Com cerca de 1,5 milhão de habitantes e uma frota de mais de 700 mil veículos, Recife enfrenta desafios crescentes relacionados à qualidade do ar. Esse cenário impulsionou a biomédica Cleonilde do Nascimento a desenvolver, na sua tese de doutorado, um estudo inédito, focado nos impactos biológicos da poluição do ar em nível celular.
O trabalho buscou obter dados robustos sobre a qualidade do ar na capital pernambucana e seus efeitos na saúde da população. Segundo a doutoranda em Biociências e Biotecnologia em Saúde, uma análise dos dados disponibilizados pelo sistema DATASUS mostrou um aumento significativo nas internações e mortes relacionadas à poluição do ar na última década. "Estudos como o nosso são fundamentais para pressionar pela implementação de medidas de monitoramento e controle da poluição, o que poderia melhorar a qualidade de vida de milhares de pessoas", afirma.
Orientada pela vice-diretora de Ensino e Informação Científica da Fiocruz Pernambuco, Sheilla Oliveira e pelo professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Helotônio Carvalho, Cleonilde construiu um modelo celular tridimensional, capaz de simular os efeitos dos poluentes no tecido pulmonar, para compreender, de maneira mais profunda, os danos causados pela poluição atmosférica, especificamente pelo material particulado (MP). O modelo também investiga como terapias antioxidantes podem atuar na prevenção desses danos.
Os resultados mostraram que o MP do Recife é altamente tóxico para as células pulmonares, provocando estresse oxidativo, inflamação e até morte celular. Esses efeitos estão diretamente associados a doenças cardiorrespiratórias graves, como asma, bronquite, doença pulmonar obstrutiva crônica, infarto e até câncer.
Essas descobertas foram comparadas aos efeitos do material particulado de emissões de diesel (MP-Diesel), amplamente estudado mundialmente, e revelaram semelhanças preocupantes, alertando para os riscos que a poluição urbana representa para a saúde pública do Recife. "O trabalho de doutorado de Cleonilde traz contribuições significativas em três eixos acadêmicos e científicos: primeiro, ao aprofundar a compreensão dos impactos da poluição na saúde humana; segundo, ao reduzir o uso de animais na pesquisa científica, com a criação de um método alternativo utilizando culturas de células imortalizadas; e, por último, ao consolidar a parceria com a UFPE sob a orientação do professor Helotonio Carvalho", destaca a orientadora Sheilla Oliveira.
O estudo contou com o apoio da Fiocruz Pernambuco, da UFPE e de órgãos de fomento como Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O grupo de pesquisa liderado por Sheilla já planeja expandir os projetos, treinar novos alunos e continuar investigando os efeitos da poluição do ar no Recife.