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05/03/2008

Estudo propõe romper com classificação da violência em conselhos tutelares

Renata Moehlecke


Uma pesquisadora da Universidade de São Paulo analisou o atual sistema conceitual de classificação das diferentes violências dirigidas à infância e à adolescência, a partir de informações disponibilizadas por três conselhos tutelares de Ribeirão Preto, município no nordeste do estado. O estudo teve como base 7.765 notificações, efetuadas entre 2000 e 2003, que estavam classificadas em 20 categorias. Essas foram reagrupadas em apenas três modalidades de violência: estrutural, criminal (infracional) e doméstica.


 Vista aérea da região central de Ribeirão Preto (Foto: Faculdade de Medicina/USP)

Vista aérea da região central de Ribeirão Preto (Foto: Faculdade de Medicina/USP)


“Esse procedimento encorpa a discussão que vem sendo travada, concernente à necessidade de se aprimorar o sistema de registro das notificações, em termos de padronização, informatização e integração dos dados, de modo a obter-se maior qualidade na sua produção e agilidade em seu tratamento”, afirma a psicóloga Marina Bazon, no artigo publicado na edição de fevereiro da revista Cadernos de Saúde Pública da Fiocruz. “Com o presente estudo acredita-se poder apreender um universo maior de situações concretas relacionadas às formas de violência que afetam a infância e juventude brasileiras, e ainda obter elementos para discutir estas situações, em termos de como e quanto elas são apreendidas e registradas”.


Bazon sugere a nova classificação visando romper com uma visão individualizante e fragmentada da apreensão do fenômeno da violência, que é arranjada em categorias como “falta de vagas na educação”, “violência física”, “abandono”, “desaparecimento” e “miserabilidade”. De acordo com a pesquisadora, 43,4% das notificações puderam ser consideradas como violência estrutural (relativa às condições de vida das crianças e adolescentes, geradas a partir de decisões histórico-econômicas e sociais) e 44,1% como doméstica (apreensível nas suas quatro principais manifestações: física, sexual, psicológica e negligência). A categoria violência criminal estaria ligada a ações fora da lei socialmente reconhecida e que envolve os indivíduos (no caso crianças ou adolescentes) como vítimas ou agressores.


A pesquisa também constatou uma redução gradual na freqüência de registros a cada ano verificado: 2.396 em 2000, 1.973 em 2001, 1.808 em 2002 e 1.614 em 2003. “Diante da improbabilidade de ter havido, no período, redução nas taxas de violência contra crianças e adolescentes ou redução proporcional da população infanto-juvenil residindo no município, tal movimento dos números suscita estranhamento e faz cogitar o aumento da subnotificação, que é uma realidade no Brasil”, explica a psicóloga. “Há a possibilidade dos dados refletirem um desgaste crescente da confiança dos cidadãos no sistema de proteção, em sua capacidade de oferecer solução para os problemas ali colocados”.


Segundo a pesquisadora, o incremento da subnotificação pode estar atrelado ao esquema de funcionamento dos registros, que tem uma espécie de filtro pelo qual o próprio órgão, diante de um volume crescente de ocorrências, seleciona casos, deixando de fazer a nota naqueles avaliados como “muito graves”. “É possível que esta dinâmica encontre apoio, para instalar-se, na descrença do próprio órgão na capacidade do sistema resolver todos os problemas, o que finda por regular a pressão exercida pela demanda por programas e serviços no município”.

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