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22/01/2007

'Eu me via sempre dez quilos mais gorda'

Ricardo Valverde


Aos 9 anos, Danielle dos Santos fazia balé e se incomodava porque achava que suas pernas eram roliças demais para uma menina. Quando se comparava com as colegas do mesmo curso, nos ensaios ou em fotografias, ela se sentia mal, até porque, o que deixava a menina ainda mais confusa, somente as magras faziam os solos do balé – e assim não demorou muito para que Danielle pedisse transferência para o jazz, onde as garotas eram menos magras e usavam meias pretas, o que escondia as pernas. Aquele episódio, ocorrido na infância, não despertou a atenção da família para o que poderia ser o início de um problema mais sério, que a hoje profissional de relações públicas Danielle, às vésperas de completar 29 anos, enfrentou em alguns momentos ao longo da vida. Mas ela agora está curada e satisfeita com seu corpo. Ou quase. “Uma mulher sempre quer perder dois ou três quilos”, brinca Danielle. “Mas felizmente deixei para trás os dias em que sofri por isso. Hoje eu assumo os meus 58 quilos”, conta ela, que tem 1,57m de altura.


 O site de relacionamentos Orkut tem mais de 120 comunidades que tratam tanto a anorexia quanto a bulimia como um estilo de vida (Arte: Guto Mesquita)

O site de relacionamentos Orkut tem mais de 120 comunidades que tratam tanto a anorexia quanto a bulimia como um estilo de vida (Arte: Guto Mesquita)


Danielle, que perdeu a mãe pouco depois de nascer, aos sete meses, sofreu outra grande perda aos 15 anos, com a morte do pai. Filha única, ela saiu de São Paulo e veio então morar no Rio, com um casal de tios. A mudança de cidade, de colégio (de um público para um particular) e, de certa forma, de família, mexeu com a cabeça da adolescente, que engordou oito quilos, subindo de 44 para 52. “Hoje tenho consciência de que não estava gorda, mas era assim que eu me via: feia. Passei a fazer tudo de luz apagada”, conta Danielle, que até agora não se sente bem diante de espelhos e procura evitá-los.


Naquela época, no colégio, Danielle acabou se aproximando de adolescentes que de alguma maneira também se sentiam discriminadas, como negras e gordas. Com 16 anos, passou a tomar laxante, influenciada por uma amiga que fazia uso do produto. Danielle estava na fase inicial da bulimia e começava a vomitar, pelo menos uma vez por semana. Deixou de ir à praia por vergonha de usar biquíni. Ela permaneceu assim até os 18 anos, quando entrou para a faculdade de relações públicas e passou a dar menos importância aos quilos que considerava indesejáveis. Mas um acontecimento inesperado – um seqüestro na porta da faculdade – a levou a sair do Rio e morar em Belo Horizonte, chocada com a violência.


Morando e trabalhando na capital mineira, sozinha, Danielle passou a exagerar na famosa e calórica culinária regional e a conseqüência foi um aumento de peso, chegando aos 56 quilos. “Um dia vim ao Rio visitar meus tios e um senhor amigo da família disse que eu estava comendo muito pão de queijo. Ouvir aquilo foi uma bomba”, lembra Danielle, que na ocasião se trancou no quarto e chorou muito. Ao retornar a Belo Horizonte, ela passou então a adotar a chamada “dieta da melancia”, pela qual só consumia a fruta e depois tomava laxante para pôr para fora. Depois de duas semanas se alimentando apenas da melancia, vomitando e também apresentando diarréia, Danielle não conseguiu sair para trabalhar. Uma vizinha do mesmo prédio, com a qual falava diariamente, sentiu que havia algo estranho e, ao conseguir entrar no apartamento, encontrou Danielle desmaiada.


“Eu sempre me via dez quilos mais gorda. Aquele desmaio serviu para me levar ao médico, que diagnosticou o problema como bulimia, e, por indicação deste e a contragosto meu, que achava que isso era coisa de maluco, ao psicanalista”. O primeiro contato, quando o profissional compareceu à consulta médica sem que Danielle soubesse, foi ruim. Ela estava arredia. Diante da observação de que a continuar como vinha ela não ficaria magra, e sim doente, a jovem respondeu: “Prefiro ficar doente”. Foram três meses vomitando, com sessões de choro que duravam até três horas e consultas diárias à balança. Na época ela chegava a pegar uma faca de cozinha e passava o objeto pelas coxas, imaginando como ficaria se perdesse parte delas. Para Danielle, era o máximo não poder doar sangue. O motivo: quem tem menos de 50 quilos é impedido de fazer este gesto de solidariedade.


Foram as sessões de psicanálise, encerradas há dois anos, que permitiram a Danielle recuperar o equilíbrio. “Comecei a me dar conta de que posso muito bem ser bonita mesmo não sendo magra”. Hoje ela nem consegue mais vomitar, mesmo quando passa mal e precisa fazer. Um parente ou o namorado põe o dedo na garganta quando é necessário. “Esqueci como se faz isso”, brinca Danielle, que está satisfeita com seu corpo e vai casar em breve. Entre as conseqüências do problema que enfrentou, e venceu, ela lista a pressão, que nunca mais normalizou, e as alergias que desenvolveu.

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