de dados de pesquisa é, hoje, um dos desafios para o aprofundamento da cultura do acesso aberto na instituição.

Ebola, um caso didático

Outro exemplo que mostra a importância do acesso aberto ao conhecimento para prevenir e controlar emergências epidemiológicas é apresentado no Jogo do Acesso Aberto à Informação, desenvolvido pelo Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz) e lançado em 2015. O game foi inspirado no episódio real da epidemia de ebola que se espalhou por diversos países da África, em especial a Libéria, desde 2013. A confirmação da epidemia demorou a acontecer, devido à crença de que o vírus ainda não estaria presente naquela parte da África - um atraso que pode ter custado centenas de vidas.

O mais cruel é que o alarme poderia ter soado antes, já que diversos artigos científicos produzidos nos anos anteriores já demonstravam a circulação do ebola na região. As pesquisas, no entanto, foram publicados basicamente por pesquisadores estrangeiros em revistas de acesso fechado, totalmente fora da realidade local e inacessíveis a médicos e profissionais de saúde liberianos. “Se os artigos estivessem em acesso aberto, a chance deles chegarem às mãos das pessoas que necessitavam urgentemente daquela informação seriam, sem dúvida, muito maiores”, pondera Rodrigo Murtinho, vice-diretor de Informação e Comunicação do Icict/Fiocruz.

Para ele, naquele caso, diferentemente do que ocorre agora com a zika, não houve a sensibilidade de perceber a importância de agilizar a troca de conhecimento sobre a epidemia. “Existem doenças que matam e comprometem a saúde de milhões de pessoas, mas têm menos visibilidade, as chamadas doenças da pobreza, e a lógica comercial vigente cria cenários de saúde em que se produz pouco conhecimento científico sobre elas”, pondera. “A mesma lógica obriga que esse conhecimento seja publicado em revistas super qualificadas, controladas por empresas que fazem disso seu negócio, e impede um acesso amplo a informação que poderia ser importante para lidar com essas situações”.

Em um contexto de globalização acelerada, as epidemias se tornam cada vez mais internacionais - o que torna o momento oportuno para estimular as práticas de acesso aberto. Como avalia Trindade, a difusão de conhecimento cientifico confiável sem barreiras pode acelerar os avanços da pesquisa, otimizar o impacto social da ciência, algo fundamental para a saúde coletiva. “A área de saúde tem um importante lugar histórico na evolução dos processos científicos e a Fiocruz tem um papel de liderança a desempenhar, para que seja possível atender a sociedade em suas lacunas e mazelas, cada vez mais disseminadas em contexto global”, conclui Trindade. Dessa forma, a adoção de novas formas de produzir e difundir ciência parece ter muito a contribuir para o combate tanto das epidemias que ultrapassam fronteiras entre Estados quanto das doenças endêmicas que há décadas afetam a saúde de milhões de pessoas. 

Na Fiocruz

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