Estudo associa Bolsa Família ao menor risco de internações por uso de substâncias

Publicado em
Cidacs/Fiocruz Bahia
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Segundo o Ministério da Saúde, em 2021, o Sistema Único de Saúde (SUS) registrou mais de 86 mil internações hospitalares relacionadas a transtornos mentais e comportamentais associados ao uso de álcool e outras drogas. No entanto, um novo estudo do Centro de Integração de Dados e Conhecimento para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia), em parceria com a Universidade de Harvard, aponta outras possibilidades para esse cenário. De acordo com a pesquisa, beneficiários do Bolsa Família apresentaram um risco 17% menor de internação por transtornos relacionados ao uso de substâncias, em comparação com os não-beneficiários. O estudo, publicado no periódico The Lancet Global Health, também verificou a associação entre o Bolsa Família e as internações por tipos de substâncias. Foi observada uma redução em 26% no risco de internações por uso de álcool e 11% no risco de internação por outras substâncias exceto álcool entre os beneficiários do programa quando comparados aos não-beneficiários.

Instituído em 2003, o Programa Bolsa Família busca aliviar a carga de pobreza e extrema pobreza entre famílias com baixa renda por meio da transferência de renda. Para receber o auxílio, o beneficiário precisa cumprir compromissos, chamados de condicionalidades. 

“Essa associação observada entre ser beneficiário do Bolsa Família e a redução do risco de internação pode estar relacionada ao alívio do estresse financeiro e a promoção de acesso aos serviços de saúde e educação, por conta das condicionalidades do programa”, explica Lidiane Toledo, pesquisadora associada ao Cidacs e uma das integrantes da equipe de pesquisa que conduziu o estudo. 

De acordo com a pesquisadora, o estresse financeiro, caracterizado, por exemplo, por preocupações e incertezas constantes se vai ter dinheiro suficiente para atender às necessidades básicas de vida, é considerado um “estressor” de natureza socioeconômica, que pode afetar a qualidade de vida e piorar a saúde mental.  É nesse ponto que políticas de transferência de renda também podem a contribuir para o bem-estar da população ao aliviar esse estresse financeiro.

Contextos vulneráveis 

Outro fator que influencia a saúde mental da população é o nível socioeconômico do local onde cada pessoa vive. Entendendo que isto é algo importante, a equipe de pesquisa analisou a associação entre ser beneficiário do Bolsa Família e as hospitalizações por transtornos por uso de substâncias segundo níveis de privação material ou de maneira mais geral, segundo o nível socioeconômico do município de residência. Para isso, foi utilizado o Índice Brasileiro de Privação (IBP-Cidacs), um índice utilizado para medir níveis de privação material de uma determinada área geográfica. 

Os resultados indicaram que os beneficiários do programa Bolsa Família tiveram menor risco de internação em todos os níveis de privação material municipal analisados, em comparação aos não beneficiários. No estrato com maior privação material por exemplo, o risco de internação foi 41% menor entre os beneficiários, em comparação aos que não beneficiários. “Isso pode indicar a importância do Programa Bolsa Família e suas condicionalidades na redução das desigualdades sociais e de saúde, associadas ao agravamento do uso de substâncias em ambientes socioeconomicamente desfavorecidos”, coloca Lidiane.

A pesquisadora destaca que os resultados do estudo ressaltam a importância de considerar políticas públicas intersetoriais que levem em consideração a atenção psicossocial, mas também o apoio financeiro para pessoas vivendo com transtornos mentais decorrentes do uso de substâncias e em situação de pobreza ou extrema pobreza.

"Como podemos esperar que uma pessoa busque e mantenha o tratamento de saúde se ela e sua família nem sabem se terão o que comer?”, questiona. “A recomendação é que profissionais da Atenção Primária e dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) considerem encaminhar pessoas vivendo com transtornos por uso de substâncias e que estão em situação de vulnerabilidade social para programas de proteção social, como o Bolsa Família”. 

O estudo utilizou dados da folha de pagamento do Bolsa Família e dos registros de internação por uso de substâncias do Sistema de Informações Hospitalares (SIH), integrados a linha de base da Coorte de 100 milhões de brasileiros do Cidacs.  Foram analisadas informações de mais de 35 milhões de pessoas, registradas entre 2008 e 2015.