14/08/2024
Os impactos econômicos causados pela pandemia de Covid-19 tendem a gerar uma desaceleração no ritmo da implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) que compõem a Agenda 2030. Essa é a constatação de um estudo da Fiocruz Minas, que investigou a evolução de 43 indicadores relacionados à saúde, em 185 países, e fez uma projeção do desempenho deles para o período entre 2021 e 2030, com base em previsões de crescimento econômico antes e depois da pandemia. As análises mostraram que os países com rendimentos mais baixos poderão ter um retrocesso de 16% em todos os indicadores avaliados, um declínio bem mais significativo do que o estimado para os países de rendimento elevado, que é de 3%, levando a um acirramento das desigualdades.
“Os países que têm uma economia mais potente se recuperam mais rapidamente e conseguem se reestruturar em menos tempo. Já os países mais pobres tiveram uma desorganização de sua base econômica muito maior, com um processo de reorganização muito mais alongado. Isso impacta no ritmo em que cada país avança rumo ao cumprimento dos ODS”, explica o pesquisador Rômulo Paes, do grupo de Políticas de Saúde e Proteção Social, coordenador do estudo.
Para avaliar a evolução dos indicadores de saúde, os pesquisadores usaram um modelo econométrico que incluiu três indicadores relacionados a aspectos econômicos dos países: o PIB per capta (PIBpc), que representa a média de produção e riqueza de um país distribuída por cada habitante, e é baseado em projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI); o índice de Gini, que mede a distribuição de renda, e é calculado pelo Banco Mundial; e os investimentos em saúde de cada país, conforme dados da Organização Mundial de Saúde (OMS). As análises foram realizadas considerando dois cenários: as projeções econômicas dos países feitas em janeiro de 2020, ou seja, antes da pandemia; e as atualizadas em outubro de 2021, já considerando a situação pandêmica.
Seguindo critérios do Banco Mundial, os pesquisadores dividiram os países em quatro grupos: países de baixa-rendimento, cujo PIBpc é de 1045,00 dólares; países de rendimento médio-baixo, com PIBpc variando entre 1046,00 e 4095,00 dólares; países de rendimento médio-alto, com PIBpc entre 4096,00 e 12.695 dólares; e países de alta renda, com PIBpc superior a 12.696 dólares.
Resultados
Ao comparar as duas projeções realizadas para a década, o estudo revela uma queda de, em média, 42% no crescimento econômico dos países de baixo rendimento e de 28% dos países de médio-baixo rendimento. Para os países de alto rendimento, essa queda é de 7%, e de 15% para aqueles com rendimento médio-alto. Tais índices reverberam na maior parte dos indicadores de saúde e mostram que os impactos econômicos da pandemia são ainda mais desafiadores para os países mais pobres.
Indicadores relacionados ao tema doenças infecciosas estão entre os mais impactados negativamente, com previsão de desaceleração no ritmo de implementação nos quatro grupos de países. Entretanto, nos países de baixo rendimento a desaceleração prevista é de, em média, 33,8%, contra uma média de 6,4% nos países de rendimento elevado. Dentro dos piores desempenho, também estão incluídas lesões e violência, saúde materna e reprodutiva, cobertura de sistemas de saúde, saúde neonatal e infantil.
Os países de baixa renda lideram os retrocessos na maior parte dos indicadores, com impactos mais negativos do que o esperado para lesões e violência, saúde materna e reprodutiva. Os países de rendimento médio-baixo, além de amargarem um retrocesso de em média 30% nos indicadores relacionados ao tema doenças infeciosas, tendem a ter uma desaceleração de cerca de 10% no ritmo da implementação dos indicadores referentes a saúde materna, infantil e neonatal, bem como sistemas e a cobertura de saúde. Já para os países de rendimento médio-alto, as doenças não transmissíveis, lesões e violência são os principais pontos de atenção. Entre os de alta renda, além dos retrocessos nos indicadores relacionados a doenças infeciosas, também há menos avanços em riscos ambientais e saúde materna e reprodutiva, mas com índices de desaceleração bem menores que os países de baixa renda.
Ainda conforme as projeções do estudo, a desigualdade, mensurada pelo índice de Gini, influenciou de forma significativa em 15 indicadores, com destaque para os índices de crianças com atraso no crescimento, cobertura vacinal infantil, incidência de malária, número de pessoas infectadas por doenças tropicais negligenciadas, mortalidade por doenças crônicas não-transmissíveis, prevalência de tabagismo, homicídios e nos gastos diretos com saúde. Quanto maior a desigualdade pior a performance nesses indicadores.
Os investimentos em saúde influenciaram nos indicadores sistemas de saúde e cobertura, desnutrição infantil, imunização, taxas de mortalidade por desastres naturais, índices de mortalidade atribuída à poluição e a exposição a serviços inseguros de água, saneamento e higiene. O impacto é diretamente proporcional, já que o desempenho dos indicadores é melhor nos países com maiores investimentos na área de saúde.
Os resultados do estudo propõem reflexões valiosas para a política internacional de saúde pública e mostram que a cooperação internacional e o apoio direcionado no sentido de reforçar os sistemas de saúde nos países de baixo rendimento são fundamentais para que se possa garantir um progresso equitativo visando a um futuro mais saudável para todos. “Este estudo traz um alerta sobre quais são os principais desafios na saúde a serem enfrentados e para quais aspectos é necessário dar mais atenção”, destaca Paes.
Intitulado Post-Covid-19 health inequalities: Estimates of the potential loss in the evolution of the health-related SDGs indicators [Desigualdades em saúde pós-Covid-19: estimativas dos retrocessos na evolução dos indicadores dos ODS relacionados à saúde], o estudo foi publicado (25/7) na revista Plos One.