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26/01/2007

Esponjas de água doce deram origem à epidemia de doença ocular no Tocantins

Bel Levy


A origem de uma epidemia ocular que em 2005 atingiu 200 crianças e jovens no município de Araguatins, localizado à margem esquerda do rio Araguaia, no Tocantins, acaba de ser desvendada por um esforço de investigação empreendido por um grupo multidisciplinar de pesquisadores e concluído no Laboratório de Patologia do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), uma unidade da Fiocruz. A conclusão é de que duas espécies de esponjas de água doce atuaram como agentes etiológicos causadores da infecção ocular. A descoberta acaba de ser publicada na revista Memórias do Instituto Oswaldo Cruz. O estudo contou com a participação da especialista em esponjas fluviais Cecília Volkmer-Ribeiro, pesquisadora da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul, e também envolveu oftalmologistas e técnicos da secretarias municipais de Saúde de Augustinópolis e Palmas, o pesquisador Fernando Oréfice, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e a pesquisadora Janice Coelho, do Instituto de Pesquisa Evandro Chagas (Ipec) da Fiocruz.


 Na imagem obtida por microscopia confocal é possível ver as espículas em cortes radiais (Foto: IOC)

Na imagem obtida por microscopia confocal é possível ver as espículas em cortes radiais (Foto: IOC)


“A relação entre as esponjas e a epidemia ocular de Araguatins já era uma hipótese, sugerida por Cecília Volkmer Ribeiro, mas a presença dos espinhos que provocam as lesões ainda não havia sido confirmada. Como as lesões servem como porta de entrada para fungos e outros microorganismos patogênicos, e como o solo da região é rico em vermes, surgiram hipóteses sobre a origem parasitária da infecção – o que, no entanto, não foi verificado”, afirma o pesquisador Henrique Leonel Lenzi, que coordenou o estudo no Laboratório de Patologia do IOC com o pesquisador Marcelo Pelajo Machado. “Depois de estudar amostras de esponjas e de observar o material retirado de pacientes percebemos a presença de espículas que caracterizam duas espécies de esponjas fluviais e pudemos, então, afirmar finalmente a origem das lesões oculares ”, descreve Lenzi.


As esponjas em questão têm um esqueleto espinhoso, composto de espículas que as tornam mais resistentes e que, uma vez dispersas na água, podem penetrar na pele, em tecidos conjuntivos e mucosas (olhos, boca, nariz e tubo digestivo) de pessoas e animais que entrem em contato com a água do rio. Antigas tribos indígenas que ocuparam a região já conheciam o perigo representado pelas esponjas em épocas de seca do rio, quando elas ficam expostas ao ar, secam e liberam as espículas. As águas ricas em espículas formavam uma espuma que os índios chamavam de cauí ou cauxi.


“O rio representa importante atividade turística para a cidade de Araguatins e por isso há muitos anos foram colocadas dragas em seu leito – o que alterou o fluxo de dispersão das esponjas, levando-as do fundo do rio para sua superfície”, destaca Lenzi. “Somado a isso, a intensificação do uso do rio para atividades recreativas como banho e mergulho pode ter ocasionado a epidemia. A confirmação de que essas esponjas podem causar patologias oculares alerta para o perigo do uso dessas águas”, completa.


Ao comprovar a origem da infecção, o estudo alerta para a importância de avaliação e controle da qualidade das águas utilizadas para banho e mergulho, pois epidemias semelhantes ocorreram pelo mundo. Como as esponjas fazem parte da fauna local e sua extinção pode gerar desequilíbrio ecológico, com danos à saúde humana, a única recomendação médica é a atitude preventiva, por meio da proibição do contato de crianças com a água do rio, do desenvolvimento de programas de educação em saúde ambiental e do alerta sobre a epidemia por administradores públicos e serviços comunitários de saúde.


Para complementar a pesquisa e aprofundar o conhecimento sobre a patologia, como o mecanismo de entrada das espículas na conjuntiva, os pesquisadores estudarão uma infecção experimental induzida em coelhos – o que será feito com uma equipe do Centro de Pesquisa René Rachou (CPqRR), unidade da Fiocruz em Minas Gerais.

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