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04/11/2011

Estudo clínico investigou uso de maiores dosagens contra a esquistossomose

João Paulo Soldati


Considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) uma doença que perpetua os índices de pobreza e contribui para a geração de miséria, a esquistossomose foi alvo de uma extensa pesquisa clínica internacional. Otávio Pieri, pesquisador do Laboratório de Ecoepidemiologia e Controle da Esquistossomose e Geohelmintoses do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), e outros 13 cientistas desenvolveram um estudo clínico com 856 pacientes das Filipinas, Mauritânia, Tanzânia e Brasil. O objetivo era verificar se haveria benefícios em aumentar a dosagem atualmente recomendada do Praziquantel, que é o único medicamento empregado em larga escala pelos programas de controle da doença.


<EM> Schistosoma mansoni</EM> macho e fêmea em cópula registrados por um microscópio eletrônico. Foto: Laboratório de Helmintos Parasitos de Vertebrados.

Schistosoma mansoni macho e fêmea em cópula registrados por um microscópio eletrônico. Foto: Laboratório de Helmintos Parasitos de Vertebrados.


O estudo foi financiado pelo Programa Especial de Pesquisa e Treinamento em Doenças Tropicais – TDR (Tropical Diseases Research, na sigla em inglês). Foram selecionados quatro grupos de pesquisa em países com diferentes situações epidemiológicas da esquistossomose. No Brasil, a Fiocruz foi escolhida para conduzir o trabalho. “Todos os grupos de pesquisa envolvidos na iniciativa seguiram o mesmo protocolo de investigação, buscando gerar dados que respondessem à seguinte pergunta: qual dose de Praziquantel é mais eficaz para países onde a esquistossomose é endêmica?”, pontua Pieri.


Realidades distintas


Segundo o pesquisador, os formuladores de política de saúde, principalmente da África, precisavam desta resposta por parte da OMS. Mauritânia e Tanzânia, por exemplo, são países que adotam o tratamento em massa, geralmente entre crianças em idade escolar.


“Tendo em vista os altos índices de endemicidade da doença e a precariedade dos serviços de saúde nestes países, em grupos de alto risco o tratamento é administrado independentemente de prévio diagnóstico. Chamamos isso de quimioprofilaxia ou quimioterapia preventiva. A distribuição é em massa e o custo é alto, mas se justifica pelo alto número de casos”, observa o especialista.


Pieri acrescenta que mesmo nos países africanos, onde a doença é altamente endêmica e o custo do diagnóstico é proibitivo, a escolha pela estratégia de quimioprofilaxia tem que ser muito bem pensada. “Na África, estamos falando de uma prevalência de 80% da infecção, o que talvez justifique esta opção. No Brasil, a realidade é diferente, pois o custo do kit diagnóstico (produzido por BioManguinhos) é baixo. O Ministério da Saúde só recomenda o tratamento em massa em condições muito específicas quando a prevalência da doença é acima de 50%, o que é raro de encontrar no país”, pondera.


Resultados


Os pacientes foram divididos em dois grupos. Um deles recebeu tratamento com 40mg/kg do medicamento Praziquantel (dosagem atualmente recomendada pela OMS), enquanto o outro grupo recebeu uma dose maior, de 60 mg/kg.


A pesquisa revelou que a dosagem de 60 mg/kg da droga não oferece vantagem significativa sobre a eficácia em relação ao uso padrão de 40 mg/kg para o tratamento da esquistossomose intestinal causada pelos parasitos Schistosoma mansoni ou S. japonicum. Ou seja, em ambas as dosagens, o medicamento se mostrou igualmente eficaz: 21 dias depois do tratamento, as taxas de cura tiveram médias bastante aproximadas, de 91,7% (dosagem de 40mg/kg) e 92,8% (dosagem de 60 mg/kg). Assim, os resultados da pesquisa reforçam a atual recomendação de dosagem definida pela OMS.


“Se adotarmos como critério de cura a situação do paciente três semanas depois da administração do medicamento, as duas doses funcionam bem. No grupo de pacientes do Brasil, foi observada 100% de eficácia nesse período”, relata Pieri.


Benefícios adicionais


Um benefício da dosagem maior foi observado em outro aspecto. O Praziquantel atua sobre as fêmeas do parasito prejudicando a postura de ovos. Muitas fêmeas migram, outras morrem. Com a dosagem maior do medicamento, a reovoposição (o retorno das fêmeas a colocar ovos) foi menor. No entanto, este efeito só é observado de seis meses a um ano após o uso do medicamento.


Segundo Pieri, algo que não era esperado na pesquisa foi observado a partir de seis meses após a administração do remédio: as crianças tratadas com a dose de 60mg/kg tiveram menos frequência de reincidência do parasita do que aquelas que tomaram a dosagem de 40 mg/kg. “Como as fêmeas sobreviventes cessam temporariamente a ovoposição sob efeito do medicamento, essa diferença só foi detectada nos exames feitos após seis meses”, explica.


O pesquisador ressalta que os efeitos colaterais do medicamento são muito freqüentes, ainda que transitórios: 78% das crianças que tomaram o Praziquantel sofreram eventos adversos como dor-de-cabeça, náuseas, dores abdominais e vômitos. “Tendo em vista que, além dos efeitos colaterais, essa droga tem contra-indicações importantes, ela não deve ser administrada sem orientação médica”, frisa Pieri.


Dados atuais


A esquistossomose acomete anualmente 2,5 a 6 milhões de pessoas no Brasil. Segundo dados do Programa de Vigilância e Controle da Esquistossomose (PCE) da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), de 2000 a 2010, a taxa de mortalidade caiu 34%. Foram registrados no ano passado 493 óbitos. A taxa de internação caiu 87% no período – em 2010, foram 301 internações. A doença causada pelo parasito Schistosoma mansoni está presente em 19 estados brasileiros, sendo que nove deles são caracterizados como áreas endêmicas (MA, AL, BA, PE, PB, RN, SE, MG e ES). Rio de Janeiro e São Paulo, dois dos estados mais ricos do país, são considerados áreas com transmissão focal.


Além do diagnóstico e tratamento dos pacientes, o controle sustentado da doença depende de medidas de saneamento básico. “Educação em saúde é outra medida preventiva que funciona bem”, afirma o cientista. No Brasil, o Praziquantel é produzido pela Fiocruz, por meio do Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos).


Publicado em 4/11/2011.

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