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24/05/2012

Estudo aponta como os EUA auxiliaram o remapeamento do globo em sua primeira viagem de circunavegação

Renata Moehlecke


Realizar um extenso mapeamento náutico de diversas partes do globo: esse era a principal meta da U.S. Exploring Expedition, primeira viagem norte-americana de circunavegação mundial, que ocorreu entre os anos de 1838 e 1842. Isso é o que aponta a historiadora Mary Anne Junqueira, em artigo publicado na revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos. Seu estudo analisa o contexto histórico em que se deu essa expedição e indica que esta também estava carregada de objetivos científicos, econômicos, políticos e diplomáticos.


 O veleiro Vincennes em Disappointment Bay, na Antártida

O veleiro Vincennes em Disappointment Bay, na Antártida






“A expedição norte-americana foi uma das que se juntou ao esforço internacional para preencher lacunas e comprovar o conhecimento sobre o globo. Todavia, a viagem exploratória é igualmente reveladora das intenções norte-americanas em se colocar no mundo como agentes e interlocutores dos europeus em assuntos científico-militares”, afirma Mary Anne. “Ao realizar uma viagem desse tipo – com evidentes objetivos geopolíticos –, o país buscava um lugar no mundo; dialogava, contribuía e concorria com as potências da época, demonstrando sua capacidade técnico-científica; na mesma direção, trataram de construir um saber próprio, primordialmente seu sistema cartográfico”.


De acordo com a historiadora, a jornada rendeu a produção de cinco relatórios, 18 volumes científicos e um atlas. “Buscava-se o levantamento das costas de determinados continentes e ilhas, o reconhecimento das desembocaduras de rios, dos portos e das correntes marítimas e a identificação de baixios e outros acidentes geográficos submersos que pudessem oferecer riscos às embarcações”, comenta. Diversos botânicos, naturalistas e mineralogistas também participaram da expedição e teriam sido responsáveis pela coleta de quarenta toneladas de espécimes vegetais, animais e minerais, reunidos depois em coleções que deram início ao complexo de museus Smithsonian Institution, de Washington, em especial, ao Jardim Botânico da capital.


“Mais exaltado, todavia, é o fato de Charles Wilkes ter comprovado ser a Antártida continente separado dos demais. Muitos viajantes haviam alcançado essa parte do globo, mas coube ao capitão da U.S. Exploring Expedition a proeza da ‘comprovação científica’. A partir dessa constatação os mapas do globo redesenhados incluindo-se o sétimo continente. Uma grande porção a leste da Antártida recebeu o nome de Wilkes Land (Terra de Wilkes)”, destaca Mary Anne. Os feitos não pararam por ai: “Com relação à região do Oceano Pacífico – onde se encontravam as imprecisões – elaborou-se uma cartografia praticamente do zero”, relata a pesquisadora. “A precisão dos mapas desenhados por Charles Wilkes e por seus oficiais é celebrada, visto que muitos deles foram utilizados até na Segunda Guerra Mundial. Considera-se que a movimentação norte-americana no Pacífico, após o ataque de Pearl Harbor, teve como orientação alguns dos mapas elaborados pelo capitão”.


Ainda segundo a autora, o fato de os EUA empreenderem uma viagem de tal natureza quando ainda construíam seu Estado nacional, estando sua conquista territorial ainda em andamento, revela que sua cultura imperial marca a trajetória do país desde sua fundação: os norte-americanos procuravam autonomia com relação aos europeus na construção de sua própria cartografia. Um dos principais motivos para a iniciativa de empreitada foi a busca pela localização exata em alto-mar, principalmente, após a instituição do sistema de longitudes, quando as cartas náuticas e mapas de vários países foram conferidos e outros, novos, desenhados.


“As nações concorriam entre si, particularmente na disputa pelo Pacífico; ao mesmo tempo, compartilhavam dúvidas e discutiam soluções por meio de memorandos e ofícios diplomáticos, mas, sobretudo, através de informações e ponderações colocadas nos relatos de viagem. Uns conferiam as cartas dos outros, no esforço de unificar conhecimentos sobre o globo, não sem as devidas concorrências e disputas de poder”, explica Mary Anne. “Os resultados dessas viagens de circunavegação, como de outras explorações científico-estratégicas, eram rigorosamente selecionados antes de vir a público. Alguns mapas e cartas desenhados durante ou após o trajeto eram mantidos em sigilo, outros eram publicados e comercializados”.


Publicado em 22/5/2012.

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