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21/12/2006

Especialização intelectual no Brasil entre 1895 e 1935 é tema de livro

Fernanda Marques


O chamado homem de letras cultivava os mais variados saberes e se ostentava com autoridade na Corte Imperial. Mas, com o passar do tempo, começou a ser acusado de reproduzir cultura inútil e recebeu títulos pouco elogiosos como retórico e enciclopédico. Com voz ativa nessa crítica à exibição do homem de letras, emerge a figura do cientista, que busca se estabelecer como o profissional da pesquisa. Esse processo é analisado no livro A ciência como profissão – médicos, bacharéis e cientistas no Brasil (1895-1935), recém-publicado pela Editora Fiocruz.


 Na foto da capa, Oswaldo Cruz em seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, em 1913

Na foto da capa, Oswaldo Cruz em seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, em 1913


A ciência como profissão é um dos mais recentes títulos da Coleção História e Saúde, de caráter interdisciplinar, que visa, principalmente, fortalecer e divulgar a produção acadêmica nacional, mas também acolhe autores estrangeiros. Quem assina a obra é a doutora em história social Dominichi Miranda de Sá, professora e pesquisadora-visitante do Programa de Pós-graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz (COC). Endereçado a todos os interessados na história das idéias e das ciências no Brasil, o livro é uma versão revisada da tese de doutorado de Dominichi, defendida em 2003 na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A autora também freqüentou a célebre École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris.


Durante a pesquisa, Dominichi examinou estatutos, atas, periódicos e discursos feitos nas associações literárias e nas sociedades científicas, além de artigos publicados por e sobre cientistas em jornais e revistas da cidade do Rio de Janeiro no início do século 20. “Nesse período, a presença dos temas científicos era bastante intensa nos jornais diários e nos semanários que circulavam no Rio de Janeiro. Figuravam nas chamadas de primeira página, em artigos, editoriais, seções e números especiais. A imprensa noticiava as novas descobertas científicas, as viagens dos cientistas ao exterior, a presença de cientistas estrangeiros no país, suas biografias, perfis e obituários, e ainda costumava realizar entrevistas e reproduzir as palestras, as aulas e os discursos proferidos nas mais prestigiadas instituições da época. E tudo isto graças à importância então conotada à ciência no processo de modernização e civilização do país”, adianta a pesquisadora logo na apresentação do livro, que, assim, chama a atenção também dos interessados na história da comunicação e da divulgação científicas.


A atividade intelectual não era uma ocupação profissional, mas, no final do século 19, a intelectualidade começou a se especializar. Essas mudanças nos modos de produção cultural são analisadas ao longo das 216 páginas de A ciência como profissão. Personagens históricos cujo trabalho levou à fundação da Academia Brasileira de Ciências, em 1916, são destacados no livro, que se encaixa em uma tendência atual de revisar a história da atividade científica no Brasil.


De acordo com Dominichi, embora os cientistas das primeiras décadas do século 20 considerassem sua atuação singular e deflagradora de uma ruptura com o passado, eles não inauguraram a atividade científica no país. Mas essa geração modificou a forma como as idéias eram produzidas. Nesse sentido, a grande novidade consistia na defesa da especialização da atividade intelectual, processo consumado – e não iniciado, como pensam alguns – com a institucionalização universitária, após 1930. 



Os mesmos cientistas que insistiam na separação entre ciência e literatura também mantinham vínculos com associações literárias de renome. A suposta incoerência do ingresso de médicos e cientistas na Academia Brasileira de Letras (ABL), por exemplo, é discutida no sétimo capítulo de A ciência como profissão. O tema também inspirou a ilustração da capa do livro, que retrata a posse de Oswaldo Cruz na ABL, em 26 de junho de 1913.


À venda por R$ 27, o livro A ciência como profissão foi lançado juntamente com dois outros títulos: Políticas internacionais de saúde na Era Vargas - o Serviço Especial de Saúde Pública, 1942-1960, do doutor em história André Luiz Vieira de Campos, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj); e Vírus, mosquitos e modernidade - a febre amarela no Brasil entre ciência e política, de Ilana Löwy, pós-doutora em ciências biomédicas e direito pela Universidade de Paris V e diretora de pesquisa do Institut National de la Santé et la Recherche Médicale (Inserm), na França. Essas obras também integram a Coleção História e Saúde, que reúne agora 12 títulos.

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